O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou nesta sexta-feira (24) a lei que institui o pagamento de pensão para os filhos de pessoas que foram isoladas em colônias de pacientes com hanseníase no século passado, sendo separados de seus pais. Os valores de indenização e os trâmites para o recebimento serão regulamentados em decreto que será publicado posteriormente.
O isolamento de pessoas com hanseníase aconteceu de forma mais intensa até a década de 1950, sendo reduzida a partir dos anos 1960. A política que determinava isolamento e internação compulsória de pessoas com a doença foi respaldada oficialmente pelo Estado até 1976.
A hanseníase é uma doença infecciosa, contagiosa, de evolução crônica, causada pela bactéria Mycobacterium leprae, que atinge principalmente a pele, as mucosas e os nervos periféricos. Conforme estimativa do Movimento de Reintegração dos Acometidos pela Hanseníase (Morhan), cerca de 15 mil pessoas podem ser beneficiadas diretamente pela nova lei.
Na cerimônia de assinatura da lei, no Palácio do Planalto, o presidente Lula disse que o Estado falhou com essas famílias e que é preciso pedir desculpas e construir políticas públicas para reparar os danos sociais que a segregação causou.
“Nenhum dinheiro no mundo é capaz de compensar ou apagar as marcas que a segregação provocou na alma e no coração das pessoas portadoras de hanseníase e suas famílias. Mas estender aos filhos o direito a pensão especial é dar mais um passo importante para a reparação de uma dívida enorme que o Brasil tem com aqueles que durante anos foram privados dos cuidados e carinho de seus pais”, disse.
Lula também defendeu uma campanha de orientação para que a população possa descobrir os primeiros sinais da doença e para acabar com o preconceito. “Não tem mais sentido ter vergonha de ser chamado de leproso, de hanseniano, porque é uma doença que tem cura se for tratada”.
Em 2007, durante o segundo mandato do presidente Lula, foi instituída a Lei Nº 11.520, que passou a conceder pensão especial para pessoas atingidas pela hanseníase que foram submetidas a isolamento e internação compulsórios. A lei assinada nesta sexta-feira por Lula também estabelece que o valor pago às pessoas que ficaram isoladas não poderá ser inferior a um salário mínimo nas pensões. Atualmente, há cerca de 5,5 mil pessoas acometidas pela hanseníase que chegaram a ser isoladas compulsoriamente e ainda estão vivas.
Separação
A vítima de isolamento compulsório Maria de Fátima de Lima e Silva teve oito filhos, e todos foram separados dela logo após o nascimento. Hoje, ela só conhece quatro filhos. “Naquele tempo, quando a gente que era doente e tinha filho, tinha que doar para os sadios, porque não podia criar”, relatou.
Kátia Regina Pereira de Souza, filha de Maria de Fátima, foi separada da mãe ao nascer, mas conseguiu reencontrá-la depois de anos. “Essa reparação não vai apagar meu passado, mas vai me dar mais dignidade de vida. E é uma lição para o país, que não se deve fazer isso com ninguém”, disse Kátia.
O coordenador nacional do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan), Francisco Faustino Pinto, pediu ao governo que amplie as ações para diagnóstico precoce da doença, além de novos medicamentos, novos exames, prevenção das incapacidades físicas, reabilitação, cirurgias estéticas e para melhorar a mobilidade.
A ministra da Saúde, Nísia Trindade, anunciou que o Sistema Único de Saúde disponibilizará testes rápidos para avaliação dos contatos dos pacientes e, a partir de 2024, oferecerá novos testes laboratoriais de biologia molecular para aperfeiçoar o diagnóstico. Ela também lembrou que o governo instituiu o Comitê Interministerial para Eliminação da Tuberculose e de Outras Doenças Determinadas Socialmente, que atua para eliminação da hanseníase.
Segundo a ministra, no século passado, o isolamento era feito em nome da ciência, e era visto como algo moderno. “Vamos trabalhar juntos para que essa agenda de hoje seja um momento de reparação histórica necessária e que seja uma reparação não apenas para filhos e pais separados, mas também para a ciência, que precisa mudar o seu modo de ver e, sobretudo, para a nossa sociedade”, avaliou.