A tabela do Campeonato Espanhol traz uma surpresa. O topo não é ocupado pelos gigantes Barcelona ou Real Madrid, nem pelo Atlético de Madri, a terceira força na Espanha.
Está lá o mediano Sevilla, respeitado por suas recentes conquistas no âmbito europeu (três vezes campeão da Liga Europa, de 2014 a 2016), porém dono de um único título no campeonato nacional, há mais de 70 anos, no longínquo 1946.
Em um Espanhol que se mostra disputadíssimo passadas oito rodadas (de um total de 38), o Sevilla soma 16 pontos (cinco vitórias, um empate, duas derrotas). Logo atrás aparecem Barcelona e Atlético de Madrid (15 pontos), Real Madrid, Espanyol e Alavés (14 pontos).
Um único brasileiro faz parte do elenco do Sevilla: o lateral esquerdo Guilherme Arana, de 21 anos, ex-Corinthians.
Ele se transferiu no começo deste ano para a equipe da Andaluzia. Amargou um semestre quase todo na reserva, e só agora vem tendo oportunidades como titular.
Começou jogando as três mais recentes partidas no Espanhol, incluindo a vitória por 3 a 0 sobre o Real Madrid, e seis dos sete jogos da Liga Europa (o segundo interclubes em importância no velho continente).
Arana tem a expectativa de atuar neste sábado (20), em Barcelona, quando o Sevilla defenderá a condição de líder diante de Messi, Suárez, Philippe Coutinho e companhia. O jogo começa às 15h45 no horário de Brasília.
Campeão brasileiro com o Corinthians em 2015 e em 2017, ele relata que teve dois problemas na chegada à Europa que atrapalharam sua disputa por posição com Sergio Escudero, um dos líderes da equipe.
O primeiro foi ter se apresentado três quilos acima do peso ideal. “Aqui você tem que estar muito bem fisicamente para jogar.”
O segundo, a velocidade empreendida no futebol local. “Quando está dentro de campo jogando, você vê que é diferente, é muito rápido.”
Arana concedeu entrevista nesta quinta (18), por telefone, à reportagem.
Falou, entre outros temas, sobre os cuidados que teve na pré-temporada (considera estar em grande forma), sua atuação como ala (mais avançado, do jeito que prefere jogar), as chances que considera ter na seleção brasileira (nunca foi convocado para a equipe principal), seu desinteresse pela política no Brasil (durante uma polarizada eleição presidencial).
E ainda relembrou, bem-humorado, do caso ocorrido em setembro de 2017, no qual postou em rede social um vídeo no qual aparecia em um ato sexual.
PERGUNTA – Você se considera adaptado à Espanha? Houve dificuldades na adaptação?
GUILHERME ARANA – No começo foi mais difícil. Eu vinha de férias [no começo de 2018], e o futebol espanhol é muito rápido. Quando você está dentro de campo jogando, você vê que é diferente, é muito rápido. E eu tive essa dificuldade no começo, mais ou menos uns três a quatro meses. Agora que eu comecei a temporada [de 2018/2019] junto com o grupo, que me acolheu muito bem, já me sinto totalmente adaptado.
P – Você vive com quem em Sevilha?
GA – Estou com minha família: meu pai, minha mãe e meu irmão. Quando tem um tempinho vem avó, vem madrinha, vêm meus tios, vêm meus amigos também, e assim a gente vai levando.
P – Como é a vida na Espanha? Sente saudade do Brasil?
GA – Aqui o clima é muito bom, muito parecido com o do Brasil. Quando tem calor, é muito calor, chega a 45ºC, e no frio não faz muito frio. Eu sinto saudade mais da minha família que ficou aí, dos meus amigos.
P – Tem acompanhado os jogos do Corinthians?
GA – Acompanho quando joga às 16h, às 17h, pois aqui são cinco horas a mais. O jogo de ontem [a final da Copa do Brasil entre Corinthians e Cruzeiro, na quarta-feira, 17, à noite no horário brasileiro], eu gravei e vi depois.
P – Em relação ao seu espaço na equipe, você passou o primeiro semestre quase todo na reserva. Por que não conseguiu jogar? E o que mudou para estar jogando agora, começando várias partidas?
GA – Teve a adaptação, e eu não estava bem fisicamente. Aqui você tem que estar muito bem fisicamente para jogar. Como falei, é um futebol muito rápido, e se você não estiver em forma não vai conseguir acompanhar. Comecei do zero, junto com a equipe, a pré-temporada, e estou na minha melhor forma. Meus companheiros também me ajudaram muito para que eu me sentisse à vontade no vestiário e dentro de campo, e hoje eu estou à vontade, estou em casa.
P – O que aconteceu em relação à parte física? Houve um descuido?
GA – Eu vim de férias para cá, e para entrar no ritmo em que eles estavam eu senti um pouco de dificuldade. É um treinamento mais longo, [o jogo] é mais rápido. Cheguei das férias um pouco fora do peso, com três quilos a mais. Eu sabia que tinha que voltar [em julho] melhor do que quando cheguei, senão não ia ter meu espaço nem oportunidades. E nas minhas férias [de meio de ano] eu em certo momento comecei a trabalhar, a treinar forte, para chegar na minha melhor forma física aqui, para ter oportunidades e jogar. No Corinthians eu jogava todos os jogos, perdia dois quilos, dois quilos e meio por jogo, então eu podia comer [sem restrições]. E aqui eu não estava jogando, comia e não conseguia perder esse peso. E o brasileiro gosta daquele arroz, do feijão, então foi um pouco complicado no começo.
P – A troca de treinador (saiu Vincenzo Montella, entrou Pablo Machín) influenciou para que você tivesse mais espaço no time? Também houve uma lesão séria do Escudero, titular da posição.
GA – Ele teve infelizmente uma lesão no braço [no fim de agosto], mas já está voltando, treinando, é um grande amigo meu dentro do grupo. Sobre a mudança de treinador, ele gosta de jogar com três zagueiros e os laterais mais avançados. E eu me sinto muito bem nessa formação, pois uma das minhas características é o ataque. Mas a parte fundamental foi chegar em uma forma melhor.
P – Há problemas na comunicação com o técnico e com os companheiros, por causa do idioma?
GA – Eles falam muito rápido, é difícil entender. Já falo algumas coisas, estou fazendo aulas [de espanhol] para aprender mais rápido. Quando eles falam devagar dá para entender perfeitamente. No começo foi complicado. Agora, assistindo a filmes, a séries, lendo, você vai pegando as palavras, vai também escutando dentro do vestiário, conseguindo entender e falar também.
P – De quem você é mais próximo no time? Há alguém com quem conversa mais?
GA – O Ganso [meia, ex-Santos e ex-São Paulo] me ajudou bastante, na comunicação principalmente. Mas ele optou por sair, achou que era o melhor para ele [hoje está no Amiens, da França]. Todos sabemos que é um craque. Como jogador e como pessoa é sensacional. No vestiário eu converso bastante com os franceses [Ben Yedder, Gonalons, Amadou e Gnagnon] e com os portugueses [Daniel Carriço e André Silva], mas todos se dão muito bem. Tanto os espanhóis como os argentinos o grupo é muito bom. Estou muito feliz.
P – A liderança do Sevilla no Espanhol é uma surpresa? A quais fatores você atribui essa boa campanha?
GA – Eu costumo dizer que o time trabalha bastante, e é normal você trabalhar e ter grandes resultados. Quando você entra em campo, tem que ter total concentração, pois do outro lado há grandes jogadores e grandes equipes, como Barcelona, Real Madrid, tem o Celta de Vigo também. O Campeonato Espanhol é muito concorrido. Mas a palavra mesmo é trabalho.
P – Quais são os grandes jogadores do Sevilla no momento?
GA – Tem o Éver Banega, argentino. Tem o Jesús Navas [espanhol, capitão do time], o Franco Vázquez [argentino], tem muitos jogadores de alta qualidade que eu não conhecia.
P – Na cidade de Sevilha fala-se na possibilidade de título? Só uma vez o Sevilla ganhou o Espanhol, e isso foi em 1946, há mais de 70 anos.
GA – É cedo, ninguém fala. Desde quando eu jogava no Corinthians, falávamos em ir de pouco em pouco, dar um passo por vez, jogar cada jogo e não pensar lá na frente, mas no agora. Temos que ter a cabeça no lugar e dar o melhor possível nos jogos para conquistar vitórias e somar pontos.
P – Neste sábado (20), há um jogo muito importante, contra o Barcelona, atual campeão. Qual a sua expectativa para enfrentar Messi e companhia?
GA – Eu fico ansioso, claro. Você vê o Messi, o melhor jogador do mundo do seu lado, é uma satisfação imensa. Eu estou muito ansioso, às vezes vou dormir e fico pensando. Estou trabalhando forte para fazer um grande jogo.
P – O Sevilla tem jogado em um esquema no qual você atua mais como ala que como lateral. Isso lhe agrada?
GA – É diferente do Corinthians, que jogava com dois zagueiros. Aqui se joga com três. A função do lateral, a primeira, é ter que marcar, e venho me aperfeiçoando nisso. Eu me destaquei no Brasil com minhas jogadas ofensivas, e no estilo de jogo daqui prevalece mais a parte ofensiva. Você tem mais chegada na linha de fundo, mais presença de área. Às vezes estou atacando de um lado e o lateral direito está na área também. É importante a gente estar mais perto do gol adversário. A maior dificuldade são as bolas perdidas. Quando perdemos a bola, pressionamos para rapidamente ter a posse de novo.
P – Acha que o Sevilla pode ser um trampolim para que você chegue a uma equipe maior na Europa?
GA – Eu sempre procuro o agora. Eu tenho que fazer um grande trabalho no Sevilla, e as coisas acontecerão naturalmente. O Sevilla tem essa marca, já passaram grandes brasileiros por aqui, como Adriano, Daniel Alves, Luis Fabiano. Eu costumo dizer nas entrevistas, e para meus amigos e minha família, que só penso em fazer um grande papel, e as coisas que acontecerem daqui para a frente serão uma recompensa ao meu trabalho. O futuro a Deus pertence.
P – Em qual clube você gostaria de atuar?
GA – Quando estava no Corinthians, dei a declaração de que eu sempre tive o sonho de jogar no Real Madrid ou no Barcelona. Quem sabe no futuro realizarei meu sonho de vestir uma dessas camisas.
P – Você acha que tem chance de jogar na seleção brasileira? Há muita concorrência na posição (Marcelo, Filipe Luís, Alex Sandro).
GA – As coisas vão acontecer naturalmente. Eu venho jogando, tendo as oportunidades no meu clube, o time está bem, e na melhor hora vai aparecer a oportunidade. A concorrência é muito grande, mas eu tenho um sonho, sim, desde criança. Todo moleque brasileiro tem esse sonho de ser jogador de futebol e vestir a camisa da seleção. Tenho que ter calma, estou trabalhando e me esforçando, na hora certa vai aparecer a oportunidade. E, na hora que aparecer, aproveitar e criar uma dúvida na cabeça do professor Tite [treinador do Brasil].
P – O Tite fez contato com você alguma vez?
GA – Não, nunca conversou, não.
P – Você tem acompanhado a situação política no Brasil? Vai votar no dia 28?
GA – Eu não tenho muita paciência para ver horário político, essas coisas. Acompanho vendo minha mãe e meu pai conversarem. Eu não votei no primeiro turno e creio que também não vou votar no segundo. Essa parte política eu deixo para minha mãe, para meu pai e para minha família no Brasil.
P – Você tem sido assíduo nas redes sociais? Há pouco mais de um ano você fez uma postagem que causou alvoroço. Lembra-se disso?
GA – Sim, ainda posto. Sobre aquele episódio, não dá para esquecer. Quando eu cheguei aqui, o Ganso falou para os companheiros do Sevilla, e os caras começaram a dar risada, até porque ainda tem o vídeo, se você puxar na internet ainda aparece. Agora eu levo numa boa, eu dou risada, mas na época foi complicado. Em questão de postagem, eu posto algumas coisas do meu dia, as músicas de que eu gosto, e assim eu vou levando nas redes sociais. Só não posso postar [aquilo] de novo, não posso repetir [risos] Agora eu aprendi.