Sob a mira de investigações na esfera jurídica, a família do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem emplacado aliados em tribunais estaduais e se aproximado de magistrados de cortes superiores em uma tentativa de montar uma rede de proteção.
O esforço conta com a atuação de advogados aliados, que ajudam a família em uma interlocução com juízes e ministros, e costuma ser capitaneado pelo senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), que tem influenciado nomeações feitas pelo presidente.
O grupo de advogados e magistrados que tem mantido uma relação estreita com a família presidencial foi apelidado por congressistas governistas e auxiliares palacianos de “bancada jurídica bolsonarista”.
Para deputados aliados, eles terão papel crucial na escolha do presidente para a próxima vaga que será aberta em julho no STF (Supremo Tribunal Federal), com a aposentadoria do ministro Marco Aurélio Mello.
A escolha do juiz federal Kassio Nunes Marques para o Supremo, feita em setembro, teve como madrinha, segundo aliados do presidente, a juíza federal Maria do Carmo Cardoso, do TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região). Amiga de Flávio, ela é chamada pela família do presidente de “tia Carminha”.
Considerada uma espécie de conselheira jurídica da família presidencial, ela chegou a ser cogitada para a vaga do ministro Celso de Mello. A idade da magistrada, acima de 60 anos, foi considerada um agravante para sua indicação, já que Bolsonaro buscava um nome com quem possa contar por bastante tempo.
Por isso, ela sugeriu o nome de Kássio Nunes. Os dois são amigos e se conhecem, segundo integrantes do Poder Judiciário, desde 2011, quando o hoje ministro foi nomeado para o TRF-1.
Os magistrados são apontados por assessores jurídicos como nomes decisivos nas próximas escolhas de Bolsonaro para tribunais superiores, como a vaga de Marco Aurélio.
Como juíza de segunda instância, Maria do Carmo deu votos que coincidiram com os interesses do governo.
Em outubro, ela votou para suspender a investigação contra o ministro da Economia, Paulo Guedes, realizada pela Operação Greenfield, que apura supostos desvios no mercado financeiro. A decisão a favor do ministro foi unânime.
Em janeiro, ela se posicionou pela ilegalidade do relatório de inteligência financeira produzido pelo antigo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) sobre movimentações suspeitas envolvendo Frederick Wassef, advogado aliado da família.
Além de Maria do Carmo, outro nome que, segundo aliados do presidente, tem contato com Flávio é a subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo, braço direito do procurador-geral Augusto Aras.
O governador afastado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, por exemplo, citou a relação de ambos para se explicar em relação à denúncia a que responde, assinada pela subprocuradora.
A rede de contatos jurídicos da família do presidente conta com Wassef, que abrigava Fabrício Queiroz em seu escritório quando o policial aposentado foi detido, e Willer Tomaz, que já foi preso com base na delação de Joesley Batista, da JBS.
Além deles, outros dois interlocutores da família são os advogados Admar Gonzaga e Karina Kufa.
O primeiro foi ministro do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e, atualmente, é secretário-geral do Aliança pelo Brasil, partido que o presidente pretende formar para disputar as eleições de 2022. A segunda foi advogada de Bolsonaro nas eleições de 2018 e, depois disso, ganhou a confiança da família.
O contato com o grupo de advogados também costuma ser capitaneado por Flávio. O filho do presidente responde por acusações de lavagem de dinheiro e organização criminosa por um esquema de rachadinha que teria implementado em seu gabinete quando era deputado estadual no Rio de Janeiro.
Além de Flávio, órgãos de investigação como a Polícia Federal e o Ministério Público apuram suspeitas contra outros três filhos do presidente: Eduardo Bolsonaro, Carlos Bolsonaro e Renan Bolsonaro.
As suspeitas incluem tráfico de influência, contratação de funcionários fantasmas e envolvimento na organização de manifestações que pediram o fechamento de instituições como Congresso e Supremo.
Com forte ascendência sobre o pai, Flávio participou, segundo assessores palacianos, de pelo menos duas escolhas para a Justiça Eleitoral. Pessoas próximas ao senador dizem que temas relacionados à Justiça passam pelo ele, que fala com o pai diariamente.
No ano passado, o presidente levou em consideração a opinião de Flávio para a escolha do advogado Renato Alves Coelho para o cargo de juiz titular do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal.
Inicialmente, Bolsonaro informou a assessores diretos que já havia assinado a nomeação para o posto de Rafael Freitas de Oliveira, candidato que recebeu mais votos na lista tríplice formada pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Após conversa com o filho, no entanto, ele recuou.
Também em 2020, o presidente escolheu Vitor Marcelo Aranha para uma vaga no Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro. O advogado, como mostrou a Crusoé, é ex-professor do filho de Bolsonaro em um curso de direito, o que, na opinião de aliados do presidente, foi determinante para a escolha.
Flávio vai com frequência ao Palácio da Alvorada, quando aproveita para levar as filhas para ver o avô, e ao Palácio do Planalto, onde participa de reuniões. As participações quase nunca são registradas oficialmente.
Os nomes defendidos por Flávio para postos jurídicos são chamados no Palácio do Planalto de “indicações do menino”.
Procurados pela Folha, Flávio Bolsonaro, Maria do Carmo e Lindôra Araújo não comentaram.
Em cortes superiores, os ministros João Otávio de Noronha, do STJ (Superior Tribunal de Justiça), e Ives Gandra Martins Filho, do TST (Tribunal Superior do Trabalho), também têm uma relação próxima com o chefe do Executivo.
No Supremo, porém, a leitura é que os dois se aproximaram de Bolsonaro pelo sonho de serem nomeados para a corte e que, embora tenham contato com o presidente, não há uma relação de confiança.
Noronha foi o responsável por retirar Fabrício Queiroz da prisão e colocá-lo em regime domiciliar. A decisão evitou que aumentasse a pressão para que Queiroz, apontado como operador do esquema da rachadinha de Flávio e amigo do presidente desde 1984, firmasse um acordo de colaboração premiada.
Gandra, por sua vez, chegou a se reunir com Bolsonaro em 2018, logo depois dele se eleger presidente.
Além disso, o pai do magistrado foi responsável por endossar e dar tração à tese da militância bolsonarista de que o artigo 142 da Constituição permite a intervenção do Exército quando um Poder invade a competência de outro.
Os elos jurídicos dos Bolsonaros
A família do presidente tem emplacado aliados em tribunais estaduais e se aproximado de magistrados de cortes superiores:
Kassio Nunes Marques – Primeiro indicado de Bolsonaro para o Supremo, deve influenciar na escolha do próximo ministro do STF
Maria do Carmo – Considerada madrinha da indicação de Kassio para o STF, é juíza federal do TRF-1
Lindôra Araújo – Mantém relação com o senador Flávio Bolsonaro, é subprocuradora-geral da República e considerada braço direito do procurador-geral, Augusto Aras
Admar Gonzaga – Ex-ministro do TSE, é secretário-geral da Aliança pelo Brasil, partido que Bolsonaro tenta formar