Ir ao cinema no meio da tarde, passear com o cachorro sem hora para voltar, fazer exercícios com calma ou simplesmente curtir o ócio. Que tal fazer tudo isso em plena segunda-feira, em dia que seria normal de trabalho? Pois essa é a realidade de funcionários da Shoot, uma agência de comunicação gaúcha, que implantou a semana de quatro dias, com expediente de seis horas diárias.
A medida —trabalhar quatro dias na semana e folgar três, sem ter qualquer desconto no holerite— foi implantada pela empresa em janeiro. A equipe de 11 funcionários foi dividida em dois grupos: um (de quatro pessoas) trabalha de segunda a quinta; e outro (de sete pessoas), de terça a sexta-feira. A carga horária passou de 8 para 6 horas por dia, e a empresa não controla a entrada e a saída do funcionário.
Artur Scartazzini, CEO da Shoot, diz que todos os funcionários têm carteira assinada, mas não tiveram nenhum benefício cortado com a nova carga horária semanal. Segundo ele, os salários são compatíveis com o mercado —variam de R$ 2.000 a R$ 7.000 a depender do cargo.
“Todos estamos felizes por ter um dia a mais de folga na semana. Não foi apenas reduzir a carga horária. A medida é viável porque conseguimos saber exatamente quantas horas trabalhadas são necessárias, de fato”, declarou.
Ele disse que a produtividade e o lucro da agência não foram afetados com a nova medida. “Afinal, o que importa são as horas efetivamente trabalhadas para chegar a um resultado, não a carga horária que consta da carteira de trabalho de cada um”, explicou. Em 2021, o faturamento da Shoot foi de R$ 1,2 milhão, com lucro de 18%.
Segundo ele, a agência tem feito pesquisa para “medir” a satisfação de cada funcionário com sua vida pessoal e profissional.
De “confusão mental” a dia de ócio
Da equipe de criação, Marcos Oliveira, 31, folga às segundas-feiras. “No primeiro momento, deu certa confusão mental, sabendo que eu não precisaria sentar na frente do computador para trabalhar. Mas esse dia útil a mais representa uma oportunidade de conseguir respirar na rotina do dia a dia”, afirmou ele, que está na empresa desde 2015.
Oliveira diz que conseguiu passar algumas tarefas que fazia aos sábados (cursos, consultas) para a segunda, liberando mais tempo no final de semana para atividades mais relaxantes, como passear com o seu cachorro Sirius no parque, em Porto Alegre.
“Mas é importante você não cair na tentação de encher a agenda na sua folga. Esse dia te dá a possibilidade do ócio também”, declarou.
Forma saudável de ocupar o tempo
Trabalhando na Shoot há um ano, Nicole Mengue, 25, folga às sextas-feiras. Ela é gestora de projetos júnior e mora em Porto Alegre. “Mas é tudo recente. Está sendo uma adaptação, pois, querendo ou não, muda a rotina da gente”, afirmou.
Nessa adaptação, Nicole diz que já conseguiu “fazer as coisas com mais calma”, como praticar exercícios físicos sem a correria de ter tarefas para cumprir em seguida.
Ela também passou algumas tarefas (como fazer supermercado) para a sexta-feira, deixando o seu final de semana mais livre, e vai trocar o horário da psicóloga para o mesmo dia. “O importante é encontrar esse equilíbrio, uma forma saudável de ocupar o tempo com outras coisas, mas sem pressão de ter que fazer”, declarou.
Passear com o cachorro sem hora para voltar
“Acordar cedo, produzir, estudar, trabalhar, estar em movimento e, de repente, tenho a segunda livre! E ainda sem culpa. É um desafio para cabeça de entender que está tudo bem”, falou a redatora sênior Manuella Stangherlin Graff, 30, que está na Shoot há cinco anos. Ela é do grupo que trabalha de terça a sexta-feira.
Para Manuella, que mora em Porto Alegre, ter um dia a mais de folga na semana é um “alívio para a rotina”.
“Abre-se um portal de possibilidades, e eu posso focar em coisas pessoais, como arrumar a casa, visitar uma amiga, ir ao cinema às duas da tarde e passear com meu cachorro Pastel sem hora para voltar. Ou mesmo de não fazer nada. É um privilégio maravilhoso”, declarou.
Projeto-piloto: empresa fechava uma sexta por mês
A semana de quatro dias não é novidade na empresa. De setembro a dezembro do ano passado, a equipe da Shoot testou um projeto-piloto: folga para todos na última sexta-feira do mês.
“O resultado foi ótimo. Mas decidimos aperfeiçoá-lo, passando para esse modelo de um grupo de segunda a quinta, e outro de terça a sexta. Esse modelo faz mais sentido, porque a agência continua funcionando a semana toda”, disse Scartazzini, que faz parte do primeiro grupo.
A decisão foi tomada durante um encontro de imersão da startup, realizada em janeiro na Praia da Ferrugem, em Garopaba (SC).
“Já vínhamos conversando sobre essa nova medida desde julho do ano passado. Lemos e estudamos muito sobre produtividade nas empresas e o impacto disso no trabalho”, disse ao UOL.
Ele explica que a definição dos grupos se baseou na função de cada funcionário. Trabalham de segunda a quinta os profissionais ligados à gestão de projetos e ao relacionamento com clientes. Já aqueles com cargos mais dedicados à criação atuam de terça a sexta-feira.
Mas há flexibilidade: se algum funcionário precisar folgar no dia do grupo que não seja o seu, isso é totalmente permitido, segundo Scartazzini.
Home office desde 2018
Criada em 2010 em Porto Alegre (RS), a Shoot adotou o modelo remoto em 2018. Ou seja, dois anos antes da pandemia de covid-19, que fez diversas empresas brasileiras aderirem ao home office para evitar um maior contágio da doença.
Hoje, a agência não tem mais uma sede física. Os funcionários moram em diferentes lugares do Brasil e do mundo —o próprio Scartazzini, CEO da Shoot, reside na Espanha e há também um profissional em Portugal.
A Shoot é uma agência que desenvolve campanhas para aproximar marcas de causas sociais. Entre seus clientes, estão as empresas Gerdau, Stone, Quicko e Urban Farmcy.