segunda, 25 de novembro de 2024
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“Fomos enganados”, dizem militares russos detidos na Ucrânia

O segundo andar do centro de detenção na Ucrânia é reservado aos presos de guerra russos, que para sua própria proteção são mantidos separados dos demais. Também por motivos de…

O segundo andar do centro de detenção na Ucrânia é reservado aos presos de guerra russos, que para sua própria proteção são mantidos separados dos demais. Também por motivos de segurança, a DW não pode revelar a localização do presídio.

Numa das celas estão sete homens de diversas idades, todos se dizem soldados contratados. A visita de jornalistas não os surpreende: segundo eles, representantes das Nações Unidas ou da Cruz Vermelha passam por lá todas as semanas. Eles mostram bastante disposição de contar suas histórias.

“Para ser bem honesto, nós fomos, de certo modo, enganados. De início nos disseram que íamos cuidar de coisas humanitárias. Mas eu fui imediatamente jogado no front”, relata Roman, da cidade de Vyborg. Em combates na região de Kharkiv ele foi ferido, e os militares ucranianos os levaram consigo e prestaram cuidados médicos.

Artyom, em contrapartida, frisa que participou por vontade própria da “operação militar especial” – na terminologia adotada por Vladimir Putin – contra a Ucrânia. Atendendo a um anúncio na internet, ele foi mobilizado para a província de Donetsk, sob controle de separatistas pró-russos.

Em poucos dias aprendeu a dirigir um tanque blindado T-72, e aí foi enviado em direção a Zaporíjia. No entanto seu veículo foi destruído e ele, capturado pelo ucraniano Batalhão Azov. Lá recebeu comida e cigarros, e “fascistas, não vi nenhum”, comenta.

Indagado por que foi para a Ucrânia, explica: “Na televisão dizem que supostamente lutamos por uma boa causa, mas na verdade não é nada disso. Meus olhos só se abriram aqui.” Para Artyom, o exército russo é de “saqueadores e assassinos”.

“Ninguém nos disse para onde estávamos indo”

A cela dos russos está equipada com móveis antigos, é estreita, mas limpa. Pratos de plástico estão sobre a mesa, cada um tem o seu. Colheres e garfos, contudo, são de metal. Segundo os guardas, para os presos normais também os talheres são de plástico, mas com os de guerra é mais fácil, eles não são agressivos e só estão esperando por uma troca de prisioneiros.

Um detento ucraniano distribui o almoço, sob a observação de um vigia. Borscht e pirão de trigo-sarraceno são servidos através de aberturas nas portas de cada cela. O desjejum foi angu de milho com carne. Segundo o cardápio pendurado no corredor, são servidas três refeições por dia. Além disso, os internos podem passear e diariamente tomar banho.

Numa outra cela encontram-se três jovens de 20 a 21 anos de idade. Na mesa ao lado das camas está uma pilha de livros. Eles dizem gostar de histórias policiais e romances. Dmitri, de 20 anos, comenta que seu estado de ânimo “deixa muito a desejar”. Ele frisa que não sabia que em 24 de fevereiro iria de Belgorod, na Rússia, para a Ucrânia.

“Ninguém nos disse para onde estávamos indo. Só quando já estávamos em território ucraniano e vimos letreiros e bandeiras, é que nós todos entendemos. Eu perguntei ao comandante o que a gente estava fazendo ali, e a resposta foi que não era para fazer perguntas inúteis.” Quando, em 27 de fevereiro, seu tanque foi bombardeado, próximo a Pryluky, na região de Chernihiv, ele se rendeu aos ucranianos.

Oleg, da Carélia, conta que prorrogou seu contrato com as Forças Armadas russas em março. “Eu acreditei nas notícias na TV de que ajudaríamos a dirigir, de que aqui havia nacionalistas matando e torturando a própria população.” Mas as tropas russas tomaram a região de Kharkiv, ele não viu um único nacionalista: “Quando chegamos nos lugarejos, as pessoas nos diziam, bem diretamente: Vão embora! Vocês não têm nada que fazer aqui!”

Ao assinar seu contrato, lhe prometeram um treinamento, mas também que não seria mobilizado para o front avançado. Após três dias, contudo, foi enviado para o cerco à metrópole de Kharkiv. Ele liderava uma subunidade que, segundo afirma, tentou retornar à Rússia, mas o comando proibiu. Entretanto o contato com este se rompeu, e pouco mais tarde Oleg foi preso pelo exército ucraniano.

Maus tratos contra militares ucranianos e russos

Todos os prisioneiros de guerra russos com que a DW conseguiu falar afirmam lamentar ter participado da invasão, e que não atiraram em residentes pacíficos de lugarejos e cidades – afirmativa que o exame com um detetor de mentiras não contradisse. Até agora os investigadores ucranianos tampouco apresentaram provas de eventuais crimes de guerra.

Os funcionários do presídio contam que só perante o detetor de mentiras o sargento russo Vadim Shishimarin, que também ficou detido no local, confessou ter atirado e matado um civil na região de Sumy. Em 23 de maio, um tribunal ucraniano o condenou à prisão perpétua, no primeiro processo contra um prisioneiro de guerra russo no país.

Na conversa com a DW, nenhum dos detentos se queixou de más condições de prisão ou de tratamento desumano. “Todo dia nos perguntam se precisamos de alguma coisa. Se é possível, nos dão. A comida é equilibrada”, relata Roman, de Vyborg.

Segundo o Ministério da Justiça da Ucrânia, cada prisioneiro custa por mês cerca de 3 mil grívnias (95 euros ou R$ 488), em alimentos, roupas, artigos de higiene, além de água e eletricidade. A estes se acrescentam medicamentos e equipamento médico, além de custos com pessoal.

A vice-ministra da Justiça Olena Vysotska assegura à DW que esses gastos são justificados, já que as condições de prisão devem obedecer a Convenção de Genebra. Além disso, são necessários prisioneiros russos vivos e saudáveis para trocar com os ucranianos capturados pela Rússia.

Segundo dados da diretora da comissão da Organização das Nações Unidas para os direitos humanos na Ucrânia, Matilda Bogner, observadores também receberam informações sobre soldados russos maltratados e torturados logo após a captura. Nas prisões em que estes aguardam uma troca, porém, ela constatou condições satisfatórias.

Representantes da missão da ONU enfatizam que na Rússia e nos territórios sob controle russo, militares ucranianos também são torturados, tanto em seguida à captura quanto durante a prisão. É comum faltarem alimentos e higiene, e o tratamento por parte dos guardas é brutal. A organização insta ambos os lados a tratarem com humanidade seus prisioneiros de guerra.

Não há dados oficiais sobre quantos soldados russos estão detidos na Ucrânia, seu número muda frequentemente, devido às trocas regulares. “A esperança é a última que morre”, consola-se Dmitri, que também espera ser trocado. Depois de três meses, o rapaz de 20 anos quer voltar para casa, e não pretende nunca mais servir o Exército.

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