sexta-feira, 20 de setembro de 2024
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Histórias da Carochinha

Desde muito cedo – ainda quando temos no berço um lugar ideal para as tranquilas noites de repouso – somos induzidos a acreditar em verdades, no mínimo, questionáveis. Quem pode…

Desde muito cedo – ainda quando temos no berço um lugar ideal para as tranquilas noites de repouso – somos induzidos a acreditar em verdades, no mínimo, questionáveis.

Quem pode dizer que jamais ouviu, em forma de melodia, a singela e, ao mesmo tempo, aterrorizante frase: “boi, boi, boi, boi da cara preta, pega essa criança que tem medo de careta…”?

Só depois de muitos pesadelos é que descobrimos que o tal boi não passava de uma simples mentirinha. Há ainda outras inúmeras inverdades – inofensivas – como Papai Noel, Coelhinho da Páscoa, Bicho Papão etc. Até aí, os danos, se realmente existem, são facilmente reparados com a chegada da maturidade.

Tais engodos, porém, passam a ganhar proporções preocupantes quando ultrapassam os limites das fraldas e das marias-chiquinhas e ganham espaço na vida da população adulta.

Não é difícil encontrar alguém que já tenha sido enganado pelo menos uma vez. Às vezes por simplicidade, por ingenuidade, por ignorância, ou até mesmo – na maioria das vezes – por pura ganância. O ato de enganar terceiros em benefício próprio é chamado de estelionato, e a pessoa que o pratica, estelionatário. Pelo código penal, tal atividade é considerada criminosa, no entanto, no Brasil, é realizado um evento bienal quando essa prática ilícita é exercida livremente sem que haja qualquer tipo de repreensão por parte da justiça.

O festival de “lorotas” recebe o nome de Eleições: o paraíso da picaretagem absoluta e livre. Candidatos a um cargo público invadem os lares dos brasileiros no horário nobre da televisão, que lhes é cedido gratuitamente, e iludem a população com discursos ultrapassados e demagógicos. O povo, por sua vez, engole tudo, passivamente, e ainda acredita na falsa ilusão de que detém o poder de escolha e seu voto é a arma com a qual poderá exercer o seu “poderoso e sagrado direito de cidadão”. Será?

Há um sábio ditado popular que diz: “Quando a esmola é muita, até o santo desconfia”. É com esse olhar de santo desconfiado que devemos analisar as propostas dos candidatos e as campanhas publicitárias em época de eleições. É comum observarmos uma preocupação exagerada com a questão do voto.

A todo o momento ouvimos que “devemos exercer nosso direito”. Não haveria aí um grande paradoxo? Se realmente é um direito, poderíamos optar em exercê-lo ou não. Somos obrigados, porém, a acordar bem cedinho – para não enfrentar uma fila gigantesca – e comparecer diante das “teclas da alienação”. Os que burlam essa obrigatoriedade sofrem penalizações que vão desde a impossibilidade de abrir contas bancárias até a exclusão em qualquer concurso público realizado dentro do território nacional. Ora, onde está a tão sonhada e conquistada Democracia? Por onde anda nossa liberdade de escolha? Somente a quem o voto beneficia, ao eleitor?Ao candidato?

Votar não seria um tiro pela culatra?
Todas essas questões são pertinentes diante de alguns fatos. Vamos a eles: em 2006, quando foram eleitos Presidente, Senadores, Deputados Estaduais e Federais e Governadores, a frase mais ouvida nas campanhas publicitárias era: “Você é o patrão!” Pois bem, um patrão, de fato, tem o poder para contratar seu funcionário e para demiti-lo caso este não cumpra de maneira satisfatória suas obrigações. Note que o eleitor só tem 50% de seu direito de patrão. O seu voto serve apenas para eleger, justamente a parte que mais interessa ao candidato.

Os outros 50% lhe são negados. Cifras astronômicas são saqueadas de sua empresa e você, “patrão”, não é convidado sequer a opinar no julgamento dos meliantes. Impera aí o exercício do corporativismo. O resultado é sempre o mesmo: uma bela e suculenta pizza. Na sua empresa, “patrão”, são os funcionários que escolhem o quanto irão receber no fim do mês. Dão-se fartos aumentos enquanto você, que é o suposto dono, tem que “rebolar miudinho” para dar conta de se manter com o salário miserável que ganha.

O voto não escolhe nada. Os candidatos já vêm escolhidos de acordo com interesses partidários. São as conhecidas convenções, quando são feitos acordos de interesse que só dizem respeito a quem os faz. Dessas discussões, a maioria da população nunca participa e, quando tenta fazer valer sua voz, é “democraticamente” recebida pela “delicadeza” da polícia com seus cacetetes impiedosos, por suas bombas de gás lacrimogêneo e de efeito moral e pelas “apaziguadoras” balas de borracha,sem falar do gás de pimenta.

Se não bastasse tudo isso, quando o congresso nacional se transforma em covil, encontram logo um culpado: “o povo, que não teve inteligência suficiente para escolher”. Talvez, infelizmente o sonho democrático de Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, André Franco Montoro, entre outros, não tenha passado, na realidade, de um triste pesadelo no qual o “bicho papão” é real e cruel.

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