Em entrevista à Agência Brasil, o brasileiro Joaquim Cruz, campeão olímpico e treinador-chefe da equipe norte-americana de atletismo paralímpico, abordou temas como suas conquistas – ouro nos 800m no Jogos de Los Angeles (EUA), em 1984, e prata nos Jogos de Seul (Coreia do Sul), em 1988 -, pandemia do noco coronavírus (covid-19), chances de medalhas do Brasil em Tóquio 2020, doping e preconceito no esporte.
Passados 36 anos da medalha de ouro, em Los Angeles, e 32 anos da prata conquistada em Seul, que importância tais conquistas ainda têm para você e para o esporte nacional?
Joaquim Cruz – As minhas conquistas foram importantes no sentido de realizações dos meus sonhos pessoais e de monstrar para os jovens que eles podem sonhar com a possibilidade de competir nas Olimpíadas e alcançar o pódio olímpico também.
Como está atualmente o seu trabalho aí nos Estados Unidos? Você atua junto à equipe de atletismo paralímpico norte-americano, né?
Joaquim Cruz – O meu trabalho tem sido uma experiencia e uma jornada fantástica. Este ano está fazendo 15 anos que que lidero um programa de treinamento para atletas paralímpicos residentes no Centro de Treinamento de Chula Vista na Califórnia.
O Brasil tenta se manter entre os principais países quando o assunto é paradesporto. Há bastante tempo os resultados das delegações brasileiras nas competições paralímpicas são superiores às conquistas “dos olímpicos”. E, em muitos casos, o Brasil consegue ser superior até mesmo aos norte-americanos no paradesporto. Qual é a sua opinião sobre isso? E até quando essa posição brasileira pode ser mantida?
Joaquim Cruz – No paradesporto, o Brasil tem sido uma grande potência e tem estado ranqueado entre os melhores no mundo, principalmente, no Mundial de Dubai, no ano passado, quando terminou em segundo lugar, só atrás da China. Os bons resultados do paradesporto brasileiro são frutos de um excelente investimento, promoção e divulgação das modalidades, seriedade nos programas de identicação de talentos e alto rendimento. Os atletas do alto rendimento se preparam e encaram as competições com superioridade. Portanto, são competidores difíceis de superar em certas classes.
Como a pandemia do novo coronavírus (covid-19) tem afetado a rotina de vocês? Aqui no Brasil, muitas competições paralímpicas foram canceladas. E atletas foram prejudicados na busca dos índices, mas também na questão das reclassificações (por não terem mais a oportunidade de ter o contato com as bancas classificadoras). Isso aconteceu nos Estados Unidos também?
Joaquim Cruz – O esporte, em geral, sofreu um nocaute nos Estados Unidos. Vai sofrer um prejuízo econômico de mais de 2 bilhões de dólares. Até dois dias atrás, eu ainda estava podendo usar o centro de treinamento de Chula Vista (Califórnia) para dar treino. Mas, por ordem do governador do estado, de manter isolamento e distância entre as pessoas, o CT teve que fechar os portões para todos não residentes.
A decisão de adiar os jogos em um ano foi correta ?
Joaquim Cruz – Sim. A preparação e o bem estar do atletas tem que permanecer acima de tudo. Os Jogos Olímpicos e Paralímpicos foram criados para servirem de palcos. Para que, neles, os atletas pudessem exibir e celebrar suas condições físicas e psicológicas durante a realização de seus sonhos. Cada dia que passa, aprendemos coisas novas sobre o noco coronavírus e isto é muito preocupante e estressante para todas as pessoas ligadas àos Jogos.
Até que ponto a posição do Max Siegel, chefe da USA Track & Field (Confederação Americana de Atletismo), foi importante para o adiamento dos Jogos? A entidade que administra a natação americana também se manifestou pela mudança. Você acha que, se esses dois órgãos não tivessem entrado “ na briga “, o desfecho seria outro?
Joaquim Cruz – Pela primeira vez na história do esporte olímpico, atletas e treinadores se uniram de forma rápida e definitiva para se manifestarem contrários à vagareza da autoridade máxima do esporte na tomada de decisão de cancelar o jogos. As mídias sociais foram importantes e serviram de plataforma para transmitir o descontentamento dos treinadores e atletas.
É possível fazer uma previsão de medalhas para o atletismo brasileiro nas Olimpíadas? Talvez o Darlan Romani, do arremesso do peso? O revezamento 4×100 masculino, que ficou com a medalha de ouro no Mundial de Revezamentos de 2019? O Thiago Braz, campeão olímpico na Rio-2016? O Almir Júnior, finalista na prova do salto triplo no Mundial de Doha?
Joaquim Cruz – A expectativa de medalha não é boa, igual às outras edições do Jogos Olímpicos anteriores. O atletismo do Brasil não conseguiu colocar ninguém no pódio no Mundial de Doha em 2019. Nas provas individuais, vai depender muito da decisão e preparação de cada atleta. O revezamento é sempre uma esperança. Uma medalha vai depender muito de um excelente desempenho da equipe e muita sorte nos erros nas passagens de bastão das outras equipes mais fortes.
Recentemente, o técnico americano Alberto Salazar foi banido do esporte por envolvimento com doping. Ele trabalhava em um projeto bancado pela empresa Nike, no estado norte-americano do Oregon. Qual a sua visão do caso?
Joaquim Cruz – Mais uma vez o esporte saiu vencendo, apesar de muitos atletas envolvidos diretamente no caso terem sidos diretamente afetados de várias formas diferentes.
Os atletas da Rússia também devem sofrer fortes restrições pelos recentes casos de doping no país. Existe a possibilidade da delegação do atletismo ser reduzida e de ter que competir sobre bandeira neutra?
Joaquim Cruz – A Rússia foi banida de participar de várias modalidades olímpicas e em todos as modalidades paralímpicas em 2016. Quatro anos depois, estão passando por situações semelhantes. Uma “palmadinha nas mãos” causou muito pouco efeito. Talvez uma punição mais severa consiga transmitir um recado melhor.
Recentemente, outro caso chamou a atenção do mundo do esporte, e justamente na prova que você foi campeão olímpico. A sul-africana Caster Semenya foi impedida de competir os 800m pela corte arbitral do esporte até que comprovasse a redução dos níveis de testosterona. Você acompanhou essa questão?
Joaquim Cruz – Sim, acompanhei. E trabalhei com algumas atletas que foram diretamente afetadas pela situação. Tentei não discutir muito sobre o assunto para não prejudicar na preparação psicológica de cada atleta. Era difícil! É triste ouvir as atletas se preparando para as corridas a partir da segunda posição em diante. Elas sabiam que era impossível competir pela primeira posição. Eu acho que fazer tratamento médico para poder pertencer e competir é delicado e um tanto perigoso. Pode gerar outros problemas éticos. O esporte convencional tem que se preparar melhor para acomodar os atletas transgêneros. Tem que criar um sistema mais justo para todos.