As palavras exercem enorme influência psicológica e emocional sobre as pessoas em geral.
Sejam escritas ou faladas, elas são o centro da comunicação e, por isso, precisam ser bem escolhidas, como exemplificou o poeta João Cabral de Melo Neto em seu poema Catar Feijão, onde ele compara o ato de escolher feijão ao de escrever: “Catar feijão se limita com escrever:/joga-se os grãos na água do alguidar/e as palavras na da folha de papel;/e depois, joga-se fora o que boiar”. E na segunda estrofe: “Ora, nesse catar feijão, entra um risco:/o de entre os grãos pesados entre/um grão qualquer, pedra ou indigesto,/um grão imastigável, de quebrar dente”.
Como adverte o poeta, a palavra, dependendo do contexto em que é utilizada, pode ser indigesta. E, talvez, por isso, usemos em certas ocasiões o recurso linguístico chamado eufemismo, que é a substituição de uma palavra ou expressão considerada desagradável, pesada, violenta ou chocante, por outra mais suave, com a finalidade de amenizar seu significado.
Esse recurso é útil em várias situações. Por exemplo, quando sua esposa ou namorada está experimentando roupas para sair e, em uma das quase infinitas trocas, chega para você e pergunta se o conjunto escolhido está bom. Você dá uma olhada de baixo para cima e responde que acha que não está muito adequado para a ocasião e para o clima apontado pela previsão do tempo. A descrição substitui a expressão “tá feio” que, obviamente, iria “causar enormes transtornos a você”, expressão também eufemística para iria “fazer você apanhar” ou “proporcionar a você uma noite de sono no sofá”.
O eufemismo também é constantemente usado na publicidade, como no caso do produto Activia, que promete a melhoria do funcionamento intestinal, evitando palavras que poderiam soar desagradável às consumidoras. No campo sexual o recuso é utilizado desde cedo, quando denominam florzinha e torneirinha os órgão sexuais das crianças. Na fase adulta são incontáveis as substituições de expressões:
“vou terceirizar a vida sexual” por “vou arrumar uma amante”, “Vamos ver um filme lá em casa?” ou “Quer ir para um lugar mais tranquilo?” por “Vamos transar?”. E tantas outras que confirmam, com mau gosto ou sem ele, a enorme criatividade do brasileiro, como: afogar o ganso, polir o pistão, brigar com o careca, renderizar a paisagem, aprisionar o meliante, cavalgar no Scadufax, levar os hobbits para Isengard, atravessar a floresta negra, abrigar-se em Valfenda, profanar o templo da perdição e escravizar o Chewbacca, só para ficar no campo machista dos significantes.
No humor, o eufemismo é o principal combustível. Como empregado em uma tirinha, que não identifiquei o autor, na qual a mulher chega para o marido e diz: “Amor, estava dirigindo seu carro quando, contra a minha vontade, a lataria de seu carro ganhou um formato único, diferente e personalizado”. Ao que ele replica: “Fala logo que você bateu meu carro.”
Na área da política, no atual contexto do nosso país, e, especialmente, nesta época de eleição, quando os políticos estão a catar eleitores, o recuso do eufemismo é largamente utilizado como estratégia argumentativa de convencimento.
Portanto, fiquemos atentos para decifrarmos as frases enunciadas e, sobretudo, para diferenciarmos os fatos em oposição às “biografias orais não autorizadas”, que, segundo o chargista Ivan Cabral, é o nome bonito das famosas “fofocas”, pois, pior do que tentar substituir expressões é querer trocar a verdade pela mentira.
O recurso do eufemismo vai além. No entanto, isso é assunto para outro texto.
Sérgio Piva
s.piva@hotmail.com