domingo, 10 de novembro de 2024
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Jornal conta história de cadeirante

Muitas vezes nos deparamos reclamando de problemas que fazem parte dos nossos dias, ou por nossas insatisfações com a vida. Quase nunca paramos para agradecer as oportunidades que nos são…

Muitas vezes nos deparamos reclamando de problemas que fazem parte dos nossos dias, ou por nossas insatisfações com a vida. Quase nunca paramos para agradecer as oportunidades que nos são dadas e as nossas possibilidades de desenvolvê-las com sucesso e dedicação. Para nossa matéria especial de hoje, teremos a grata satisfação de conhecer um pouco sobre a vida da cadeirante Lilian Mara de Jesus Isidoro, 37 anos. Um ser humano que certamente contribuirá muito para que possamos tirar das dificuldades as lições que engrandecerão nossas vidas.

De família humilde, Lilian teve uma vida difícil. Por muitos anos, viveu dias e noites sobre um leito sem ao menos saber se um dia poderia se sentar e conhecer as belezas da vida.

Somente quando já estava em sua adolescência, Lilian adquiriu sua cadeira de rodas, companheira que a conduz até hoje por todos os caminhos.

Conhecer a história e a força de vida desta jovem, aparentemente sensível, com um sorriso tímido, mas muito determinada, nos dá a certeza de que viver e acreditar nos sonhos fortalece o ser humano em sua lida diária.

DIÁRIO: Conte-nos um pouco sobre sua história. Como é ser portadora de necessidades especiais?
Lilian: Tenho uma vida muito sofrida, desde minha infância já passei ao lado da minha família momentos de intensa tristeza. Até os três anos de idade vivia como uma criança normal, tinha toda mobilidade de um ser humano em formação. Nesse período fiquei doente, minha mãe ainda hoje relembra como foi difícil aquela época. Fui surpreendida por uma doença muito grave, minha temperatura não cessava. Foram três dias ardendo em febre. Morávamos em São Paulo, os médicos me medicaram, mas de nada adiantou. Na época estavam sendo registrados muitos casos de paralisia infantil e meningite em crianças.

Em uma consulta, um médico receitou um medicamento injetável para mim, acompanhado por demais remédios via oral. Minha mãe chegou em casa e já deu a dose indicada, minutos depois eu já perdi todo o movimento do corpo, não parava mais em pé.

Fui levada às pressas ao hospital e lá disseram para minha família que não havia mais o que fazer, que eu viveria em estado vegetativo para sempre e que havia ficado cega, muda e surda.

Na verdade até hoje não conseguimos descobrir o que realmente aconteceu comigo, alguns dizem que foi erro médico, outros denominam com vários nomes de doenças, mas na verdade nunca tive um diagnóstico certo do meu problema.

DIÁRIO: Como foi para sua família receber a notícia de que você não andaria e estaria sujeita a viver acamada?
Lilian: Eu era muito pequena, não me lembro de nada, mas com os anos pude perceber o quanto era difícil viver com uma pessoa deficiente em um ambiente sem adaptações. Vim morar com a minha avó, eu era a primogênita e minha mãe teve mais oito filhos, não dava para ela se dedicar somente aos meus cuidados.

Minha saudosa avó, já falecida, foi um anjo que Deus colocou em minha vida, ela me incentivava muito, queria me ver bem e feliz e sempre acreditou no meu potencial, embora soubesse de minhas limitações. Tudo que diziam para ela que era bom e traria minha cura, ela fazia.

Por muitas vezes minha vozinha me pegou nos braços, montávamos em uma charrete e ela me levava para fazer simpatias que aprendia e acreditava que seriam importantes para minha recuperação.

DIÁRIO: Como você conseguiu recuperar os sentidos?
Lilian: Olha foi um milagre de Deus. Fui voltando a enxergar, ouvir e falar com o passar do tempo, também comecei a ter uma maior mobilidade e conseguia me sentar, para mim foi uma grande conquista, pois embora eu tivesse todos esses problemas, sempre tive uma boa cabeça, nunca tive problemas mentais e sabia tudo o que se passava comigo.

DIÁRIO: Como fazia para se locomover?
Lilian: Só na minha adolescência conseguimos comprar a minha cadeira de rodas, antes eu andava em um carrinho de bebê, eu chorava muito, dava trabalho para minha avó, pois sentia muitas dores pelo corpo, meus ossos são frágeis e os quebro que facilidade.

Só depois com o auxílio que recebo do LOAS e com o apoio de uma professora e grande amiga, é que pude comprar minha cadeira. É minha companheira até hoje, está velhinha, precisando de reformas, mas, é tudo que tenho e ela me conduz onde quero ir.

Mas ser cadeirante não é fácil, aparecem feridas na pele devido ao longo período sentado, e dificuldades para ir ao banheiro, existem muitos incômodos diários decorrentes da situação.

DIÁRIO: Como foi sua inclusão na escola?
Lilian: Disso eu me lembro bem, não foi nada fácil, mas minha avó queria muito que eu estudasse, então fui matriculada em uma escola pública, na época, as crianças questionavam muito a minha condição física e isso me incomodava. Os professores também não acreditavam no meu potencial e me encaminharam para a APAE. Quando cheguei na entidade fui submetida a vários exames e eles constataram que eu não tinha nenhum problema mental para estar lá, então me redirecionaram à escola, mas não consegui frequentar as aulas, por falta de adaptação.

DIÁRIO: Você tinha vontade de aprender a ler e escrever?
Lilian: Sim, e mais uma vez Deus me amparou. Uma professora se sensibilizou com a minha situação e vinha me dar aulas em casa, ela me alfabetizou e me ensinou coisas que mais tarde me ajudaram muito, quando consegui voltar a escola. Serei eternamente grata a minha mestra, professora Maria Helena.

Anos depois voltei às salas de aula, desta vez para estrear a sala para portadores de necessidades especiais na escola Ivonete, ai pude me relacionar com alunos que tinham as mesmas limitações que eu.

Depois não parei mais, estudei até concluir o ensino médio na escola Armelindo Ferrari. Com o tempo todos os alunos me respeitavam e também se fortaleciam com a minha coragem e vontade de vencer.

DIÁRIO: Qual foi o momento mais difícil da sua vida?
Lilian: Sem dúvida nenhuma foi na adolescência, na época, minha mãe já tinha voltado de São Paulo, lá as coisas eram muito difíceis para ela, foi quando se separou do marido e resolveu vir embora com meus irmãos, para ajudar minha avó a cuidar de mim.

Via minhas irmãs saindo com amigos, arrumando namorados e eu na cadeira de rodas me sentia muito inferior e triste com a situação. Entrei em uma depressão profunda e comecei a fazer acompanhamento psicológico para me auxiliar.

DIÁRIO: Você tem amigos? Pensa em constituir uma família?
Lilian: Para falar a verdade nunca tive amigos, já vivi momentos de muita solidão, percebia que as pessoas não gostavam de se aproximar de mim por eu ser uma pessoa muito simples e acima de tudo cadeirante. Hoje aprendi a aceitar melhor as coisas, mas essa situação já me magoou muito.

Quanto a ter minha própria família, já pensei sim, mas hoje não tenho mais isso como prioridade de vida. Sofri muito por um amor não correspondido, e acabei me desiludindo. Agora quanto a ser mãe tenho vontade, acho a maternidade um dom divino, mas hoje vejo que minhas condições físicas e financeiras não me permitem realizar esse desejo.

DIÁRIO: Como é sua relação com a família?
Lilian: É um convívio normal, mas acho que alguns deles têm vergonha de mim, não se importam comigo, como estou ou o que me faz bem. A única companheira que tenho hoje é minha mãe, sem ela não sei o que seria de mim, sou totalmente dependente da dedicação e carinho dela.

Minha mãe já trabalhou muito na vida, hoje é uma pessoa doente, com sérios problemas, sempre tem que ser internada para tratamentos e quando ela não está ao meu lado, fico na cama o tempo todo, pois não tenho quem cuide de mim.

DIÁRIO: Como é sua vida, seu convício com a sociedade?
Lilian: Na verdade saio pouco, até porque não há muito acessibilidade para um cadeirante na cidade. Muitas vezes, quando eu ia ao centro da cidade com minha mãe, tinha que esperar do lado de fora dos estabelecimentos, porque a cadeira não entrava, as pessoas passavam e me jogavam moedas, me confundiam com um pedinte e isso me magoava profundamente, então achei melhor não ir mais.

Hoje minha única ocupação é frequentar a Associação dos Deficientes Físicos, local onde estou conhecendo pessoas companheiras e generosas. Sinto-me bem sendo uma das integrantes do grupo e agora membro da diretoria, que foi empossada esta semana.

Através da entidade também comecei a fazer aulas de fisioterapia.

DIÁRIO: Qual é seu maior sonho?
Lilian: Sonhar nos faz acreditar que vale apena viver. Na verdade tenho dois grandes sonhos, o primeiro é ter uma cadeira de rodas motorizada, seria a maior de todas as conquistas, eu poderia me locomover sozinha, ser mais independente. Infelizmente não sei se um dia poderei concretizar esse sonho, o custo do equipamento para mim é muito alto, pois o auxílio que eu ganho mensalmente mal da para viver e comprar medicamentos.

Já tentei obter ajuda de autoridades políticas e empresariais, mas ainda não foi possível realizar esse meu grande desejo.

Outro grande sonho que também ainda não conquistei é o de entrar na faculdade. Quero ser Psicóloga e às vezes fico pensando como seria minha vida se eu fosse uma profissional.

No ano passado fui aprovada no vestibular da Fundação Educacional de Fernandópolis em 15º lugar. A faculdade me presenteou com uma bolsa de estudos de 50% de desconto, mas mesmo assim não pude ingressar no curso por falta de recursos para pagar o restante da mensalidade.

Nunca vou desistir de sonhar, sei que um dia Deus ainda vai atender meus pedidos e serei uma vencedora.

DIÁRIO: Por que você quer atuar na área de psicologia?
Lilian: Quando eu mais precisei de apoio, na minha adolescência, tive o acompanhamento de uma Psicóloga que me ajudou muito, desde então comecei a admirar a profissão.

Quero poder ajudar as pessoas, trabalhar, mostrar à sociedade que um deficiente físico tem inúmeras qualidades e que pode vencer. Sou uma pessoa batalhadora e ainda vou conquistar meus ideais, ter uma vida melhor ao lado da minha mãe e poder ter recursos financeiros para auxiliá-la no seu tratamento médico.

DIÁRIO: Você hoje se considera uma pessoa feliz?
Lilian: Sim, embora com todas as dificuldades, sou muito feliz. A vontade de viver, lutar e ser alguém na vida faz de mim uma pessoa que acredita em mudança. Sei que um dia serei vitoriosa. Sou abençoada por Deus.

DIÁRIO: Qual mensagem você deixa aos nossos leitores?
Lilian: De que vale a pena lutar, enfrentar desafios e acreditar que o amanhã sempre será melhor, acreditar em suas potencialidades e nunca desistir da batalha, pois apesar das tristezas que enfrentamos na vida, precisamos acreditar que um dia seremos vencedores.

“As pessoas passavam e me jogavam moedas, me confundiam com um pedinte e isso me magoava profundamente”

“A vontade de viver, lutar e ser alguém na vida faz de mim uma pessoa que acredita em mudança”. (Diário Regional, jornal)

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