sexta, 22 de novembro de 2024
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Filme sobre psiquiatra brasileira é destaque em festival

Um dos oito filmes brasileiros apresentados no Festival de Cinema de Gotemburgo, na Suécia, “Nise – O Coração da Loucura”, do diretor Roberto Berliner, conta a história da psiquiatra alagoana…

Um dos oito filmes brasileiros apresentados no Festival de Cinema de Gotemburgo, na Suécia, “Nise – O Coração da Loucura”, do diretor Roberto Berliner, conta a história da psiquiatra alagoana Nise da Silveira (1905-1999), que revolucionou o tratamento de pacientes esquizofrênicos no Hospital Engenho de Dentro, na periferia do Rio, nos anos 1940. “Eu senti que eu tinha que fazer esse filme, um projeto que começou há 13 anos, pela importância do trabalho dessa mulher, que ainda é pouco conhecido no Brasil”, contou o diretor à RFI Brasil, após uma das projeções no festival sueco, que terminou na segunda-feira (8).

O filme, que estreia no Brasil no dia 21 de abril, já ganhou vários prêmios, como o de melhor filme e melhor atriz (Gloria Pires) no último Festival de Cinema de Tóquio, e o prêmio do público no Festival do Rio. No Festival de Gotemburgo, a obra seduziu e emocionou o público sueco, o que pôde ser visto nos debates com o diretor após as projeções.

“A recepção ao filme foi muito calorosa aqui. Nise fala do inconsciente, de nós, seres humanos, de arte, de amor, de afeto, de loucura. Tudo isso que nós temos o tempo inteiro. Eu acho que não existe nada mais importante no mundo do que a gente tentar entender a mente humana”, afirma Berliner.

Para o cineasta, que também escreveu o roteiro do filme, “Nise olhava para as pessoas para as quais os outros psiquiatras não queriam olhar”. “Ela falava que os psiquiatras olhavam para os livros, e ela olhava para os pacientes, que, na verdade, ela chamava de clientes.”

“Eu me senti responsável por tentar traduzir um pouco desse universo tão grande que ela estudou, para ver se despertava o interesse das pessoas, para que as pessoas pudessem estudar um pouco mais sobre ela. Eu cuidei desse filme quase tanto quanto eu cuidei do meu filho, que tinha apenas 1 anos quando iniciei o projeto”, completou.

Criação do roteiro

Para escrever o roteiro, Berliner consultou os principais colaboradores de Nise. “A cada passo que eu dava, eu sempre voltava para eles, para conversar, para entender um pouco mais do mundo dela, para ver se eu estava fazendo de uma maneira que ela aprovaria, se eu estava de acordo com os métodos dela”, conta. A colaboração foi tão estreita que alguns deles aparecem no filme como figurantes.

Outra fonte de consulta foram os escritos de Bernardo Horta sobre a psiquiatra. “Eu pedi para ele organizá-los, e assim surgiu nosso primeiro roteiro. Ele acabou transformando os escritos na biografia ‘Arqueóloga dos Mares’”, conta Berliner.

Luiz Carlos Mello, diretor do Museu de Imagens do Inconsciente, criado por Nise nos anos 1950 para exibir os trabalhos artísticos dos internos, também colaborou com o roteiro e acabou escrevendo outra biografia, “Nise da Silveira: Caminhos de uma Psiquiatra Rebelde”, que ganhou o prêmio Jabuti.

A própria Nise escreveu dois livros sobre seu trabalho, na década de 1970, “Imagens do Inconsciente” e “O Mundo das Imagens”. “São livros em que ela teoriza sobre seus métodos, e analisa cada um dos principais artistas que estão no filme. São livros fundamentais”, explica o diretor.

Laboratório para o elenco

Para Berliner, a parte mais rica de todo o processo foi o contato de toda a equipe, principalmente dos atores que interpretam esquizofrênicos no filme, com pacientes reais – no mesmo hospital onde Nice trabalhou, o Engenho de Dentro. “Nós nos mudamos para o hospital dois meses antes de começar a filmar, e os atores passaram a frequentá-lo todos os dias. E nós começamos a usar as roupas dos internos”, conta.

O preparador de elenco, Tomás Rezende, e os atores começaram a incorporar os gestos e o comportamento deles. Muitos desses pacientes acabaram participando ativamente das filmagens, como figurantes ou até mesmo na equipe técnica, fazendo com que a gravação se assemelhasse aos próprios métodos usados por Nise, que tratava os pacientes como pessoas criativas e produtivas – e não apenas como doentes. “Essa experiência fez com que a gente se apoderasse desse espaço, e isso acaba transparecendo no filme porque a gente viveu aquilo.”

Roberto Berliner, mais conhecido por seu trabalho como documentarista (“A Pessoa É Para o Que Nasce”, “Pindorama – A Verdadeira História dos Sete Anões”), usou técnicas de documentário na captação das imagens. “O que chama a atenção da câmera é sempre a ação”, avalia.

“A câmera nunca chega antes da ação. A gente viveu aquele espaço como se fosse um documentário. Essa experiência que a gente teve, e isso eu falo com toda a segurança em nome de toda a equipe, foi uma experiência muito intensa”, reitera.

Glória Pires como protagonista

Desde o início, Berliner queria Glória Pires para o papel principal e acabou chegando a ela através do marido, Orlando Morais, que leu o roteiro e se apaixonou pela personagem. “A Glória é uma pessoa espetacular. Eu não a conhecia. Já tinha vontade de trabalhar com ela por admirar seu trabalho, mas o processo com ela foi espetacular em todos os sentidos.

Ela mergulhou de cabeça e aprendeu muito sobre a Nise. Durante o processo, ela teve contato com vários colaboradores da Nise. Ela chegava sempre com informações novas, queria mexer no texto, a gente tinha discussões amplas sobre como abordar cada coisa.”

O diretor compara o trabalho de Glória com o de Nise. “A relação dela com os outros atores é muito legal, de uma generosidade muito grande, ela abre espaço para os outros. E a Nise era muito isso. A Glória deu espaço para a generosidade da Nise entrar em cena. Ela olhava para os outros atores com a generosidade que a Nise tinha.”

“Nise – O Coração da Loucura” segue agora para os Festivais de Berlim (Alemanha) e de Glasgow (Escócia).

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