sexta-feira, 20 de setembro de 2024
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Jogando para a torcida. E mal!

Numa decisão histórica, o Supremo Tribunal Federal mudou o entendimento da presunção de inocência. Para quem não sabe, o “princípio da presunção da inocência” é uma previsão constitucional segundo o…

Numa decisão histórica, o Supremo Tribunal Federal mudou o entendimento da presunção de inocência. Para quem não sabe, o “princípio da presunção da inocência” é uma previsão constitucional segundo o qual “ninguém será preso antes que todos os recursos sejam julgados”. Resumindo, a partir de agora, o réu poderá seguir recorrendo mesmo depois que for condenado em segunda instancia, porém, poderá ser preso enquanto aguardar o julgamento de seus recursos pendentes.

Ao jogar a constituição na lata do lixo, o STF deu a entender que pretende dar um basta à impunidade. Ao menos para a população em geral, que tem sempre a sensação de que a justiça é injusta, talvez remetendo a Rui Barbosa, a dizer, desde o início do século passado, que “justiça tardia é injustiça”.

Não há como negar que a decisão gerou enorme controvérsia. De imediato, e como de costume em tudo quanto é decisão polêmica que se adote no país, surgiram os partidários de um e de outro lado. Até mesmo no próprio STF a decisão não foi unanime e houve até quem a considerasse um retrocesso, como o ministro Marco Aurélio Mello, voto vencido no julgamento. Aliás, foi bastante ponderada sua manifestação, ao reconhecer que “a época é de crise maior, mas justamente nessa quadra de crise maior é que devem ser guardados princípios, valores, não se gerando instabilidade, porque a sociedade não pode viver aos sobressaltos, sendo surpreendida”. Penso que não há que por, nem tirar, da conclusão do ministro Marco Aurélio.

A mesma população leiga que aplaudiu a decisão vai sentir na pele os efeitos do que essa decisão irá provocar, ao esquecer que a liberdade é a regra, a prisão, exceção. Nunca é demais lembrar que há poucos séculos, as multidões corriam às praças públicas para assistir e aplaudir a tortura, o enforcamento e até o esquartejamento de condenados, alguns em julgamentos sumários, em ambiente de fúria e festa. Nesse período, muitos inocentes foram “justiçados” numa ode à barbárie. É óbvio que os tempos são outros, mas o exemplo deve servir para a atual realidade, onde a “constituição cidadã” perde uma de suas pedras fundamentais, a liberdade como um direito precioso e universal, que só pode ser negado em circunstâncias precisas e especiais.

Talvez o caminho insano da sede de justiça levantada pelo STF nos leve, num futuro bem próximo, à implantação da pena de morte, uma vez que a decisão dessa semana não irá resolver, por si só, as mazelas do país. O mal maior não é esse, nem nunca foi. O mal maior também não é a grande variedade de recursos que o nosso ordenamento jurídico possibilita. Tampouco a implantação de penas mais duras para “crimes graves”, se é que existem crimes que não são graves, com o perdão do trocadilho. Como exemplo, o tráfico de drogas é punido com penas altíssimas e impossibilita, na maioria dos casos, a aplicação de penas alternativas e até mesmo a progressão de regime, ou seja, que o condenado tenha direito a benefícios no decorrer do cumprimento da pena que lhe foi imposta. Em teoria, isso deveria contribuir para barrar crimes ou atos criminosos, porém, é público e notório que o efeito real é nulo. Partindo dessa premissa, talvez a pena capital seja o próximo passo.

Enfim, a única verdade absoluta dessa decisão é que, na prática, iremos ampliar as taxas de encarceramento num país que já possui a quarta maior população prisional do mundo, onde falta lugar para ao menos duzentos mil condenados. Pobres, na sua quase totalidade.

Pelo andar da carruagem e pelo nosso histórico, a decisão irá não só reforçar o sistema prisional, mas também aprimorá-lo como uma escola de crime e de violência, disponibilizando uma quantidade cada vez maior de mão de obra gratuita ao crime organizado. Enquanto isso, os verdadeiros ladrões, aqueles que praticam diuturnamente crimes de lesa pátria, muitos deles eleitos por essas mesmas pessoas que aplaudiram a decisão do STF, aqueles que “roubam” de maneira silenciosa e matam o futuro do nosso pais, esses continuarão impunes. Definitivamente, este não é um país sério. O Brasil é o país do futuro? Então, viva o Brasil!

* Henri Dias é advogado em Fernandópolis (henri@adv.oabsp.org.br)

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