Uma decisão da 2ª Vara de Alta Floresta, concedida nessa segunda-feira (31), proíbe o padre Ramiro José Parotto do município de Carlinda, 758 km de Cuiabá, de fazer declarações que culpem vítimas de estupro. A multa é de R$10 mil por cada declaração em caso de descumprimento da determinação.
O religioso passou a ser investigado por suposta apologia ao estupro depois que fez declarações contra a criança de 10 anos, que engravidou do tio após ser abusada sexualmente por quatro anos no Espírito Santo.
A decisão, em tutela de urgência, foi assinada pelo juiz Jean Garcia de Freitas Bezerra após pedido da Defensoria Pública.
O pedido final é indenização de R$ 100 mil por dano moral coletivo. No entanto, segundo o Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), isso será analisado na sentença.
Na liminar concedida nesta semana foi analisado apenas o pedido inibitório feito pela Defensoria.
Conforme a decisão, as declarações feitas pelo padre em entrevistas e nas redes sociais são suficientes para entender que pode haver a reiteração de falas dessa natureza, o que não deve ser permitido, segundo o juiz.
“Até mesmo porque, como ele próprio afirmou, sua condição de líder religioso confere maior repercussão de seus pensamentos, o que pode reforçar perante os fiéis de sua igreja ou fé a legitimidade de pensamentos discriminatórios contra infantes e mulheres”, diz em trecho da decisão.
O magistrado diz ainda que Ramiro está proibido de fazer comentários que “possam colocar crianças e adolescentes em situação vexatória ou discriminatória relacionadas à sexualidade, como o fez os colocando como ‘provocadoras’, assim como que possam atribuir a crianças e adolescentes a concorrência ou exclusividade de culpa por crimes sexuais contra eles cometidos”.
De acordo com a Justiça, mesmo em sentido aberto, que exige interpretação, cabe ao padre deixar de proferir pronunciamentos públicos que de alguma forma promovam a cultura do estupro.
Declarações e investigação
A investigação contra o religioso começou depois que ele respondeu um comentário de uma mensagem compartilhada pelo presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Walmor Oliveira de Azevedo, que lamentou a interrupção da gravidez da menina.
Na publicação, diversas pessoas comentaram o post de Perotto, algumas criticando. Uma delas disse que “obrigar uma criança vítima de estupro a seguir com a gravidez era repugnante” e falou em hipocrisia.
Em resposta, ele disse que duvidava que uma criança abusada por vários anos deixaria de comentar o caso. “Aposto, minha cara. Ela compactuou com tudo e agora é menina inocente. Gosta de dar então assuma as consequências”, escreveu.
Mais tarde, ele postou uma mensagem dizendo que iria sair do Facebook. “Você acredita que a menina é inocente? Acredita em Papai Noel também. Seis anos, por quatro anos, e não disse nada. Claro que estava gostando”, afirmou no post antes de excluir a conta da rede social.
Em nota, o padre disse que assume a responsabilidade pelas postagens e que não quer condenar e nem julgar ninguém.
Um Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) foi aberto para investigar a conduta do padre Ramiro. Nessa quarta-feira, o delegado Pablo Carneiro, após colher depoimentos do religioso, concluiu o termo e encaminhou o procedimento à Justiça.
Outro procedimento de investigação foi aberto no Ministério Público de Mato Grosso.
Um ofício também foi encaminhado à igreja para que informe as providências administrativas de apuração da conduta do pároco.
Ação da Defensoria
A ação da Defensoria Pública de Mato Grosso foi protocolada na Justiça no dia 26 deste mês. Nela, os defensores Letícia Gibbon e Moacir Gonçalves Neto pedem indenização de R$ 100 mil, por dano moral coletivo, e que o padre se cale sobre o tema sexo, criança e adolescente, em rádio, tvs, rede sociais e cerimônias religiosas.
O pedido também é que o religioso se retrate das declarações, que a Mitra Diocesana de Sinop emita uma nota de repúdio contra o que ele falou e que a Igreja e o padre paguem pelas custas do processo.
A Defensoria aponta que há perigo de declarações como as feitas por Ramiro, que é o líder espiritual de uma comunidade. Conforme a ação, isso fomenta a prática de atos sexuais envolvendo crianças e adolescentes menores de 14 anos, sob o argumento de que elas “provocaram”, o que viola, entre outros fatores, a dignidade sexual delas e legitima um crime.
Estupro e gravidez interrompida
A menina de dez anos da cidade de São Mateus, no Espírito Santo, engravidou após ser estuprada pelo tio desde o seis anos de idade. A garota não denunciou porque disse que era ameaçada. O homem suspeito do crime foi preso nesta terça, em Betim (MG). Depois de detido, ele teria confessado “informalmente” o abuso aos policiais que fizeram a prisão.
Após decisão judicial que autorizou o aborto (veja mais no vídeo acima), a criança chegou a ser internada no Hospital Universitário Cassiano Antonio Moraes (Hucam), em Vitória, mas a equipe médica do Programa de Atendimento as Vítimas de Violência Sexual (Pavivi) se recusou a realizar o procedimento no sábado (15). Com isso, ela viajou para Pernambuco.
O procedimento de interrupção da gravidez foi feito no Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam), no Recife (veja mais no vídeo abaixo). A menina precisou à capital pernambucana para interromper a gravidez porque, no estado de origem, os médicos do hospital em que ela foi atendida afirmaram que não tinham capacidade técnica para fazer o procedimento.
Prisão do tio
Segundo a Polícia Civil, o homem de 33 anos suspeito de ter estuprado a criança no Espírito Santo não resistiu à prisão e foi localizado em Minas após um trabalho de inteligência. Ele estava na casa de parentes. Os policiais conseguiram o contato dele e negociaram a entrega. Os agentes saíram de Vitória, no Espírito Santo, na segunda (17), e foram a Betim para fazer a prisão (veja vídeo acima).
O homem seguiu para o Complexo Penitenciário de Xuri, em Vila Velha, na Grande Vitória. Ele foi indiciado por estupro de vulnerável e ameaça e estava foragido desde a última semana.
Após o procedimento, equipes da Polícia Científica de Pernambuco coletaram amostras genéticas do feto e da criança, após uma determinação da Justiça do Espírito Santo.