“Tudo bem, galera? Eu sou Zacarias, tenho 20 anos, sou skatista amador, moro em Teresina e queria contar minha história para vocês”. Foi assim, usando uma máscara cirúrgica e falando pausadamente, que Zacarias Gondim lançou um vídeo nas redes sociais, na semana passada, e iniciou uma campanha para arrecadar dinheiro para um tratamento de leucemia que, segundo ele, acabara de ser diagnosticado.
Mas o laudo que o jovem apresentava é, segundo a polícia, falso. “Uma das médicas que aparecem no laudo que ele postou nas redes sociais nos procurou. Ela disse que nunca tinha feito esse laudo, que a assinatura não era dela, nem o CRM”, disse o delegado-geral do Piauí, Riedel Batista.
Além do laudo médico, Batista afirma que as investigações levaram a outros documentos falsificados, como um exame em uma clínica local que, na versão original, dava negativo para leucemia.
Zacarias foi preso na manhã deste sábado, acusado de estelionato, falsidade ideológica e falsificação de documento público. Ele deu entrada no Hospital de Urgência de Teresina pela manhã, alegando fortes dores de cabeça, mas foi liberado pelos médicos.
Em entrevista ao jornal “Cidade Verde”, o irmão de Zacarias, Emanuel Castelo Branco, afirma que o irmão está doente, mas admite a falsificação. “Ele sempre foi assim: pensou as coisas do jeito dele e achou que já estava com leucemia. No desespero, por conta da campanha, que já estava muito grande, ele pegou um modelo de laudo da internet e falsificou. Esse foi o único crime que ele cometeu”, afirmou. A Folha não conseguiu localizar o advogado do jovem.
Além do vídeo, montagens que juntavam imagens do skatista e dados sobre como fazer a doação foram compartilhados na internet. Com o sucesso da “Operação Zaca Gondim”, Zacarias foi convidado a participar de dois programas de emissoras locais do Piauí.
Alex Piauí e Alexandre Alves, dois amigos que ajudaram na campanha, dizem ter sido tão enganados quanto os que doaram. Segundo Alex, os dois souberam da doença de Zacarias por meio do vídeo divulgado pelo jovem, e se dispuseram a ajudar.
“Divulguei meu número de telefone para que as pessoas pudessem pegar informações sobre como contribuir. Ontem, recebi um telefonema da polícia dizendo que era tudo uma fraude e me acusando de ser cúmplice. Fui até a casa do Zacarias pedir satisfações, mas ele já tinha fugido”, diz Alex.
O amigo, que conheceu Zacarias em uma igreja há três anos, vai prestar depoimento na próxima segunda-feira. Ele diz não saber ao certo quanto foi arrecadado, mas que recebeu muitas mensagens de interessados em ajudar, “inclusive empresários”, e que Zacarias lhe mostrou um extrato bancário de R$ 15.000.
Segundo o texto da campanha, ele precisava de R$ 9.000,00 para o tratamento, que só poderia ser realizado em São Paulo. Alex diz que o skatista decidiu continuar com a campanha, “caso a doença se complicasse.”
A polícia ainda não sabe quanto exatamente foi arrecadado e vai pedir a quebra de sigilo bancário da conta divulgada para receber as doações.
A CAMPANHA
No vídeo compartilhado na internet, Zacarias fala que perdeu a mãe há um ano, por causa de um câncer, e sugere que há uma ligação genética da doença.
Ele também explica o que é leucemia aguda – “mais popularmente falando é um câncer no sangue” – e diz que chegou a ficar internado.
No dia 13 de fevereiro, o jovem postou uma imagem de um receituário de “uso exclusivo na rede municipal de saúde”, que indicava o uso dos remédios Tramal e Morfinac. “Não to [sic] aqui para me promover através do meu sofrimento, to aqui pra mostrar que a gente não é nada se não estiver sempre de cabeça erguida”, diz a legenda da foto.