O juiz da 3ª Vara Civil de Fernandópolis, Renato Soares de Melo Filho mandou o promotor de Daniel Azadinho refazer a ação civil pública contra três vereadores da Câmara Municipal de Fernandópolis que fazem parte da CPI do Merendão, além do diretor do RN. Rogério Chamel, Francisco Arouca Poço, Gustavo Pinato e o jornalista Luciano Donadelli são alvos de uma ação do Ministério Público que contesta os trabalhos da CPI que indicou superfaturamento de meio milhão de reais.
O promotor quer anular o trâmite das investigações baseado em diversos requisitos proposto na ação e ainda requer liminar para interromper a CPI que provou superfaturamento, conseqüentemente o afastamento dos vereadores e cassação de mandato. Os três vereadores disseram que ainda não foram notificados e não tem conhecimento sobre os fatos narrados pela Promotoria.
Leia o despacho na íntegra:
Vistos para decisão.
Inicialmente, reconheço que o caso é de indubitável litisconsórcio necessário. Isso porque, dentre os pedidos apresentados, o ilustre representante do Ministério Público pugnou pela decretação de nulidade da Comissão Parlamentar de Inquérito nº 01/15, em trâmite perante a Câmara Municipal de Fernandópolis, o que resulta interesse direto do referido Órgão Legislativo na solução da presente contenda. Em perfeita simetria com o § 3º do art. 53 da CF, o § 4º do art. 25, da Lei Orgânica do Município de Fernandópolis, dispõe que as Comissões Parlamentares de Inquérito serão, obviamente, criadas pela Câmara Municipal. Confira-se:
Art. 25. (…) § 4º “as comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos no Regimento Interno da Casa, serão criadas pela Câmara Municipal, mediante requerimento de um terço dos seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, ou a quem de direito, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.” (fls. 1.042).
O artigo 1º da Resolução nº 02/15 (fls. 1.258ss) repete os ditames do dispositivo citado acima. Além disso, os artigos 3º e 4º da referida Resolução não deixam dúvidas sobre a participação incisiva da Câmara Municipal no processo de formação da CPI:
Art. 3º – A designação dos membros das Comissões Parlamentares de Inquérito caberá ao Presidente da Câmara, assegurando-se, tanto quanto possível, a representação proporcional partidária, nos termos do §3º do artigo 25 da Lei Orgânica do Município de Fernandópolis, e o artigo 58 do Regimento Interno. (fls. 1259).
Art. 4º – Recebido o requerimento, o Presidente da Câmara declarará constituída a Comissão Parlamentar de Inquérito, desde que satisfeitos os requisitos previstos nesta Resolução, na Lei Orgânica e nas disposições regimentais, publicando a decisão no órgão de divulgação oficial do Poder legislativo; caso contrário, indeferirá o pedido, cabendo a qualquer dos autores, recurso ao Plenário, no prazo de 3 (três) dias, ouvida a Comissão de Justiça e Redação. (Fls. 1259).
Logo, eventual declaração de nulidade da CPI, de nº 01/15, repercutirá na esfera jurídica da Câmara Municipal de Fernandópolis, na medida em que se desconstituirá ato proveniente de sua autonomia, enquanto Órgão legislativo no exercício de seu poder fiscalizatório. Portanto, tem-se sub judice uma relação jurídica incindível, de forma que não apenas aqueles que contribuíram para a suposta nulidade da CPI, mas também o Órgão que a originou devem compor o polo passivo.
Sobre a aplicação do instituto processual do litisconsórcio necessário no âmbito da ação de improbidade administrativa, pertinentes são as lições dos processualistas Daniel Amorim Assumpção Neves e Rafael Carvalho Rezende Oliveira em atualíssima obra:
O litisconsórcio necessário se verifica nas hipóteses em que é obrigatória sua formação, enquanto no litisconsórcio facultativo existe uma mera opção de sua formação, em geral, a cargo do autor (a exceção é o litisconsórcio formado pelo réu no chamamento ao processo e na denunciação da lide). No primeiro caso, há uma obrigatoriedade de formação do litisconsórcio, seja por expressa determinação legal, seja em virtude da natureza indivisível da relação de direito material da qual participam os litisconsortes. (…). Cabe uma última ressalva. Na ação de improbidade administrativa é comum a referência aos pedidos de ressarcimento pelos danos causados e aplicação das penas do art. 12 da LIA aos réus. Nesse caso, realmente trata-se de litisconsórcio facultativo e simples. Ocorre, entretanto, que, sendo incluído como pedido na ação de improbidade a anulação de ato administrativo, haverá como objeto da ação, ainda que parcialmente, uma relação jurídica incindível, o que exigirá a formação de litisconsórcio entre todos os que participaram da relação jurídica de direito material. (…). Na ação de improbidade administrativa naturalmente não será exigida essa homogeneidade da decisão para todos os réus, até porque, conforme analisado no Capítulo 13, item 13.5.4, as sanções serão aplicáveis conforme a conduta de cada um deles no ato de improbidade administrativa. Por outro lado, a participação poderá ter sido dolosa ou culposa, com importantes consequências no atinente à responsabilização do réu. (Manual de Improbidade Administrativa – Direito Material e Processual – 2ª edição – Método 2014 p. 130 -132 grifei).
A propósito, sobre a existência inarredável de litisconsórcio necessário nos casos em que a ação de improbidade administrativa veicula pedido de anulação de ato administrativo, recentemente, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo ratificou decisão de minha lavra, por ocasião do julgamento do Recurso de o Agravo de Instrumento nº 2226772-94.2014.8.26.0000. Confira-se:
AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – Constatação de existência de litisconsórcio passivo necessário – Relação jurídica incindível, de forma que todos os que participaram do aludido ato administrativo devem compor o polo passivo da ação. Não prospera a alegação de perda de objeto em razão da revogação da Portaria que nomeou o funcionário, uma vez que o titular da ação civil formulou, além de pedido o de declaração de nulidade da Portaria, pedido de condenação dos réus por ato de improbidade administrativa. Decisão mantida. Agravo de instrumento não provido. (Terceira Câmara de Direito Público Rel. Des. Camargo Pereira DJ. 11/08/2015).
Por conseguinte, tratando-se de hipótese de litisconsórcio passivo necessário, a eficácia da sentença dependerá da citação de todos no processo (artigo 47, CPC), sob pena de nulidade. Logo, é dever do magistrado aferir sua inserção (parágrafo único, art. 47, CPC). Nesse sentido, leciona o processualista Marcus Vinicius Rios Gonçalves:
Quando o litisconsórcio é necessário, não há opção do autor entre formá-lo ou não: o autor deverá incluir todos no polo ativo ou passivo. Se não o fizer, o juiz conceder-lhe-á um prazo para que emende a inicial, incluindo o faltante, sob pena de indeferimento (Direito Processual Civil Esquematizado – 3ª edição – Saraiva 2013 p. 201- grifei).
A propósito, sobre a legitimidade passiva da Câmara Municipal, registro de plano o entendimento assentado pela majoritária jurisprudência, segundo a qual, embora a Câmara Municipal seja um órgão e não possua personalidade jurídica, possui personalidade judiciária, vale dizer, capacidade para estar em juízo na defesa de suas prerrogativas institucionais e dos interesses vinculados à sua independência, autonomia e funcionamento. A esse respeito, confira-se:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. SUPOSTA OFENSA AO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA DE VÍCIO NO ACÓRDÃO RECORRIDO. MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO POR CÂMARA MUNICIPAL PARA DISCUTIR RETENÇÃO DE VALORES DO FPM. ILEGITIMIDADE ATIVA. 1. Não havendo no acórdão recorrido omissão, obscuridade ou contradição, não fica caracterizada ofensa ao art. 535 do CPC. 2. A Câmara Municipal não possui personalidade jurídica, mas apenas personalidade judiciária, a qual lhe autoriza apenas atuar em juízo para defender os seus interesses estritamente institucionais, ou seja, aqueles relacionados ao funcionamento, autonomia e independência do órgão, não se enquadrando, nesse rol, o interesse patrimonial do ente municipal. Nesse sentido: REsp 1.164.017/PI, 1ª Seção, Rel. Min. Castro Meira, DJe de 6.4.2010. 3. Recurso especial não provido. (STJ – REsp: 1429322 AL 2014/0005721-7 Rel. Min. Mauro Campbell Marques Segunda Turma – DJ. 20/02/2014 – grifei).
ILEGITIMIDADE “AD CAUSAM”- Ação civil pública. Improbidade administrativa. Câmara Municipal que ostenta personalidade judiciária e consequente capacidade de ser parte. Questão tratada nos autos que diz respeito a assunto de interesse direto e peculiar da Edilidade. Legitimidade passiva reconhecida. (TJSP Agravo de Instrumento n°775.436-5/5-00- 8ª Câmara de Direito Público Rel. Des. Paulo TravainDj. 11/06/2008 grifei).
A doutrina também reconhece personalidade judiciária da Câmara Municipal. Sobre o tema, vejamos as lições de Hely Lopes Meirelles:
A capacidade processual da Câmara para a defesa de suas prerrogativas funcionais é hoje pacificamente reconhecida pela doutrina e jurisprudência. Certo é que a Câmara não ter personalidade jurídica, mas tem personalidade judiciária. Pessoa jurídica é o Município. Mas nem por isso se há de negar capacidade processual, ativa e passiva, à Edilidade para ingressar em juízo quando tenha prerrogativas ou direitos próprios a defender” (in “Direito Municipal Brasileiro” – Malheiros Editores – 6ª edição, p. 638 – grifei).
Por essa razão, considerando a incindibilidade da relação jurídica material, reputo indispensável a inclusão da Câmara Municipal de Fernandópolis no feito, para que se forme o necessário litisconsórcio passivo.
Feitos tais registros acerca do polo passivo da demanda, ainda observo que há um erro material na petição inicial, qual seja, a despeito de toda narrativa fática incluir a atuação do requerido LUCIANO DONADELLI BENTO, o que faz presumir o necessário pleito por sua eventual condenação, fato é que o autor pugnou por ela apenas no pedido alternativo (item b, das fls. 78), o que carece de reparos. Sobre a cumulação alternativa, o jurista e magistrado Marcus Vinicius Rios Gonçalves bem pontua:
É aquela em que o autor formula mais de um pedido, mas pede ao juiz o acolhimento de apenas um, sem manifestar preferência por este ou aquele. O acolhimento de um dos pedidos exclui o dos demais: é uma coisa ou outra, e não uma coisa e outra, como na cumulação própria. O art. 288 trata do tema: “O pedido será alternativo, quando, pela natureza da obrigação, o devedor puder cumprir a prestação de mais de um modo”. Essas são as obrigações alternativas. Mas haverá ainda cumulação alternativa quando determinado litígio puder ser solucionado por mais de um modo. É possível, por exemplo, que, não tendo o fornecedor de serviços atuado a contento, o consumidor postule ou o refazimento ou indenização. (Direito Processual Civil Esquematizado – 4ª edição – Saraiva 2014 p. 349 – grifei)
Assim, para extirpar qualquer dúvida, faz-se necessária a emenda à inicial para incluir o pedido de condenação do requerido LUCIANO DONADELLI BENTO também como pedido principal, e não apenas alternativo.
Ante o todo exposto, considerando a incindibilidade da relação jurídica material, INTIMEM-SE o ilustre representante do Parquet para, dado o litisconsórcio passivo necessário, no prazo de 10 (dez) dias (art. 284 do CPC), emendar a inicial e incluir no polo passivo a Câmara Municipal de Fernandópolis, representada pelo seu Presidente em exercício, sob pena de extinção do feito (artigo 284, do CPC). Na mesma oportunidade, deverá fazer constar o pedido de condenação de LUCIANO DONADELLI BENTO também como pedido principal.
Registre-se no sistema SAJ que o processo é inteiramente público.
Intimem-se. Fernandópolis, 17/11/2015.