Anderson Leonardo Fernandes de Souza, de 28 anos, está sendo investigado pela Polícia Civil de São Paulo por aplicar golpes se passando por médico cardiologista formado pela Universidade de São Paulo (USP).
Ele é acusado por pelo menos cinco vítimas – a maioria mulheres – de aplicar golpes financeiros e também fazer consultas médicas usando um número de registro profissional inativo pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de SP (Cremesp).
Anderson tem pelo menos 11 mil seguidores nas redes sociais, onde posta fotos de jaleco médico, em sala de atendimento e até se arrumado como se estivesse pronto para fazer uma cirurgia.
O 66° Distrito Policial do Jardim Aricanduva instaurou inquérito policial para apurar os crimes de estelionato, exercício ilegal da profissão e falsificação de documento particular por parte do falso médico.
Uma das vítimas ouvidas pelo SP1, da TV Globo, na condição de anonimato, disse que teve um prejuízo de mais de R$ 45 mil, ao se relacionar com o rapaz amorosamente.
“Foram 9 meses de relacionamento. A gente se conheceu pela internet, foi engatando namoro, comecei a morar junto… Nesse tempo foram mais ou menos uns R$ 45 mil de prejuízo, de empréstimo. Às vezes, uma coisa ou outra que ele dizia que era para os dois. Então, viagens, jantares, coisas que ele queria para os dois e que sempre alegava que iria devolver. Ele dizia estar com a conta bloqueada e mostrava as contas. A última vez que mostrou, tinha mais de R$ 500 mil na conta”, contou a moça.
Imersa no relacionamento, a vítima disse que não desconfiava de Anderson e que conheceu ele por uma rede social.
“No relacionamento, eu não parei para olhar. Nunca pensei em saber realmente se estava falando a verdade. Minha irmã e outras pessoas de fora vieram até mim. De início, eu estava relutante. Outra pessoa teve que abrir meus olhos até eu entender que era um golpe.”
Crachás falsos
Para enganar as vítimas, Anderson andava sempre com dois crachás falsos de onde ele dizia trabalhar: um do Hospital Geral do Grajaú, na Zona Sul, e outro do Sírio-Libanês, na região Central de São Paulo.
Os dois hospitais negam que Anderson Leandro faça parte do corpo médico das unidades.
Nos crachás, ele usava o número de um CRM, o registro no Conselho Regional de Medicina, de outro profissional — que está inativo desde 2002. Era de um médico que já morreu.
Pelas publicações nas redes sociais, Anderson se aproveitava qualquer oportunidade para se passar por médico, como prestar socorro nas ruas e até fazer consultas e prescrever medicamentos.
“Além de cardiologista, ele dizia ser dermatologista também. Então, num certo momento eu comecei a sentir um incômodo na minha perna, uma coceirinha. Aí eu pedi pra ele olhar pra mim. Ele olhou, falou que era micose, passou medicamentos, pomadas, enfim”, disse uma mulher que se consultou como o falso médico.
“Pouco tempo depois, meu filhinho começou a ter uma coceirinha no corpo, vermelhidão, umas bolinhas. Eu fiquei super preocupada, porque ele havia me falado que se eu não tivesse tratado antes, eu podia até ter passado pro bebê. Então, rapidamente pedi ajuda pra ele. E ele foi até em casa, examinou meu filho, passou uma receita de remédio. Comprei e passei no bebê”, contou ela.
O falso médico dava até palestras. No mês passado, Anderson falou para alunos de um cursinho popular de Guarulhos, na Grande São Paulo.
A identificação na foto de divulgação do evento é: médico cardiologista pela USP. Mas o nome dele não consta em nenhuma lista de aprovados no vestibular da universidade.
Descoberta do golpe
O falso médico foi descoberto por uma de suas vítimas quando disse que se tornaria o responsável pelo setor de cardiologia de uma rede de hospitais grandes da capital paulista.
Mas quando é feita uma pesquisa rápida na internet, o nome dele não aparece no quadro de funcionários do hospital.
“A primeira vez que eu fiz uma pesquisa muito simples e já vi que o nome dele não baita. A gente encontrou um CNPJ de uma lanchonete que não tinha nada a ver com medicina, não encontramos nenhum material acadêmico de onde ele estudava. Ele disse que tinha estudado na USP e tudo mais. Pesquisei todas as listas da USP desde 2010 até 2023 e não encontrei o nome dele”, contou a mulher que descobriu o golpe.
“A carteirinha que ele usava ficava junto com o estetoscópio no retrovisor da frente do meu carro. Eu entrei no carro e fui bater uma foto pra pesquisar depois a fundo, sem ninguém notar. Quando bati o olho na carteirinha já vi que era uma carteirinha falsa”, completou.
Família do falsário
Antes mesmo do registro da ocorrência na Polícia Civil, os familiares do Anderson já estavam sendo procurados por vítimas que cobravam valores “emprestados” ao falso médico. Um parente afirma que Anderson sequer concluiu o segundo ano do ensino médio.
“Até onde eu sei nunca fez faculdade, desconheço essa informação [de ele ter se formado em medicina]. Não terminou a escola, foi até o segundo ano”, detalha o familiar.
“Ele já trabalhou em algum hospital sim, mas não na área de medicina, nem enfermagem. Ele trabalhou como auxiliar de cozinha. Esse é o contato dele com hospital. Mas na área da saúde não”, continua.
O parente também contou que, antes de surgirem nas redes sociais imagens de Anderson atuando como médico e as denúncias de golpe, a família ficou um bom tempo sem notícias dele.
“A gente não sabia do paradeiro dele até essa história vir à tona. Ele sempre pegava dinheiro emprestado, pegou dinheiro com a mãe. Não ajudava com as despesas de casa. Mas até ali era um problema familiar. Ele pegou as coisas dele e sumiu. Aí começaram a aparecer vídeos dele como médico, dando dicas de saúde. Que estava entrando em hospital, atuando, se passando por um profissional de medicina. A gente meio que sabia, mas foi um baque. Não sabia da gravidade… Que ele estava com crachá, entrando em consultório, se passando real. A gente achou que era só uma mentira para impressionar o circulo de amizade. Então, foi um choque.”
O que dizem os hospitais
A TV Globo fez contato com a USP para saber sobre a formação de Anderson e, por meio de nota, a instituição explicou que não pode fornecer informações referentes a alunos ou ex-alunos.
O órgão destacou que o exercício ilegal da medicina é um caso de polícia, uma vez que a atuação do Conselho se limita a profissionais médicos registrados na autarquia. E que o Cremesp, quando identifica, por exemplo, durante fiscalização, que há profissionais se passando por médicos, ou quando o Conselho percebe tentativas de registro com apresentação de documentos falsos, como diplomas, a autarquia aciona os órgãos competentes, como o Ministério Público.
“Cabe ressaltar que o Conselho disponibiliza o Guia Médico em seu site, para que os pacientes possam checar se o profissional que o está atendendo é médico e está com registro regular no conselho”, disse.
Com relação aos hospitais, o Sírio-Libanês informou que o médico citado não faz parte do corpo clínico e nunca teve nenhum tipo de vínculo com o hospital.
O Hospital Geral do Grajaú (HGG) afirma que não há nenhum cadastro, passagem ou atividade do profissional na unidade. Também não constam registros em nenhuma outra unidade de administração própria do estado de SP.
A Prefeitura de Itaquaquecetuba, por meio da Secretaria de Saúde, informa que a unidade é gerida pelo Instituto Nacional de Tecnologia e Saúde (INTS). De acordo com o instituto, não há registro do nome citado como parte do quadro de profissionais da unidade.