O número de brasileiros que se dizem em total isolamento ou que só saem de casa quando é inevitável vem caindo e atingiu o menor índice em agosto, apesar do número de mortes diárias pela Covid-19 não arrefecer, mostra pesquisa Datafolha.
Em 17 de abril, dia em que foram confirmadas 210 mortes pela Covid-19 no país, 21% dos brasileiros se diziam em isolamento completo e 50% diziam que só saíam de casa quando era inevitável. Em 11 de agosto, quando foram confirmadas 1.274 mortes, o total de brasileiros que se diziam em isolamento total foi de 8%, enquanto a taxa de pessoas que diziam evitar sair foi de 43%.
Apesar de a pandemia estar em fases diferentes em diferentes regiões no país —com o número de novos casos e mortes em queda no Norte e em aceleração no Sul e no Centro-Oeste— os brasileiros têm se comportado de maneira similar em todo o país, variando pouco além da margem de erro, independentemente da região, na pesquisa Datafolha.
São mais cuidadosos os idosos (considerados grupo de risco), as mulheres e os mais pobres —enquanto 11% de quem ganha até dois salários mínimos se disseram em isolamento total, essa taxa cai para 2% entre os que ganham mais que dez salários.
Há diferença também entre quem apoia ou não o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), que desde o começo da pandemia tem minimizado os efeitos da Covid-19. Cerca de 55% de seus críticos se dizem totalmente isolados ou que só saem de casa quando é inevitável, número que cai para 41% entre seus apoiadores.
O infectologista Domingos Alves, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, afirma que o relaxamento da quarentena se dá pelo que ele chama de propaganda feita por políticos de que a contaminação está controlada. A redução do isolamento acompanha o relaxamento das medidas restritivas, como fechamento de comércio e serviços, que haviam sido impostas em março e abril.
“Se podemos abrir bares, academias, cinemas, escolas, há uma noção de que a pandemia está sob controle”, diz. “A população não sai às ruas por desacreditar, por achar que não será contaminada. Sai porque há uma sinalização oficial de que a pandemia já está acabando.”
“Quando atingimos 100 mil mortos, deveríamos ter revisto todo o plano epidemiológico que foi feito no Brasil. Mas, não, estamos caminhando para 110 mil mortos e chegaremos a 200 mil em outubro, e está tudo bem”, diz.
Seu colega Paulo Lotufo, também infectologista, diz que o número de isolados aferido pelo Datafolha lhe surpreende, por considerá-lo ainda alto. Um número menor de isolados, no entanto, deve causar impacto e refletir em um aumento do número diário de mortes, diz o professor.
O psicanalista e professor da USP Christian Dunker analisa o fenômeno de outra maneira. Segundo ele, primeiro houve um momento de medo, com a chegada do novo coronavírus ao Brasil, “o que ajuda muito as pessoas a fazerem sacrifício”, diz. Depois, vieram fases de confusão e monotonia.
Agora, a população chega a uma etapa em que faz cálculos para assumir determinados riscos. Há um gradiente de riscos que exige um trabalho psíquico”, afirma.
“A capacidade da gente fazer sacrifícios psíquicos não é ilimitada. A gente faz sacrifícios, mas precisa de a) ter claro em nome de que esse sacrifício está sendo feito; b) por quanto tempo ele será feito. À medida que começa a ficar muito indefinido, isso interfere na nossa capacidade de manter privações e fazer sacrifícios”, diz Dunker.
Com o passar do tempo, os brasileiros têm se sentido mais otimistas e pela primeira vez há mais pessoas acreditando que a pandemia está melhorando do que piorando no país, mostra ainda a pesquisa Datafolha. Essa é a opinião de 46% da população em agosto —no fim de junho, 28% haviam dado essa resposta.
Também neste caso, o otimismo é alavancado por homens (55% acreditam que a situação está melhorando) e apoiadores do governo (61% dos que avaliam a gestão Bolsonaro como ótima ou boa). Do outro lado, a situação está piorando na visão de mulheres (50%) e quem avalia o governo como ruim ou péssimo (59%).
Conforme a Folha mostrou no último fim de semana, para 47% da população o presidente da República não tem nenhuma culpa pelas mais de 100 mil mortes pela Covid que aconteceram no país.
Apesar do otimismo, bateu recorde também a avaliação de que os brasileiros deveriam se preocupar mais com a pandemia no país, chegando a 61% dos entrevistados.
O Datafolha ouviu 2.065 pessoas de todo o país nos dias 11 e 12 de agosto por telefone, modelo que evita o contato pessoal entre pesquisadores e entrevistados e exige questionários mais rápidos.