O Flamengo e a prefeitura do Rio podem ser civilmente responsáveis pelo incêndio que resultou na morte de dez jogadores das categorias de base do clube e ferimentos em outro três.
O rubro-negro, por ter de selar e garantir a segurança dos jovens que estavam no Ninho do Urubu. A prefeitura poderá ser acionada se ficar comprovada falha na fiscalização do CT.
No futebol brasileiro, para formar jogadores o clube tem de cumprir várias exigências, entre elas “manter alojamento e instalações desportivas adequados, sobretudo em matéria de alimentação, higiene, segurança e salubridade”. É o que determina o parágrafo 2º, letra D, do artigo 29 da Lei 12.395. Sancionado em 16 de março de 2011 pela então presidente Dilma Rousseff, o texto alterou a Lei Pelé (9.615/1998) e definiu parâmetros para funcionamento das categorias de base. No entanto, não há na lei especificação sobre como devem ser as instalações.
Para o professor de Direito e especialista em Direito Esportivo e Constitucional Daniel Falcão, é certo que o Flamengo tem responsabilidade e que deve indenizar as vítimas. “A Lei Pelé deixa claro que atletas com menos de 20 anos, mesmo que não tenham contrato profissional, têm direito a seguro de vida”, diz. “Assim, a família já tem a possibilidade de ser indenizada minimamente”.
Os atletas só podem assinar contrato profissional a partir dos 16 anos. Antes, têm um vínculo de não profissional. A lei determina também que seja feito seguro de vida e acidentes pessoais para esses atletas.
No início da tarde dessa sexta-feira, 8, o presidente do Flamengo, Rodolfo Landim, se comprometeu a auxiliar às famílias das vítimas. “Vamos agora tentar minimizar o sofrimento dessas famílias. Não vamos poupar esforços”.
A prefeitura do Rio pode vir a ser responsabilizada pelo fato de o incêndio, no alojamento, ter ocorrido em uma área que tinha permissão para que funcionasse apenas um estacionamento. “Se isso for confirmado, há responsabilidade pela falta de fiscalização. A prefeitura deveria ter mandando fiscais vistoriarem o local”, afirma Eduardo Vital Chaves, sócio do Rayes & Fagundes Advogados.
Chaves explicou à reportagem do Estado que a responsabilização de clube e prefeitura poderá vir a partir da comprovação de falhas. “Se constatada a negligência, se a estrutura (onde ficavam os garotos) não for adequada… A tragédia pode ser consequência de um somatório de fatores, como não ter saída de emergência no local do incêndio, a não existência de sprinklers…”
Em relação aos jovens que estavam no Ninho do Urubu em período de testes, e portanto ainda sem vínculo formal com o clube, o Flamengo pode ser acionado com base no Código Civil.
Clube formador – A partir da entrada em vigor da Lei 12.395, a CBF definiu em 2012, por meio de uma Resolução da Presidência (na época, Ricardo Teixeira ocupava o cargo) normas para que os clubes obtivessem o Certificado de Clube Formador (CCF). De acordo com a entidade, as exigências “englobam critérios técnicos, médicos, educacionais, desportivos e de infraestrutura”.
Em relação à acomodação dos atletas, a norma fala em “manter alojamento com área física proporcional ao número de residentes, dotado de ventilação e iluminação natural, em boas condições de habitabilidade, higiene e salubridade, com mobiliário individual”.
Há duas categorias de certificados, A e B, de acordo com a estrutura, com validade de dois e um ano, respectivamente. Na segunda-feira, a CBF atualizou a lista, com certificação de 37 clubes na categoria A (entre eles todos da Série A) e cinco da categoria B. O do Flamengo foi concedido em 2017.
A fiscalização é de responsabilidade das federações. “Cabe à Federação Estadual à qual o clube é filiado elaborar parecer conclusivo acerca do preenchimento dos requisitos para obtenção do certificado, após verificação, análise documental e avaliação in loco”, diz a CBF. “À CBF cabe a revisão de conformidade da documentação enviada”.
Questionada, a Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro, a quem compete fiscalizar o Flamengo, respondeu por nota que “não tem a função e a competência inerente aos órgãos públicos”. Sobre o processo de certificação, diz receber a solicitação e que “após análise e da verificação ‘in loco’ do que seja exigido solicita ao clube as devidas correções, no caso de desconformidades, ou encaminha à CBF parecer favorável à certificação, acompanhada de toda a documentação do clube”.