Os caminhos para chegar às instalações onde vão ocorrer os Jogos Olímpicos, no Rio, têm muitos “contratempos” a oferecer para as pessoas com dificuldade de locomoção. A avaliação é da equipe do aplicativo Biomob, que indica locais acessíveis, e do Instituto Brasileiro do Direito da Pessoa com Deficiência (IBDD). O Rio sediará a Paralimpíada em setembro.
“Mas o instituto sempre achou que isso poderia acontecer, porque o Estado brasileiro não tem essa preocupação. Nossas leis de acessibilidade são excelentes, mas nunca são postas em prática”, disse a superintendente do IBDD, Teresa Amaral. “Só vai ter acessibilidade nos novos estádios, construídos dentro dos padrões internacionais. No entorno mesmo, não vai ter”.
A equipe do aplicativo Biomob fez hoje (25) uma vistoria no entorno do Estádio Olímpico João Havelange (Engenhão), que receberá as provas de atletismo. “As condições de acessibilidade interna das arenas novas e das reformadas são perfeitas. Não temos o que contestar. O que a gente tem questionado são os entornos”, explicou o criador do aplicativo, Valmir de Souza. No percurso até o estádio, os avaliadores caminharam por ruas do centro, usaram dois modais de transporte público e observaram dificuldades, mesmo quando havia estruturas pensadas para a acessibilidade.
Valmir de Souza afirmou que o centro do Rio de Janeiro é naturalmente problemático para a pessoa com dificuldade de locomoção, pelo uso das pedras portuguesas nas calçadas. “A nossa expectativa não era muito grande, porque o Rio tem algumas questões de cidades mais antigas”, afirmou. Ele lembrou que antiguidade não pode ser usada como desculpa. “Você tem acessibilidade no Coliseu de Roma e em trechos da Muralha da China. Então, você pode ter em uma cidade pulsante como o Rio de Janeiro”.
O Engenhão não foi o único local de prova que teve o entorno vistoriado pela equipe do aplicativo, que já esteve em Copacabana, na Lagoa Rodrigo de Freitas, na Barra da Tijuca e em Deodoro. O entorno imediato dos locais não apresenta entraves, mas o transporte público, sim, principalmente ônibus e trens da Supervia. No caso do Engenhão, que fica ao lado de uma estação de trem, o transporte é o principal problema.
“O ponto negativo é não ter acessibilidade em todas as plataformas. O cadeirante seria obrigado a passar por dentro do trem [se descer em outra plataforma sem elevador]. E isso vai piorando à medida que a gente vai se afastando da região central, porque vimos algumas situações que não têm elevador”, observou Souza. Ele ressaltou que o espaço entre os trens e a plataforma torna a travessia por dentro do vagão perigosa para cadeirantes. Além disso, aponta outra dificuldade: “A rampa que liga a estação até a calçada do Engenhão é muito íngreme.”
Nas vistorias, o criador do aplicativo avaliou que a acessibilidade é respeitada no metrô e no BRT, que têm estações mais novas. Já nos ônibus, há dificuldads mesmo quando o elevador de acesso está presente. Foram testemunhados complicações no equipamento e, também, desconhecimento de motoristas na hora de operá-lo. “Gera desconforto para o cadeirante e o motorista, perde-se muito tempo”, afirmou. Ele considera mais produtivo um nivelamento entre ônibus rebaixados e calçadas, para que os cadeirantes possam embarcar sozinhos.
Teresa Amaral, superintendente do Instituto Brasileiro do Direito da Pessoa com Deficiência, disse que pessoas com deficiência visual enfrentam problemas na cidade com os tipos variados de veículos que fazem o transporte público. “Têm tipos diferentes de ônibus circulando. Nunca se sabe se entra pela frente ou por trás, se desce por trás ou no meio”, diz ela, que lembra ainda há pessoas com deficiências visuais parciais e se orientam pelas cores diferentes dos ônibus. “Para o deficiente visual que não tem perda total da visão e pegava o ônibus pela cor, com a padronização, isso deixou de existir, e a pessoa não consegue mais pegar o ônibus com independência.”
Situação é melhor na Barra e pior em Deodoro
Entre os locais vistoriados pela equipe de Souza, os bairros no entorno do Complexo Esportivo de Deodoro se mostraram os mais problemáticos. “Em Deodoro, as obras nas arenas estão boas, mas o transporte público é muito ruim. As duas estações de trem ficam muito longe da arena e a pessoa tem que percorrer um longo caminho e atravessar uma via expressa com poucas passarelas”, constatou. “As calçadas lá são bem ruins. O que foi feito de novo é bom, mas se restringe à região da arena em si. Saiu da arena, a calçada está pessima”. Ele destacou que o público precisa ter a liberdade de explorar o entorno dos locais de competição, conhecer o comércio, frequentar restaurantes e passear pelos bairros.
Nessa parte da avaliação, a iniciativa privada também foi reprovada. “A questão é que a iniciativa privada ainda não enxerga a pessoa com deficiência como uma pessoa que tem demandas. Ela não é vista como um consumidor qualquer”. Segundo o criador do aplicativo, a rede hoteleira, por exemplo, tem “hotéis antigos de grande e pequeno porte que não se adequaram às regras de acessibilidade”.
Procurada pela Agência Brasil, a Supervia informou que a estação Engenho de Dentro está em reforma e serão instalados seis elevadores: cinco nas plataformas e um para a calçada externa. Sobre a distância entre os trens e as plataformas, a concessionária explicou que a frota é composta por 17 tipos de trens diferentes.
“Com o processo de renovação da frota em andamento, a previsão é que até o fim do ano estejam em circulação sete modelos tecnicamente similares, cuja altura e largura estarão adequadas às plataformas que estão sendo remodeladas”, diz a nota.
A Prefeitura do Rio e a Rio Ônibus não se pronunciaram até a publicação desta reportagem.