Incomodados com a pressão política e hostilizados dentro da própria igreja, evangélicos que não apoiam o presidente Jair Bolsonaro (PL) têm deixado de frequentar os templos. O fenômeno ganhou impulso após a eleição de Bolsonaro, em 2018, e alcançou ainda mais força agora, na campanha para o segundo turno.
Eles dizem ter visto o púlpito ser usado para pedir votos ou para condenar opções políticas alinhadas com a esquerda. Quando se posicionam, acabam rejeitados ou são afastados de tarefas nos templos.
“O pastor começou o culto normalmente, falando de como criar filho, com amor, cuidado e respeito. Depois falou: não deixa seu filho fazer o L (sinal de apoio a Luiz Inácio Lula da Silva) em casa, não”, conta a professora Joana (nome fictício), que frequentava uma igreja pentecostal no Rio.
“Não voltei. Enquanto não acabar a eleição, não vou”, diz ela, de 43 anos. O desconforto começou ainda na pandemia, quando chegou a ouvir que máscaras e vacinas não funcionavam e que “a garantia era Deus”.
Depois, com a proximidade das eleições, ela e o marido viram a pregação política tomar conta do púlpito — em geral, ocorre no início ou no fim do culto e principalmente quando a cerimônia não é transmitida pela internet, segundo conta.
Na reta final das eleições, Bolsonaro tem buscado ainda mais apoio entre os evangélicos, onde já leva vantagem. O presidente tem visitado igrejas evangélicas às vésperas do segundo turno.
Já o oponente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenta acenar para o setor: na semana passada, divulgou uma carta aos evangélicos com posicionamento contrário ao aborto e favorável à liberdade religiosa.
Segundo fiéis ouvidos pelo UOL, a “senha” na igreja para tentar convencer os eleitores é dizer que, em uma eventual vitória de Lula, os templos poderão ser fechados. Declarações sobre aborto também fazem parte da pregação.
“A gente não consegue ir a uma igreja em que não falem de política no fim do culto, em que não demonizem a esquerda”, diz a professora, que faz uma peregrinação de templo em templo em busca de algum lugar com neutralidade política.
Para ela, há idolatria a Bolsonaro, “como se ele fosse um Deus”.
E quem pensa o contrário acaba sendo escanteado. “Eles vão te colocando de lado, te tirando de cargos e funções”, diz ela. “Você não é bem vindo se não votar em Bolsonaro.”
O auxiliar administrativo Matheus Rocha, 23, de Iporã, no interior do Paraná, também sentiu o mesmo gelo na igreja pentecostal que frequentava.
“Em um domingo, o pastor falou que deveríamos votar em Bolsonaro para não sermos impedidos de pregar amanhã”, diz ele.
“Nesse dia, não fui ao culto e repostei (nas redes sociais), por acaso, uma publicação de um pastor e teólogo que acompanho e que não apoia o presidente. Quando os membros da igreja viram, acharam que eu estava afrontando meu pastor”, contou.
Rocha passou a ser confrontado pela igreja. Primeiramente, foi um parente do pastor. Depois, aos poucos, outros membros passaram a tratá-lo diferente, com frieza.
“O pessoal começou a não me cumprimentar com a paz do Senhor. Viraram a cara mesmo. A panelinha fechou e eu e minha esposa ficamos jogados para escanteio. Essa situação ficou insustentável ao ponto de eu não conseguir mais frequentar as reuniões.”
O pastor até procurou Rocha para uma conversa depois do primeiro turno, mas o tom não foi agradável, segundo ele.
“Ele falava que eu sofri uma lavagem cerebral. Queria mudar minha cabeça, como se eu tivesse de me arrepender da minha escolha política e disse que eu estava indo na contramão de toda a igreja”, contou.
Ao final do papo, Rocha foi desligado como membro da comunidade.
Os relatos são semelhantes aos de evangélicos de outras denominações e em várias cidades do país. Parte deles prefere não se identificar por medo de retaliações.
A auxiliar de escritório Gilda (nome fictício), de 39 anos, diz que desde criança frequentava uma igreja evangélica no bairro onde mora, em Belo Horizonte. Há um ano, o templo foi fechado depois que o pastor se opôs à presença de um candidato a deputado.
Ela até tentou frequentar outra igreja, mas não conseguiu porque o templo batista próximo de onde mora passou a ser dominado por pregação política. A mãe, evangélica fervorosa há décadas, também não tem ido à igreja por causa do alinhamento político.
“Se você é da esquerda, não vale nada”, diz ela. Gilda tem posicionamentos alinhados com os da igreja em alguns pontos, como ser contrária ao aborto, mas não defende Bolsonaro. “Falam que você não é crente.”
A faturista Mariana (nome fictício), de 32 anos, também foi tachada de “não crente” por amigos de uma igreja da qual se afastou quando publicou nas redes sociais uma mensagem de apoio a Lula nas eleições.
Amigos evangélicos de longa data e até o pastor deixaram de segui-la. O caso é relatado sob lágrimas — para evangélicos, estar em contato com outras pessoas dentro da igreja faz parte da fé.
“A gente sente a presença de Deus em todo lugar, mas é diferente quando está na igreja, com pessoas que ama”, diz ela, que frequenta o templo desde criança. “Sinto falta.”
De templo em templo
Fiéis que deixaram suas igrejas por pressão política buscam templos em que a política partidária não entre na pregação.
O pastor Valdinei Ferreira, da primeira igreja presbiteriana independente de São Paulo, diz receber evangélicos que não se sentem mais acolhidos. Uma delas chegou a fazer uma manifestação por escrito contra o templo que frequentava anteriormente.
Ele afirma não tolerar campanha para nenhum candidato dentro do templo — por isso, a igreja atrai fiéis incomodados em outras denominações — mas também diz sofrer pressão.
“Recebi um telefonema de assessor dizendo que o candidato (a deputado) iria à igreja, se eu poderia chamá-lo à frente para fazer uma oração”, conta Ferreira. A reza seria para que fosse bem sucedido na campanha. Ele negou.
À espera do segundo turno
Enquanto alguns buscam outros templos, há evangélicos que pararam de frequentar qualquer igreja e esperam ser possível retomar o contato depois do segundo turno das eleições.
Demax Silva Sarmento, 42, por exemplo, não encontrou em Belém, onde mora com a família, uma comunidade que não replicasse o discurso político e moral que o incomodou.
O estopim para que deixasse a igreja batista foi algo chamado de “clamor pela nação” — que, na avaliação dele, soava como um clamor em prol de Bolsonaro.
“Era um discurso de medo, comunismo, fechamento de igrejas, aborto e esses temas. Eu me senti coagido dentro da minha própria comunidade.”
Por enquanto, ele pensa em voltar à igreja depois do fim das eleições e diz que não tem medo de sofrer algum tipo de represália. “Se ocorrer, com toda certeza sairei da comunidade.”