Um homem foi condenado a quatro anos de reclusão por ter se aproveitado do vínculo amoroso para obter bens da então esposa de maneira ilícita- configurando um crime chamado de “estelionato sentimental”. A decisão em segunda instância foi divulgada na última quinta-feira (25) pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES).
Conforme consta no processo, os golpes teriam sido cometidos entre junho de 2013 e dezembro de 2014. De um lado estava a mulher, uma médica. Do outro estava o golpista, nascido em Vitória, que se dizia advogado e “pessoa influente na maçonaria capixaba”. Na época, ambos tinham aproximadamente 45 anos.
Apresentados por uma amiga em comum, os dois começaram a manter o que parecia ser um relacionamento saudável. No entanto, segundo aponta o parecer judicial, o homem já estava arquitetando o golpe, “simulando grande interesse pela mulher e propondo o casamento em pouco mais de dois meses”.
Ainda segundo o processo judicial, durante a relação, o homem deu início a uma série de estelionatos. Entre eles destaca-se a compra de um apartamento na Praia da Costa, em Vila Velha, no valor de R$ 612 mil. Inicialmente, ele teria se comprometido a quitar a metade, mas convenceu a esposa de que pagaria a quantia quando ele vendesse um outro imóvel que tinha na Capital.
Colocando em ação o chamado nos autos de “ardiloso plano”, o homem fez a vítima assinar um documento que fazia com que ele passasse a ser o único dono do apartamento. Para isso, o acusado teria ido até um hospital durante o plantão médico da esposa, e pedido para que ela assinasse rapidamente os papéis, sem tomar ciência do conteúdo.
Posteriormente, agindo de forma semelhante, o marido fez com que a mulher assinasse outro documento, dizendo que havia recebido o montante devido pelo imóvel. Após se garantir da posse, ele mudou o regime do casamento: passando de comunhão total para separação de bens, por meio de uma procuração, sem que a vítima soubesse.
Segundo o desembargador e relator do processo, Willian Silva, o golpista agiu de forma premeditada.
“Ele agiu de maneira premeditada e calculista, antes mesmo do matrimônio, antevendo todos os atos necessários para obter a vantagem patrimonial indevida em detrimento do sentimento e finanças da esposa”
Cerca de quatro meses depois, a médica tomou conhecimento dos golpes, “ficando estarrecida”. Assim que as fraudes foram descobertas, o capixaba teria ingressado com o pedido de divórcio. Segundo consta no processo, a vítima também teria passado a ser ameaçada — inclusive de morte.
Após a condenação do acusado em primeira instância a três anos de reclusão, o Ministério Público do Espírito Santo (MPES) apresentou um recurso, pedindo o aumento da pena para quatro anos, dois meses e 22 dias, inicialmente em regime semiaberto. O pedido foi atendido de forma unânime pela Primeira Câmara do TJES no último dia 10.
Para o desembargador e relator do caso, Willian Silva, trata-se claramente de um “estelionato sentimental”.
“Em relacionamentos amorosos a relação de confiança entre as partes ganha uma dimensão maior. Neste caso, todos os atos levaram a vítima a crer que não deveria preocupar-se com a atuação do esposo”, afirmou o desembargador.
Estelionato Sentimental: o que é e como se proteger
Segundo a definição dada pelo próprio desembargador Willian Silva, o chamado “estelionato sentimental” acontece “quando a vítima é induzida a erro quanto às intenções do pretendente e, com base na confiança plena estabelecida dentro de um relacionamento amoroso, sofre perdas, especialmente patrimoniais”.
Com o maior uso das redes sociais, o crime tem ganhado dimensão. De acordo com a advogada criminalista Fayda Belo, estelionato sentimental acontece quando se ingressa em uma relação com a única meta de obter vantagem sobre a outra pessoa.
“As mulheres são a grande maioria das vítimas. A duração do relacionamento, normalmente, varia de acordo com a renda que ela possui e com o poder de influência que o golpista consegue exercer nela. Pode ser de um mês, dois meses ou um ano. Não é um prazo pré-determinado”, explicou a advogada.
Para ajudar as vítimas, ela afirmou que é importante juntar o maior número de provas possíveis.
“Você precisa reunir prints (de conversas), extratos bancários e outros documentos para provar que você achava que estava uma relação, enquanto a outra pessoa não, e fazer a denúncia”, orientou Fayda.
Entenda
Artigo 171 – Estelionato
No Código Penal Brasileiro, o crime de estelionato consiste em “obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento”. A pena é reclusão, de um a cinco anos, e multa.
No entanto, no início deste mês de agosto, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto que altera o Código Penal para criar o crime de “estelionato sentimental”, definindo quando há alguma promessa sobre uma relação afetiva em troca da entrega de valores ou bens pela vítima. A pena, de acordo com texto, poderá ser de dois a seis anos de prisão.