À beira-mar, Rogério Ceni encontrou tranquilidade após passagem abrupta pelo São Paulo.
Por diversas noites de pouco sono, o treinador desenhou treinos, esboçou maneiras de jogar e moldou o Fortaleza campeão com autoridade da Série B do Campeonato Brasileiro. O título elevou o patamar do ex-goleiro, que ainda não definiu o seu destino em 2019.
Com proposta para renovar por mais dois anos, o técnico avalia os riscos de permanecer. O último ato pelo clube pode ser nesta sexta-feira, às 19h15, contra o Coritiba. Em entrevista para a reportagem, o técnico abriu o jogo sobre o ano que, segundo ele, foi genial.
Você fica no Fortaleza?
Temos uma reunião nesta sexta (hoje) para ver quais as expectativas do clube, o orçamento, o que podemos pensar sobre time. Quero ouvir do presidente o que é sucesso para ele… Ser campeão é difícil. Na Série B já foi surpreendente para muita gente. Na Série A, são muitas equipes com um poder de investimento grande e fica complicado fazer um campeonato tão bom. Não sou acomodado, gosto de trabalhar, correr riscos, desde que sejam relativamente calculados. Eu sabia que era possível entregar o que eles me pediram neste ano. Ano que vem, dependendo do que eles me peçam, vou avaliar se é possível. Se não der, não vou jogar fora todo um ano genial. Mas gosto daqui, da liberdade que tenho para trabalhar, para desenvolver os meus exercícios, das coisas que tenho como conceito de futebol. Acredito que no início da próxima semana já teremos uma definição.
O que te faria ficar?
Ter condições melhores de trabalho, profissionalizar cada vez mais. Ter gramados melhores para se trabalhar. Atletas cada vez mais capacitados para se unirem aos sete, oito que temos com contrato (para 2019). Teremos de remontar um time do zero. É um processo longo, olhar vídeos, de cada 20 jogadores que você escolhe, consegue contratar apenas um. Além de gostar, encaixar no perfil, posição, há uma negociação, tem de esperar o empresário, o jogador, acertar salário. É um trabalho muito cansativo, são horas e horas, todos os dias. Não é um trabalho para começar em janeiro.
Mas já sabe o orçamento que terá para isso?
Um esboço. O maior problema é que você precisa adquirir o jogador e isso tem um custo. Temos de esperar o mercado se acalmar. Alguns clubes terão o retorno de 20 jogadores. É observar, fazer apostas, fechar parcerias com clubes. E principalmente ter o jogador pelo ano todo. Não adianta vir com cláusula que pode sair. Você monta um time e pode não tê-lo em um momento importante. Tem de achar o bom jogador, que não teve um bom ano, e que você observa potencial para render no futuro para ter como pagar.
Você recebeu outras ofertas?
Não tenho absolutamente nada. Não conversei com nenhum outro clube, até em respeito ao Fortaleza. Não posso pedir um tempo para decidir e ir negociar com outro clube. A prioridade hoje é acertar aqui.
Você se vê pronto para assumir qualquer equipe, já que não existe mais o jogador e sim o técnico?
Sei que você quer chegar em Palmeiras e Corinthians. A melhor resposta foi do presidente do Palmeiras (Maurício Galiotte). Ele disse que não seria produtivo. E concordo. A história é conflitante. Uma derrota bastaria para o torcedor dizer que eu sou são-paulino. É um respeito até com Palmeiras e Corinthians. Fora da capital, trabalharia em qualquer equipe. Tive um ano de aprendizado aqui, me desenvolvi muito no extracampo. No campo, eu tinha minha forma de trabalhar, que é a mesma do São Paulo. Estou preparado? Se eu ganhar, estou preparado. Se eu perder… O futebol é avaliado de trás para frente. Não é avaliado de janeiro para dezembro, do primeiro minuto até os 90. As pessoas avaliam o resultado. Estou apto para dirigir qualquer equipe.
Dá para jogar do jeito que gostar em qualquer clube?
Tenho uma concepção de futebol. Se o meu time for igual ou superior ao que vou enfrentar, jogo para vencer o tempo todo. Se o meu time for inferior, tenho de encontrar um jeito de atacar me protegendo mais. Não posso fazer um jogo franco contra um time melhor do que o meu. No Fortaleza, conseguimos fazer um jogo de agredir o tempo todo. Agora não vou agredir uma equipe que vai me pegar no contra-ataque, que é superior. Por isso, trabalho tanto para desenvolver o meu time nos treinos. Faço jogos curtos, passes, intensidade alta, para que, se não for possível na qualidade, superar o adversário fisicamente.
Os jogadores entendem tudo o que você passa?
Alguns sofrem um pouco mais e outros pegam rápido. Para isso, tem de mostrar em campo. Isso faz ele realizar nos jogos tudo automaticamente pelo exercício que você criou. Eu funciono muito à noite e de madrugada. Durmo pouco e é quando o cérebro trabalha. Então, às vezes, sento, olhando o mar, pego papel e caneta, e vou desenvolvendo um treino para o dia seguinte. E quando o treino bate com o que eu fiz, para mim, é uma realização. Quando eu era jogador tínhamos poucos treinamentos. Era finalização, coletivo, alemão, rachão… Hoje temos mais de 200 treinamentos diferentes. E isso motiva o jogador.
Qual a importância do título?
Assim como aquela Copa Conmebol em 1994 foi muito importante para o meu desenvolvimento como atleta, o título com o Fortaleza foi muito importante para o meu desenvolvimento como treinador. É apenas o meu segundo ano como técnico, o primeiro completo. O que é muito importante no Brasil. Aqui você não conta dez equipes que ficaram como o mesmo técnico no ano. Isso, por si só já é uma grande vitória na carreira, ainda mais quando culmina com o título. Foi um ano bastante especial, um ano que dá sustentação para uma nova carreira.
Você se consolidou entre os jovens treinadores?
Não existe o novo consolidado ou o velho ultrapassado. Existe cada trabalho. O que é bom hoje, amanhã pode não ser mais. É assim que funciona no futebol brasileiro. Você é avaliado pelo que produz naquele dia, naquela semana, naquele campeonato. A imprensa tem uma influência grande sobre os dirigentes e torcedores. Em um jogo posso te mostrar tudo de positivo e negativo, há direcionamentos, mas está tudo dentro do pacote. Se o dirigente acredita no trabalho, ele mantém o treinador, independentemente do resultado.
Se tirarmos o presidente, você acha que já seria o momento de voltar ao São Paulo?
Não temos como tirar o presidente. O carinho pelo São Paulo será eterno. Hoje recebo mensagem de são-paulinos dizendo que são sócios-torcedores do Fortaleza por minha causa, que compraram o pacote da Série B. O São Paulo é uma outra realidade, é impossível o retorno agora. Um dia, se eu continuar bem na minha carreira, fizer bons trabalhos, e uma outra pessoa, com outra mentalidade entrar lá, vamos, quem sabe, voltar ao São Paulo.
Mas existe o sentimento de que voltará um dia?
Não sei se volto.