Ao enxergar as lacunas deixadas pela burocracia da rede pública de saúde e pelo desinteresse dos planos de saúde privados, um grupo de médicos de São Paulo descobriu como faturar com tratamentos de fertilidade oferecidos para quem não conseguia pagar por eles.
Há dez anos, um urologista e cinco ginecologistas abriram na capital paulista uma clínica voltada para famílias da classe C, com renda mensal média de R$ 4,5 mil. Batizada como Projeto Beta, a estratégia para viabilizar a ideia passou pela redução das margens de lucro e por um modelo de gestão baseado em ganhos de escala.
Agora, o negócio se consolidou e os médicos da clínica fizeram, durante o ano passado, 800 ciclos de fertilização in vitro, o equivalente a 32% dos 2,5 mil ciclos anualmente estimados pelo Sistema Único do Saúde (SUS).
“A gente identificou que a oferta desses tratamentos esbarra não só no custo, mas na sua capacidade de realização. A procura é muito grande”, afirma o médico Jonathas Borges Soares, um dos fundadores do Projeto Beta. No ano passado, o negócio faturou R$ 3,9 milhões, com lucro líquido de R$ 78 mil (2% de margem).
Demanda. Com uma fila estimada em até cinco anos no SUS, segundo dados da Sociedade Paulista de Medicina Reprodutiva (SPMR), e a não obrigatoriedade de cobertura por parte dos convênios, os casais desembolsam até R$ 30 mil por um tratamento em centros privados do ramo pelo Brasil.
No Hospital das Clínicas de São Paulo, um dos centros de referência no segmento, foram realizados 350 procedimentos em 2014, por exemplo.
“O custo é muito alto. Cada tratamento de inseminação varia entre R$ 7 mil e R$ 12 mil para o Estado”, diz Pedro Monteleono, coordenador do centro de reprodução humana do Hospital das Clínicas.
Um dos trunfos do Projeto Beta para atrair pacientes é, portanto, além da redução do tempo (todo o ciclo de fertilização demora, em media, 90 dias), também o seu sistema de pagamento. Os tratamentos iniciam-se em R$ 4,5 mil e chegam a, no máximo, R$ 8 mil, ajustados de acordo com o poder aquisitivo dos pacientes – famílias com melhor condição financeira pagam mais.
“Em 2004, nós investimos cerca de R$ 500 mil em um laboratório para tratamentos de fertilização. Um pouco depois, passamos a utilizar a capacidade ociosa desse laboratório para viabilizar o Projeto Beta. Hoje, o Beta já se paga e é mais um dos ‘clientes’ desse laboratório”, explica Soares, que, além da unidade sediada em São Paulo, tem uma rede integrada por outros nove “consultórios parceiros” pelo Estado.
Se por um lado a clínica conseguiu se provar como modelo de negócio, para o professor de empreendedorismo do Insper Marcelo Nakagawa, também consultor de negócios de impacto social na Artemísia, ainda há alguns desafios à espera de Soares e seus sócios.
O principal deles é ganhar de fato escala em um segmento comprovadamente de alta demanda. “Oitocentos ciclos de fertilização não é alto para um negócio com dez unidades e margem de lucro de 2%”, afirma Nakagawa.
Para o especialista, um caminho é buscar investidores. Nakagawa lembra um estudo recente da consultoria Bain & Company, que contabilizou em US$ 2 bilhões (R$ 6,5 bilhões) o dinheiro comprometido de fundos de capital de risco, bancos e empresas de grande porte nos empreendimentos de impacto social na América Latina. Segundo o levantamento, o Brasil divide com o México o interesse dos investidores, com pelo menos US$ 300 milhões (cerca de R$ 975 milhões).
“Existem empresas grandes, como Coca-Cola e Votorantim, que têm preferido colocar seu dinheiro em forma de investimento em empresas de impacto social do que, simplesmente, como doação para ONGs ou para a paróquia do bairro. Esse é um dinheiro que tem chances de retorno e, se esse não for o caso, é aproveitado em um balanço social futuramente”, afirma o professor do Insper.