O Globo Repórter desta sexta-feira, dia 9, trouxe um polêmico assunto, revelando o número de menores que encaram jornadas de trabalho de adulto no Brasil.
A reportagem visitou diferentes cidades do país onde crianças e adolescentes estão inseridos no mercado de trabalho. As pesquisas revelaram que, apesar de toda fiscalização, quase quatro milhões de menores ainda encaram jornadas de adultos.
O programa também abordou a questão sobre quais tipos de empregos os adolescentes podem trabalhar legalmente. Ao todo, 40 mil já conseguiram autorização na Justiça.
Em visita a Fernandópolis, a equipe do Globo Repórter esteve na sede do “Os Sonhadores” para contar a história da jovem aprendiz Ariane Eduarda Carvalho de Oliveira, 15 anos, que é integrante do projeto há cerca de cinco anos e hoje atua como monitora musical nas aulas de iniciação das oficinas de violino.
Durante a reportagem, que também visitou a residência e escola da garota, Ariane falou sobre sua vida, as mudanças depois do “Os Sonhadores” e seu grande sonho de ser uma renomada musicista.
CONFIRA A MATÉRIA QUE FOI AO AR NO PROGRAMA:
Começar a trabalhar antes dos dezesseis anos ou não ? Eis a questão ! Levada muito a sério pelo juiz da infância e juventude de Fernandópolis , cidade que fica a quinhentos e cinquenta quilômetros da capital paulista e virou exemplo em ações para promover a proteção de crianças e adolescentes.
Antes da entrevista começar no gabinete do juiz Evandro Pelarin, nos lembramos de um fato que causou polêmica na cidade e virou assunto no país. Aquele parecia um dia comum, mas tudo mudou quando o juiz foi avisado de que um pai, uma mãe e um menino o aguardavam para conversar. Intrigado, ele mandou logo a família entrar. E o juiz continuou contando: “ O pai disse assim para o filho de treze anos : Fale logo aquilo que você pediu para mim ! Diga , filho, aqui na frente do juiz!” E a curiosidade do Doutor Evandro só aumentava… Finalmente o menino, tímido, desabafou : “ Senhor juiz, eu queria trabalhar. Tenho só treze anos , mas gosto muito do trabalho dos mecânicos, quero trabalhar em uma oficina . Sou apaixonado por carros e ficaria muito feliz se tivesse esta chance.” O juiz então parou, pensou e concluiu : “ Quem sou eu para impedir a sua vontade , se você tem este desejo , vá em frente, mas não abandone os estudos. Se você conseguir conciliar emprego e escola , sem queda nas suas notas, tudo bem! “
E o menino saiu radiante do Fórum. Dias depois já estava trabalhando na oficina. Tudo acompanhado de perto pelos conselheiros tutelares. O desempenho do aluno que virou também mecânico até aumentou, de tão satisfeito que o menino ficou. Hoje ele tem 18 anos e prefere não falar mais sobre esta história. Continua trabalhando na área – já chegou à gerência de uma empresa – e também estuda. Quem sabe um dia ainda se torne engenheiro mecânico. Fiz questão de registrar esta história aqui para mostrar como a justiça pode colaborar para o futuro destes adolescentes. Tudo , é claro, com bom senso. O juiz que estava acostumado a presenciar depoimentos de adolescentes envolvidos com drogas, a determinar internações na Fundação Casa, de repente se deparou com um pedido inusitado de um adolescente que queria simplesmente trabalhar, aprender…
“ Não, Daniela, eu não impediria isso jamais ! ” E concluímos assim a nossa conversa antes da gravação.
O juiz da infância e juventude de Fernandópolis é um apaixonado pela questão da integridade do adolescente e faz de tudo para conseguir bons resultados. Acompanho o trabalho dele pelas redes sociais e sempre o vejo aos finais de semana visitando projetos sociais, participando, dando exemplo. Um dos projetos que ele acompanha de perto é o trabalho nobre de um homem que , para cumprir promessa pela cura de um dos filhos , começou a oferecer aulas de música para crianças de um bairro da periferia de Fernandópolis.
“ Tocamos flauta, violão e violino debaixo de uma árvore durante nove anos” disse Marcos Vilela, coordenador do projeto “ Os Sonhadores ” , no dia em que a gente se conheceu. “Aos poucos fomos conseguindo apoio e hoje atendemos quase duzentas crianças e adolescentes.” Linda história ! E ele, todo empolgado, me mostrava as crianças enquanto tocavam violino.
“ Tá vendo aquela menina ali , de cabelo todo preso , bem arrumada ? Morava numa casa de dois cômodos. Ela vem aqui duas vezes por semana à noite aprender a tocar o mais nobre dos instrumentos. Já conseguimos até reformar a casa dela.”
Parabéns, Marcos, pela sua atitude ! Fiquei imensamente feliz em ouvir notas musicais ecoando daquele barracão que em breve vai ganhar mais salas. “ Queremos atender ainda mais crianças. A música acolhe, a música acalma. O índice de criminalidade no bairro diminuiu para quase zero depois que as aulas de música começaram aqui.”,emendou o coordenador.
Uma boa oportunidade para adolescentes como Ariane, que mostramos na reportagem. Com a vivacidade típica de seus quinze anos, ela se destacou rapidamente entre os alunos.
“ É um dom. Amo violino” , disse a aluna carregando o instrumento nos braços como se fosse relíquia. “ Mas este aqui não é meu, pretendo comprar um com meu primeiro salário.” Com o talento que tem para tocar e ensinar, Ariane foi convidada para ser professora de música no projeto. Em breve vai começar a ganhar um salário mínimo e será registrada, como manda a lei. Tudo com o aval do juiz da infância e juventude da cidade. O Ministério Público é contrário.
“Pela lei, o trabalho antes dos dezesseis só pode ser em atividades de projetos profissionalizantes para jovens aprendizes, e aqui em nossa cidade , não há nada nesta área”, disse o promotor Dênis Henrique Silva .
“Não acho que ela deva ser professora. A cobrança é grande para uma adolescente de quinze anos. ” Mesmo com a posição contrária do Ministério Público, tudo corre a favor da contratação. Ariane está radiante e a família , toda orgulhosa. Talento para o violino e também talento para ensinar! Sorte a dos pais. Ela promete. É determinada e esforçada. Boa sorte, Ariane !
Já Lucas , de quinze anos, nunca teve o apoio da família. O menino tímido se redescobriu no emprego. “ Antes ficava só no abrigo, sem fazer nada a tarde inteira, queria me sentir útil.” Triste passado tem este adolescente. Mãe andarilha e pai dependente de álcool.
Ele e o irmão foram retirados dos pais e hoje vivem num abrigo em Fernandópolis.
Lucas não queria esperar os dezesseis anos para sair do abrigo. Ele tem pressa. Pela lei, aos 18 anos, terá que sair do aconchego do lar que o abrigou para enfrentar o mundo. E desta vez , sozinho. Ele já se preocupa. Disse que quer a guarda do irmão mais novo e uma vida digna para os dois.
“ Quero um carro, uma casa e vou chegar lá “ , falou Lucas, com ar de quem teve que aprender a ser responsável desde cedo. O juiz da cidade mais uma vez deu uma prova de confiança: autorizou Lucas a trabalhar antes dos dezesseis. E ele estava certo. O sorriso no rosto do empacotador de supermercado transborda na face que antes só demonstrava rancor e ressentimento. “ Não dá para esquecer tudo o que passei na infância. Mas trabalhar me ajuda a enxergar o que virá daqui para frente” . Nos despedimos de um Lucas rodeado de amigos – os companheiros de trabalho – que em nada lembrava o menino que um dia foi abandonado.
O trabalho agora é o companheiro dele, é a esperança de dias melhores que, com certeza, virão.