Crescem as incertezas
O cenário internacional vem se caracterizando pelo alto grau de incerteza com relação à situação econômica de diversos países e regiões, transmitindo insegurança quanto à evolução futura do mercado, o que afeta as expectativas de todas as nações, mesmo daquelas aparentemente não afetadas pelos desdobramentos das crises em curso.
Nos Estados Unidos, além da questão do limite da dívida, persistem as indicações da falta de reação do consumo doméstico, principal motor da economia americana, além da difícil situação fiscal que atinge não apenas o governo central, como muitos estados e cidades.
Há dúvidas sobre se, e quando, o FED poderá elevar as taxas de juros, e o impacto sobre os fluxos de recursos canalizados para outros mercados, inclusive o Brasil.
A Europa, após mais um “pacote” de salvamento da Grécia, continua a se preocupar com a situação fiscal de outros países, além das dúvidas sobre as finanças gregas, o que vem afetando a capacidade da Comunidade Européia para acelerar o crescimento da economia.
A China procura desacelerar seu crescimento, para conter fortes pressões inflacionárias, o que poderá resultar em menores importações e redução dos preços das “commodities”, inclusive dos produtos que o Brasil é grande exportador, o que pode afetar as receitas das exportações brasileiras.
Nos países árabes, inclusive em alguns importantes produtores de petróleo, a instabilidade política pode acarretar aumento do preço dos combustíveis, o que teria efeito sobre os preços internos no Brasil.
Além desse cenário de incertezas do exterior, o Brasil enfrenta o problema da resistência à queda da inflação, que não deverá convergir para o centro da meta (4,5%) este ano, e, provavelmente, nem no próximo, colocando em dúvida o compromisso governamental com a estabilidade da moeda. De outro lado, a forte valorização do Real vem representando expressiva ameaça para a sobrevivência de muitos setores industriais.
O desempenho das finanças públicas tem sido positivo, mas baseado no forte crescimento da arrecadação e sacrifício de investimentos, sem o apoio necessário da contensão de gastos.
Apesar desses problemas, pode-se esperar para os últimos cinco meses do ano, um crescimento da economia, embora mais lento do que o do primeiro semestre, com o varejo apresentando bom desempenho, graças ao aumento do emprego e da renda, da expansão do crédito e das importações.
1. Moeda, Crédito e Inflação
Dados do Banco Central apresentam desaceleração na criação de moeda desde o final de 2010, com crescimento em 12 meses, passando de 24,6% para 19,3% no final de junho de 2011. Já, o crédito à pessoa física, na mesma base de comparação, registrou leve recuo, 18,8% para 18,2%. Desta forma, as medidas macroprudenciais aliadas à alta dos juros básicos (SELIC) tiveram pouco impacto nos financiamentos ao consumo até junho.
A inflação (IPCA 12 meses) acelerou de 5,91% no final de 2010 para 6,71% em junho. Dados mais recentes até 15 de julho apontam para 6,75%, acima do “teto” de 6,5% estipulado pelo BC, que elevou a taxa SELIC para 12,5% ao ano, mas sem dar pistas sobre os próximos passos.
No mercado (que trabalha com a hipótese de um acordo sobre a dívida pública dos EUA), a perspectiva é de que a SELIC chegue a 12,75% e a inflação termine 2011 em 6,3% (abaixo do “teto”).
2. Produção, Vendas e Inadimplência
De acordo com o IBGE, a indústria fechou 2010 com crescimento acumulado em 12 meses de 10,5%, desacelerando para 4,5% no final de maio. Na mesma base de comparação, as vendas do varejo apresentaram desaceleração de 10,9% para 9,2%, graças ao aumento das importações (ver setor externo).
Dados mais recentes, com base nas consultas ao SCPC e SCPC Cheque, apresentam crescimento acumulado durante o período janeiro-junho de 6,4% e 7,0%, respectivamente.
Vale destacar o crescimento anual da massa salarial em junho, que alcançou 6,2% (2,3% no emprego e 4,0% nos salários), também apontando arrefecimento, quando comparado aos 9,0% de dezembro de 2010 (2,9% no emprego e 5,9% nos salários).
A inadimplência começa a subir moderadamente, tanto pelos dados do Banco Central (5,7% em dezembro de 2010 para 6,4% em junho de 2011), como pelos da ACSP/BVS (5,1% em dezembro de 2010 para 5,6% em junho de 2011). A perspectiva é de alta moderada em relação ao ano passado, mas sem chegar aos níveis de 2009, quando ocorreu a crise internacional de crédito.
Em síntese, salvo algum imprevisto, a inflação deve, até o final do ano, ficar ligeiramente abaixo do “teto” do intervalo. O crescimento da produção industrial deverá sofrer forte arrefecimento, pois é mais sensível à alta dos juros, enquanto as vendas tendem a apresentar uma trajetória mais suave de enfraquecimento.
3. Finanças Públicas
A arrecadação fiscal do Governo Federal durante o primeiro semestre aumentou em aproximadamente 19,3% em relação a 2010, devido principalmente ao crescimento da economia, que elevou as receitas de IR e COFINS, e ao início do pagamento do Refis da Crise.
Por sua vez, as despesas públicas federais registradas durante o mesmo período apresentaram elevação ao redor de 10,8%. Essa moderação na expansão dos gastos federais, contudo, foi obtida por forte desaceleração nos investimentos públicos, mantendo-se elevado o crescimento das despesas com custeio, pessoal e benefícios (12,5%, 11,3% e 10,6%, respectivamente), deteriorando ainda mais sua qualidade.
Assim, no acumulado de janeiro a junho, o superávit primário fiscal do Tesouro (receitas menos despesas, sem incluir o pagamento de juros) alcançou a R$ 55,5 bilhões, cumprindo cerca de 68% da meta anual, e superando aquela fixada para o primeiro semestre de 2011. Contudo, novamente a sensação de maior austeridade fiscal é relativizada pelo fato de que o resultado primário dependeu com maior intensidade do crescimento da arrecadação.
O panorama configura-se ainda pior ao considerar-se que o déficit público total bruto (diferença entre receitas e despesas totais, incluindo pagamento de juros e amortização da dívida pública) girará em torno de 20% do PIB em 2011, de acordo com recente estimativa do FMI (“Fiscal Monitor”, abril 2011), representando o segundo pior resultado para uma amostra de países emergentes, ainda que em linha com os países desenvolvidos, como mostra Gustavo Franco em seu último trabalho (“Porque Juros Tão Altos e o Caminho para a Normalidade”, junho 2011).
A dívida líquida do Tesouro Nacional alcançou em junho um valor aproximado de R$ 919 bilhões, representando 23,6% do PIB, e mostrando 2,2% de crescimento em relação ao ano anterior, devido à redução da dívida externa líquida, que alcançou aproximadamente a 20,8%, mais do que compensando o incremento da dívida interna líquida, que se situou ao redor de 10,9%.
O estoque da dívida bruta do governo exibiu expansão de cerca de 8,3% durante o mesmo período, embora em relação ao PIB mantenha trajetória decrescente, fechando o mês de junho em torno de 56%.
A perspectiva é de continuidade na expansão das receitas, ainda que mostrando certa desaceleração, refletindo o menor crescimento projetado para a atividade econômica no segundo semestre.
Do lado das despesas, a tendência é de continuidade docrescimento dos gastos públicos, principalmente aqueles de natureza corrente, mantendo-se taxas de expansão similares às registradas nos primeiros seis meses do ano.
Sendo assim, continuaríamos projetando resultados fiscais primários positivos, ainda que em menor magnitude, porém sem descumprir a meta, com moderado crescimento do endividamento público.
4. Setor Externo
A balança comercial (diferença entre exportações e importações) apresentou superávit de US$ 4,4 bilhões em junho último, acumulando, neste primeiro semestre, saldo positivo de US$ 13 bilhões. Considerando os últimos doze meses, o saldo acumulado foi de US$ 25,3 bilhões, 31,5% maior do que o verificado em idêntico período do ano passado.
Esses resultados se devem fundamentalmente às exportações, que, no primeiro semestre deste ano, chegaram a US$ 118,3 bilhões, com expansão de 32,6% sobre o mesmo período de 2010, enquanto que, as importações, no valor de US$ 105,3 bilhões, cresceram um pouco menos, 29,5%.
A relação altamente favorável entre os preços de exportação e de importação, sobretudo de commodities, é que garantiu o saldo positivo na balança comercial.
As cotações médias mensais de commodities, medidas pelo Banco Central subiram 31,6% nos últimos 12 meses, encerrados em junho. No entanto, essas cotações parecem começar a se estabilizar, pois, neste primeiro semestre, o aumento foi de apenas 1,4%.
O saldo da conta de transações correntes (exportações menos importações de bens e serviços) registrou déficit de US$ 3,3 bilhões em junho, de US$ 25,4 bilhões no primeiro semestre e de US$ 48,9 bilhões nos últimos 12 meses, equivalentes a 2,2% do PIB.
Essa relação vem sendo mantida desde julho do ano passado, e não representa motivo para maiores preocupações, porque, além do excesso de importações estar sendo coberto com folga pela entrada de Investimento Estrangeiro Direto (IED), que alcançou a US$ 68,8 bilhões nos últimos 12 meses, as reservas internacionais somaram US$ 335,8 bilhões, em junho de 2011.
A taxa cambial, por sua vez, continua sua trajetória descendente, prejudicando o setor produtivo nacional, frente à competição estrangeira.
De R$ 1,666 por dólar em dezembro de 2010, caiu para R$ 1,561 em junho e a R$ 1,536 no dia 26 de julho, a mais baixa dos últimos 12 anos, desde o início da política de liberalização do câmbio.
Para tentar reverter esse quadro, o Conselho Monetário Nacional adotou medidas que aumentam a regulamentação sobre o mercado futuro de câmbio, desincentivando, ao mesmo tempo, as operações de crédito tomadas no exterior. Estima-se que essas medidas teriam escasso efeito, frente ao excesso de liquidez internacional e ao elevado nível dos juros internos.
A perspectiva aponta para a continuidade da forte entrada de IED, que será mais do que suficiente para financiar o déficit nas transações correntes, mantendo a tendência de valorização do real.