domingo, 10 de novembro de 2024
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Exército: 94 militares morreram em treinamentos em 11 anos

Entre janeiro de 2013 e dezembro do ano passado, 94 pessoas morreram em treinamentos das Forças Armadas do Brasil (Exército, Marinha e Aeronáutica), segundo dados obtidos pela Folha de São…

Entre janeiro de 2013 e dezembro do ano passado, 94 pessoas morreram em treinamentos das Forças Armadas do Brasil (Exército, Marinha e Aeronáutica), segundo dados obtidos pela Folha de São Paulo.

A maioria das mortes (82) ocorreu no Exército. Segundo a instituição, “a atividade militar possui um risco inerente à sua especificidade bélica.”

O número de mortos durante treinamentos militares ultrapassa o total de óbitos de brasileiros em missões de paz desde 1956, quando militares começaram a ser enviados para participar dessas ações. De acordo com dados do portal do Ministério da Defesa, foram registrados 42 óbitos.

“Vá para o hospital do Exército, seu filho está morto.” Essa foi a frase que o professor aposentado Carlos Henrique Lima Pinto, de 54 anos, ouviu ao atender um telefonema de um militar, em sua casa, 24 horas após deixar seu filho para o treinamento em um quartel do Exército no Rio de Janeiro.

“Achei que fosse uma brincadeira de mau gosto. Fui dirigindo, com a minha esposa no carro, até o hospital. Ao chegar ao estacionamento, um sargento foi na nossa direção. Olhou para ela e disse: ‘Seu filho morreu, lamento’. Ela desmaiou”, disse Carlos Henrique, pai do soldado Gabriel Henrique dos Santos, de 18 anos.

Gabriel apresentou edema cerebral, infiltração pulmonar difusa, sangramento pulmonar bilateral, distensão de alças abdominais e febre de 43°C após ser submetido a intensa atividade física, de acordo com testemunhas. O jovem morreu no primeiro dia de treinamento, em março de 2023.

Em investigação interna, o Exército não apontou culpados. “Todos os fatos ocorridos durante o evento que causou a morte do Soldado Gabriel Henrique dos Santos Lima foram exauridos no Inquérito Policial Militar (IPM), o qual foi finalizado, é sigiloso e encontra-se com o Ministério Público Militar”, afirmou a instituição em nota.

Em resposta a um requerimento de informação realizado pelo deputado federal Tarcísio Motta (PSOL-RJ), as Forças Armadas forneceram detalhes sobre as causas das mortes ocorridas desde 2013.

No Exército, foram registrados 28 óbitos em acidentes com viaturas; 21 durante atividades físicas; 13 envolvendo armamentos; e oito em atividades de afogamento. Além disso, há registros de mortes por queda de árvore (1); choque elétrico (1); paraquedismo (1); e outras nove não especificadas.

A partir de 2020, o Exército passou a incluir no documento a graduação, idade e local do óbito do militar. Das 39 mortes ocorridas em treinamento no Exército, entre 2020 e 2023, 19 foram de soldados em serviço militar obrigatório, com idades entre 18 e 19 anos.

A morte de Gabriel está nessa categoria e foi descrita como um “distúrbio térmico”. Segundo o sistema Alerta Rio da prefeitura, a temperatura máxima registrada no dia do seu treinamento foi de 41,3°C.

“Testemunhas afirmam que meu filho foi obrigado a fazer atividade física com casaco, estava um calor insuportável naquele dia. Ele entrou bem, passou na avaliação física, não tinha doenças. Era doador de órgãos, mas 24 horas depois seus órgãos estavam totalmente cozidos. Não teve como fazer nenhuma doação”, afirmou o pai do jovem.

No relatório militar, o tenente-médico Luis Gustavo Dantas Pagliarini disse que o soldado apresentava um quadro de cansaço, pressão arterial elevada e temperatura corporal dentro da normalidade. No entanto, a ficha médica indicava que Gabriel já apresentava 38,7ºC.

Segundo o médico do Exército, foi Gabriel quem solicitou retornos às atividades depois de apresentar melhora. Entretanto, um soldado que acompanhava o jovem na enfermaria relatou que o médico os xingou e ordenou que retornassem às atividades.

Gabriel alucinou e desmaiou durante uma aula de moral e cívica. Ele foi levado de ambulância ao Hospital Central do Exército, onde morreu após sofrer uma parada cardíaca.

Para o defensor público da União, Thales Arcoverde Treiger, os números de mortes em treinamentos “impressionam na medida em que as Forças Armadas precisam pensar na manutenção e na preservação da vida das pessoas, sejam militares ou não”.

“O resultado das apurações internas (sobre o caso de Gabriel) não chega a surpreender. Em casos de violência institucional existem parâmetros para uma correta apuração que incluem a apuração por órgão distinto daquele em que os potenciais acusados atuem”, disse o defensor público, responsável por acompanhar o caso de Gabriel na Justiça.

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