A Justiça Militar absolveu quatro cabos, pertencentes à PM de Rio Preto, da acusação de terem torturado dois suspeitos, presos por tráfico de drogas em fevereiro de 2018, no bairro Jardim Ouro Verde.
Segundo um dos presos, que foi absolvido em julgamento, policiais militares o agrediram para que ele confessasse ter levado entorpecentes para o amigo. Durante a sessão de tortura, que teria acontecido no terreno do antigo Instituto Penal Agrícola, um dos PMs teria introduzido o dedo no ânus dele.
Laudo do exame de corpo de delito, realizado pelo Instituto Médico Legal, apontou “lesão incisa de cinco centímetros no dorso do pé direito; escoriações disformes em pernas, joelhos e braços; lesão corto contusa, com ponto, em região mentoniana; hemorragia subconjuntival à esquerda; laceração da mucosa anal e equimose da mucosa anal”.
A reportagem apurou que em 2018, policiais militares receberam uma denúncia anônima sobre tráfico de drogas em uma residência do bairro Ouro Verde. No endereço, de acordo com a versão dos PMs, o morador (marceneiro de 27 anos) correu para dentro de casa ao notar a polícia. Ele foi perseguido e detido na sala, onde o amigo (motorista de 25 anos), estaria cortando maconha.
Cada qual foi colocado em um veículo. Quatro quarteirões depois do endereço, as viaturas pararam em frente a um pasto para a troca de algemas, que pertenciam a outra Cia.
Lá, o motorista teria indicado aos policiais que havia droga enterrada no antigo IPA, para onde as equipes seguiram.
No local, os PMs constataram que a indicação era uma estratégia de fuga, já que o rapaz tinha escapado pelo mesmo local em outra ocasião.
Foram apresentados na Central de Flagrantes cinco pedaços de maconha pesando 1,6 kg, além de apetrechos.
Outro lado
Sobre a prisão, os amigos contam outra versão. Que estava somente o morador em casa e o amigo foi até lá mostrar o recibo da venda de um carro. O marceneiro, que assumiu a droga, disse que seu fornecedor na ocasião era um traficante conhecido como Gringo, que estava na residência no momento da incursão policial, porém conseguiu fugir pulando muros.
O motorista foi detido na frente da casa e informado que ele seria preso no lugar do criminoso que fugiu.
Os amigos afirmam que cada qual foi transportado em um carro, porém, as duas viaturas estacionaram juntas em um pasto nas proximidades. Foi neste primeiro endereço de parada que eles teriam sido agredidos a socos e chutes. O dono da droga, para alegar que o amigo era o seu fornecedor. O amigo, para assumir a entrega.
Porém, a ação teria chamado a atenção de pessoas que passavam pelo local e a dupla foi conduzida para um segundo endereço, no Instituto Penal Agrícola.
Lá, o motorista diz que foi espancado e humilhado: os PMs teriam cortado seu pé e queixo utilizando um canivete, e desmaiou ao ser agredido com um saco plástico na cabeça. Acordado com água no rosto, foi colocado de bruços. Enquanto era imobilizado pelo joelho de um dos agentes, outro colocou uma luva azul, introduziu o dedo no ânus do suspeito e depois passou na boca dele.
O amigo, que estava em outra viatura sob a guarda de dois agentes, apenas foi agredido, mas ouviu os PMs pedindo para que ele se aproximasse para assistir o que estava sendo feito com o então comparsa.
Antes de ser levado para a Central de Flagrantes, o suspeito de 25 anos passou por atendimento médico na UPA Tangará, onde recebeu pontos no rosto, e depois foi encaminhado para exames na Santa Casa.
A dupla afirma que a ocorrência iniciou por volta do meio dia, mas somente às 17h chegou à delegacia.
Julgamento
Os PMs confirmam todo o trajeto da ocorrência, mas justificam a parada para a troca de algemas, a procura por droga enterrada e as lesões decorrentes de resistência.
Em audiência, o capitão responsável pelas duas equipes investigadas depôs a favor deles dizendo que sempre tiveram comportamento exemplar e que não acredita que os quatro cabos tenham praticado os atos de tortura a fim de obter a confissão dos suspeitos.
Ao analisar os depoimentos e provas, o juiz Ronaldo Roth, da Primeira Auditoria Militar, concluiu que “as declarações das duas vítimas encontram-se isoladas… confrontando tudo, as lesões na perna do indivíduo e as outras lesões se encaixavam com os depoimentos dos policiais, só não conseguiu achar justificativa para a lesão no ânus”.
Quanto a isso, o depoimento de um perito da Polícia Científica pesou na decisão do magistrado. Ele afirmou que a introdução do dedo com luvas e gel dificilmente causaria as lesões apontadas no laudo.
O juiz aponta ainda que o exame pericial não detalha se a laceração anal era recente.
“Por se tratar de uma lesão leve, pode até mesmo ser provocada por uma unha. Factível, entre inúmeras possibilidades, que possa ter sido causada pelo próprio indivíduo preso. Portanto, com base no que foi explicitado, chega a ser fantasiosa a alegação da vítima”, escreveu.
A sentença finaliza com a absolvição dos réus, sob a chancela do Ministério Público Militar, que opinou no mesmo sentido.
Atualização
Os dois rapazes que figuram como vítimas estão presos. O primeiro pela ocorrência em questão e o segundo, que foi absolvido nesta ocorrência, preso posteriormente por tráfico de drogas em outra situação.
Sobre os PMs investigados, um cabo pediu exoneração e outro foi promovido a sargento.
Por se tratar de inquérito sobre crime militar (praticado durante o exercício da função), os quatro não serão processados pela Justiça Criminal Comum.
A reportagem solicitou nota oficial da Polícia Militar informando se, com a decisão judicial, os três retornam ao trabalho sem nenhum impeditivo.
Assim que a resposta for enviada, o conteúdo será atualizado.