Naquele quarteirão havia poucas casas edificadas e apenas uma habitada, de cor marrom, posicionada à direita de um ponto de ônibus, para quem olha de frente, cuja parede frontal lembrava cristais de quartzo, quase tão brilhantes quanto os olhos de um sujeito bem vestido que estava posicionado, como um guarda real britânico, ao lado do pilarete de concreto pintado em azul com letras brancas, escritas na vertical, formando a palavra circular.
Era Dauter, à espera do ônibus circular que o levaria até a rodoviária e, de lá, para seu destino final, a casa de Nadesda, garota a quem pediria em namoro pessoalmente, quase à moda, depois dos longos meses de encontros pela internet.
Só não foi mais britânico porque chegou vinte minutos antes do horário previsto para a passagem da circular pelo ponto no qual matinha vigília solitário. No local, somente ele e os pensamentos que viajavam de avião.
Agora, só faltavam cinco minutos para a chegada da circular. Mais trinta olhadas no relógio e, então, faltavam quatro minutos. Maldita lei da relatividade, sussurrou no ouvido dele o pensamento a jato.
Duzentas e noventa e cinco olhadas depois, já eram passados dez minutos do horário. A circular estava atrasada. Desde que começara a pegar o ônibus naquele ponto, logo que mudou para o bairro novo, nunca tinha acorrido um atraso no ônibus que ultrapassasse os cinco minutos.
Talvez fosse o destino dizendo para não viajar, aconselhando-o a não tomar a atitude que estava prestes a concretizar, impelido pela energia inerente às entranhas dos apaixonados.
Poderia ter acontecido coisa pior. A circular poderia ter-se acidentado e ele ter sido livrado da morte ou de defeito físico irreversível causado pelo desastre. O destino fora complacente com ele, teria lhe dado uma nova chance.
Mas qual seria o pagamento por ter sido sorteado na roleta da fortuna? Seria retornar a sua casa e continuar falando com a amada apenas pelo computador? Repensar sobre a decisão que parecia certa em sua cabeça? Adiar o encontro? Cancelar definitivamente a intenção?
A dúvida neste momento tomava conta de todo o seu ser. Dauter, Dauter,
Dauter, pense no que vai fazer, falava ele para si, ao mesmo em que se repreendia, como fosse possível olhar para dentro dos próprios olhos e ver a angústia sombrear a luz que há pouco iluminava sua alma e reluzia em seus olhos.
Mesmo tendo se livrado de uma fatalidade, parecia injusto que tivesse sua felicidade adiada ou até mesmo anulada, pois agora não era possível saber o que o destino de fato reservava para a vida dele.
Autoquestionava-se sobre quais motivos teria dado para que a vida o punisse dessa maneira.
No meio do turbilhão de pensamentos, buscando a causa do seu infortúnio, Dauter não havia percebido que o ônibus circular tinha contornado a esquina e estava a poucos metros dele.
Somente voltou a si quando o veículo freou e o estampido de ar da abertura da porta automática, que abriu a sua frente, causou-lhe um susto tamanho, que quase o fez quase saltar para trás, como naqueles pulos quando se depara com um monstro nos pesadelos.
Ainda atônito, sem conseguir sair do lugar, ouviu o motorista perguntar se não ia subir. Olhou em direção à porta e perguntou sobre o motivo do atraso. O motorista esclareceu que havia furado um pneu e o ônibus precisou ser substituído às pressas.
“Nadesda, por que estás tão longe?” Indagou em voz alta. “Como é que é? Vai subir ou não vai?” Perguntou o motorista. “Não”. Respondeu apenas isso e virou-se em direção ao caminho de casa.
Enquanto olhava fixamente para o trajeto a ser percorrido, um último pensamento o alcançou: nunca até o dia de hoje tinha presenciado um atraso, muito menos ouvido falar de um pneu furado de uma circular. Alguma mensagem havia nisso. Dauter, Dauter, Dauter, murmurou mais uma vez o pensamento em seu ouvido.
A mente não desmente somente, frequentemente, desmedidamente, curiosamente, estrategicamente, e enganosamente, quase sempre mente.