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EMPATIA NA ALIANÇA TERAPÊUTICA: importância na clínica

A relação terapêutica, também conhecida como aliança terapêutica entre profissionais da saúde e paciente, envolve, no mínimo, duas pessoas em um ambiente profissional com um objetivo único: o tratamento terapêutico,…

A relação terapêutica, também conhecida como aliança terapêutica entre profissionais da saúde e paciente, envolve, no mínimo, duas pessoas em um ambiente profissional com um objetivo único: o tratamento terapêutico, cujos fundamentos se alicerçam na confiança e na cooperação, sem distorções, como em qualquer relacionamento bem estabelecido (Oliveira; Benetti, 2015). A relação terapêutica exerce um papel central na terapia, vindo associada a resultados gerados pelo processo terapêutico. É constituída do cuidado, proximidade e franqueza, vínculo de confiança e empatia com o paciente, pondo em prática os meios adequados para aliviar ou curar os doentes (Freitas, 2016; Martins et al., 2018).
Assim, a aliança terapêutica é importante variável no processo de mudanças no paciente, sendo afetada por fatores relacionados ao terapeuta e ao paciente (Lima; Serralta, 2017). Sua eficácia no tratamento depende de como é percebida e vivenciada pelo paciente, isto é, o sucesso da relação terapêutica depende tanto de como são estabelecidas a aliança, a solução do conflito, a integração entre os envolvidos e a reorganização dos fatores presentes na terapia, quanto das características do terapeuta e do significado da relação para o paciente (Matos, 2018).

Um componente essencial para o estabelecimento dessa relação é a empatia, que constitui um processo de vinculação, ajuda e cuidado por parte do terapeuta que desempenha o papel do cuidador e deve responder às necessidades do paciente, envolvendo-se emocional e psicologicamente e proporcionando um ambiente seguro (Martins et al., 2018). Embora seja um comportamento complexo, que engloba elementos cognitivos, afetivos e comportamentais, a empatia é a “capacidade de uma pessoa compreender de forma acurada a perspectiva e sentimentos de outra pessoa e de expressar esta compreensão de forma sensível” (Rodrigues; Silva, 2011, p. 406).

Em abordagens terapêuticas, a empatia é vista como habilidade social e se manifesta como preocupação genuína com o bem-estar do outro, essencial para a formação de vínculo entre terapeuta e paciente. Alimentada pelo autoconhecimento, a empatia é vista como “aptidão pessoal”, vem da sintonia emocional entre ambos e se desenvolve na autoconsciência emocional (Goleman, 2011). Martins et al. (2018, p. 51) percebem empatia como uma “habilidade social fundamental para nossa interação efetiva em sociedade” e manutenção dos relacionamentos, com destaque para os componentes afetivos ou cognitivos deste construto.

Um amplo número de termos integram o conceito da atitude harmoniosa do terapeuta para com seu paciente: a “simpatia, a empatia, a compaixão, a pena, a benevolência, a beneficência, a atenção, a caridade”, entre outros (Magalhães, 2019, p. 1). A empatia é vista pelo paciente como a “capacidade de o médico entender como ele se sente e pensa, assim como a forma como o médico expressa preocupação, compaixão e atenção pelo seu bem-estar, o que contribui para a satisfação do paciente” (ibidem, p. 18). Esta percepção inclui um estado emocional como importante componente do comportamento moral do terapeuta: a empatia exerce o papel principal na relação terapeuta /paciente, essencial na prática do cuidar em saúde.

Para Baptista (2012), ser empático significa sentir o mesmo que o doente, ou, ainda, aplicar uma técnica objetiva e neutral que abrange três aspectos no plano da compreensão clínica: grau de envolvimento emocional inerente a essa compreensão (a empatia implica entender o outro como pessoa), papel da subjetividade do terapeuta (conhecer-se para conhecer o outro, sem subtrair as características do terapeuta na relação empática) e envolvimento da moralidade (a boa intenção na prática em saúde: compreender o doente e torná-lo consciente dessa compreensão para traçar um plano diagnóstico/terapêutico, com informação correta e adesão).

Magalhães (2019) considera dois tipos de empatia: a empatia cognitiva e a empatia emocional. Atualmente, porém, o conceito de empatia clínica foi expandido para incluir as dimensões emotivas, morais, cognitivas e comportamentais, em uma concepção multidimensional. A conjugação dessas quatro dimensões é capaz de formular uma resposta empática confiável em favor do paciente.

Na perspectiva cognitiva, a empatia destaca a capacidade de identificar e compreender as emoções do outro, avaliar, objetivamente, a realidade ou a situação de alguém. A orientação cognitiva considera a aliança terapêutica como o cerne do processo terapêutico: a construção do vínculo terapêutico torna-se relevante à medida que aproxima terapeuta e paciente para formar base segura em favor do processo de mudança, especialmente em pacientes gravemente perturbados ou resistentes ao tratamento (Alves, 2017). A terapia cognitiva possibilita ao terapeuta reconheça e maneje a transferência para identificar esquemas disfuncionais (Oliveira; Pires; Vieira, 2009). Esse manejo consiste em fazer com que os impulsos despertados sirvam para causar a associação livre e a interpretação dos sintomas (Monção; Honda, 2019), ou seja, abrir janelas para o mundo privado do paciente e expor sintomas que, trazidos à tona, são capazes de fornecer um “rico material para o entendimento dos significados e crenças existentes por trás das reações idiossincráticas [inesperadas, estranhas, peculiares ao paciente]” (Alves, 2017, p. 59). Na associação livre, o paciente mantém um fluxo livre do pensamento, diz tudo que lhe vem à mente, com ou sem sentido aparente, e comunica ao analista tudo o que lhe ocorre, sem censura ou seleção prévia (Monção; Honda, 2019). A relação terapeuta-paciente deve ter tratamento sincero, empático, coerente, tolerante, que permita contato de confiança e respeito.

A dimensão emotiva da empatia (sensibilidade afetiva) prevê a capacidade de imaginar as emoções e perspectivas do paciente, com interesse genuíno pelo bem-estar e atenção às necessidades da outra pessoa (Martins et al., 2018; Magalhães, 2019). Na perspectiva emocional, a empatia engloba sensações do terapeuta em resposta às emoções de outrem semelhantes e partilha emoções: trata-se de vivenciar o estado emocional de outrem e apreender sua condição emocional; experimentar sentimentos de simpatia, afeto, compaixão e preocupação com o outro, o que não implica experimentar os mesmos sentimentos, mas um entendimento do que é sentido pelo outro. A empatia emotiva permite entender e compartilhar o estado emocional de outrem: é resposta emocional paralela ao estado emocional do outro (Goleman, 2011).

A dimensão moral se refere à motivação interna do terapeuta para produzir empatia. Na tomada de perspectiva pela dimensão cognitiva, o terapeuta, como ser humano, se coloca no lugar do outro, toma sua perspectiva, entra “no corpo do outro” (Almeida; Toledo, 2019, p. 321). É a capacidade de compreender sentimentos e pensamentos do outro sem, necessariamente, experimentar os mesmos sentimentos; envolve neutralidade e imparcialidade daquele que empatiza. Além isso, a empatia moral exerce forte influência na tomada de decisão, especialmente quando estão envolvidas questões ligadas ao cuidado, respeito, desenvolvimento da moralidade e julgamento moral – aprovação ou desaprovação (Almeida; Toledo, 2019).

O aspecto comportamental demonstra a compreensão do outro pela comunicação verbal ou não verbal, de forma que a pessoa perceba que, de fato, está sendo compreendida em suas emoções e perspectivas – postura essencial para que o outro se sinta acolhido, mesmo que isso se refira a uma estratégia habilidosa de consolar (Martins et al., 2018). O componente comportamental da empatia consiste em verbalizar sentimentos reconhecidos e elaborados na perspectiva da outra pessoa, para que ela melhor entenda seu estado interno: o terapeuta interage e compreende os sentimentos e perspectivas do paciente e comunica esse entendimento de forma sensível. A verbalização empática faz a outra pessoa sentir-se ajudada a explorar suas preocupações, facilitando a adesão ao tratamento.

Para o paciente, a empatia produz vários resultados positivos no ambiente clínico, destacando-se como mais prevalentes: a satisfação, a adesão, a capacitação e a confiança do paciente (Magalhães, 2019). A satisfação não se conecta, necessariamente, a melhores resultados, mas à maior probabilidade de cumprir os tratamentos e manter as marcações das consultas: acredita-se que, aumentando-se a satisfação dos pacientes, consegue-se adesão e alcançam-se, em retorno, melhores resultados, enquanto a falta de adesão talvez seja o maior obstáculo ao tratamento efetivo em pacientes com baixo grau de aceitação do tratamento. A capacitação representa o nível em que um paciente se sente fortalecido após uma consulta e como se torna capaz de lidar, compreender e gerir sua doença. A empatia facilita a confiança e transparência do paciente, permite melhor comunicação entre terapeuta e paciente e, em decorrência, maior eficácia do tratamento: o paciente tende a confiar mais em terapeutas empáticos, que trazem respostas à sua ansiedade.

Na prática psicoterápica, a empatia é habilidade essencial à atuação do psicoterapeuta, pois fortalece o vínculo terapêutico e contribui para maior adesão ao tratamento e sua continuidade. A verbalização da empatia se realiza pelo ato de o terapeuta se debruçar sobre os sentimentos e pensamentos narrados pelo paciente, validando-os e abandonando as próprias perspectivas, abrindo espaços para o paciente falar sem que seus problemas sejam menosprezados ou julgados. Na perspectiva clínica, a empatia constitui uma habilidade essencial para induzir a adesão ao tratamento e se estabelecer uma relação terapêutica positiva que favoreça o desenvolvimento da cooperação e participação nas metas estabelecidas e na resolução das queixas apresentadas pelo paciente (Beck, 2014).
No trabalho terapêutico, a função vital é gerar mudanças que levem à diminuição do sofrimento e aumento de contingências reforçadoras. Essas contingências constituem a relação entre eventos comportamentais ou ambientais, com probabilidade de um evento ser afetado a partir da ocorrência de outro – o que define a relação entre respostas e estímulos (Cunha; Borloti, 2009). Reforçar significa fortalecer o comportamento, positiva ou negativamente: em ambos os casos, o reforço aumenta a probabilidade de uma pessoa repetir o comportamento no futuro (Carvalho Neto; Mayer. 2011; Matos, 2016). Auando se emite uma resposta que é reforçada, aumenta-se a probabilidade de que esta resposta ocorra futuramente devido ao reforço (Albuquerque; Paracampo, 2017). Todo comportamento humano é modelado, direta ou indiretamente, pelas consequências, mesmo que, em determinadas ocasiões, a resposta não seja completa e partilhe apenas algumas de suas características iniciais. Na relação terapêutica, este processo ocorre por meio de “procedimentos presentes em uma relação interpessoal, como: modelagem, modelação, descrição de variáveis controladoras e consequências dos comportamentos, aplicação de técnicas específicas, fornecimento de instruções etc.” (Savoine, 2009, p. 4).

A relação terapêutica se caracteriza como preditora de bons resultados, mas a negligência nesta relação pode constituir-se justificativa para o fracasso do tratamento, com abandono prematuro da terapia ou o não cumprimento dos objetivos iniciais. A percepção do paciente sobre a relação terapêutica se correlaciona com a efetividade do tratamento: uma relação positiva, com contingenciamento afirmativo do reforço, aumenta a possibilidade de resultados positivos produzidos pelo processo terapêutico (Cunha; Borloti, 2009). A percepção inicial de uma relação pobre, com prevalência de controle aversivo ou punitivo no reforço negativo, tende ao fracasso (não adesão ou abandono da terapia), resultando desconfiança do paciente na efetividade do tratamento (Luiz; Hunziker, 2018; Martins et al., 2018).

A aliança terapêutica tem sido descrita como fundamental no processo psicoterapêutico por estar relacionada à adesão e ao resultado. É considerada como pré-condição para o estabelecimento de um processo psicoterápico em diferentes abordagens e formas de psicoterapia (psicodinâmicas, cognitivas comportamentais, interpessoais, não diretivas), devido ao foco na relação entre terapeuta e paciente na sequência do atendimento (Oliveira; Benetti, 2015; Garbelotto; Marques, 2021).

O papel desempenhado pela aliança terapêutica na psicoterapia teve origem na teoria psicanalítica, mencionada por Freud (1996), quando empregou os termos transferência eficaz e rapport (ligação empática com outrem, que promove menos resistência, combina componentes emocionais e intelectuais) em que o paciente percebe o terapeuta como alguém sintonizado com seus sentimentos e atitudes (Savoine, 2009).

A transferência é um dos conceitos mais importantes da teoria psicanalítica (Nobre; França, 2021). Para Johnson e Wright (2002), ela se compõe de impulsos e fantasias do paciente que são revividos no tratamento: o paciente não pensa no evento durante a transferência. Ela refere um processo em que sentimentos, desejos e expectativas de uma pessoa são projetados, inconscientemente, em outra pessoa (no caso, o terapeuta), e possibilita abertura à interpretação e ao encontro com o analista. Em contrapartida, também se reconhece que ela pode apresentar-se como um obstáculo e exibir resistência. No processo psicoterapêutico, a transferência está presente em tudo, mas nem tudo o que existe e é intermediado pode ser considerado transferência, embora a aliança terapêutica se realize como um dos importantes aspectos do vínculo transferencial em seu sentido mais abrangente (Peres, 2009).

Freud (1996, p. 84) afiança que o “primeiro objetivo do tratamento é ligar o paciente a ele mesmo e à pessoa do médico [terapeuta]”. Se houver a demonstração de interesse, “se cuidadosamente se dissipam as resistências que vêm à tona no início e se evita[m] cometer certos equívocos, o paciente por si próprio fará essa ligação e vinculará o médico [terapeuta] a uma das imagos das pessoas por quem estava acostumado a ser tratado com afeição”. Esta postura empática e compreensiva do terapeuta com seu paciente implica, desde o início, o primeiro sucesso na psicoterapia, que tende a conduzir ambos a uma frutífera aliança terapêutica (Nobre; França, 2021). Todavia, esta aliança (como um pacto silencioso, cúmplice, tácito, intencional) é uma “relação de trabalho, influenciada tanto por elementos conscientes quanto por conteúdos inconscientes, que se estabelece entre paciente e psicoterapeuta em prol do processo psicoterapêutico” (Peres, 2009, p. 383).

A aliança terapêutica não pode conter distorção da relação, mas enfatiza a colaboração consciente entre paciente e terapeuta que possibilita a manutenção do tratamento: o que importa é o acordo entre eles sobre a amplitude e profundidade da terapia e quão confortáveis e concordantes se encontram com o curso da terapia (Johnson; Wright, 2002). Por outro lado, em uma relação transferencial são veiculados aspectos irracionais, distorcidos, com repetição das experiências passadas a sugerir resistência ao tratamento (Oliveira; Benetti, 2015).

O vínculo terapêutico facilita os processos de mudanças, amplia o valor reforçador do terapeuta, estimula a adesão e maior engajamento na terapia, contribui na modelagem de comportamentos e promove expectativas positivas para vencer resistências. A relação terapêutica positiva pode ter influência ostensiva quando o terapeuta tiver participação efetiva no tratamento, porque o paciente se sente confortável e seguro para fornecer as informações necessárias à terapia. Como elemento central ao desenvolvimento de um processo de terapia, independentemente da perspectiva teórica, a aliança terapêutica é considerada chave no processo de mudança psicoterapêutica para várias abordagens, sendo apontada como importante sinalizador de resultados em psicoterapia (Oliveira; Benetti, 2015). É imprescindível, porém, que haja colaboração entre paciente e terapeuta em três dimensões: metas da terapia (acordo nos objetivos), designação/atribuição de tarefas e criação de vínculos positivos com base na confiança e apego (Araújo; Lopes, 2016).

Parte-se da ideia de que, no início do processo terapêutico, o profissional ofereça expressões gerais de aprovação, passe ao reforçamento contingente acerca dos tópicos mais complexos de serem abordados e, em seguida, aponte os comportamentos mais significativos às mudanças relevantes, de acordo com os objetivos e metas previamente estabelecidos. O fortalecimento de um amplo conjunto de comportamentos é pré-requisito para o engajamento do paciente no trabalho, embora, para que ocorram mudanças efetivas, seja necessário o reforço contingente mais satisfatório aos comportamentos alternativos (Savoine, 2009).

Daí dizer-se que um resultado terapêutico satisfatório se inicia, em parte, nas características do terapeuta que deve apresentar atributos pessoais como “postura empática e compreensiva, aceitação desprovida de julgamentos, autenticidade, autoconfiança e flexibilidade na aplicação de técnicas” (Savoine, 2009, p. 5). A abordagem prevê uma prática profissional em que o psicólogo manifeste valores, sentimentos e percepções, ou seja, a prática da psicoterapia, como qualquer outra profissão que lida com seres humanos, requer dois tipos de competência: formação especial e atributos pessoais. O papel do terapeuta é o de ouvir e compreender os comportamentos do paciente sem julgá-los: ter “um comportamento não punitivo […] frente ao que o paciente já esperaria por punição é uma postura ética a ser adotada constantemente” (Garbelotto; Marques, 2021, p. 6). Sua postura deve ser calorosa, amigável, tolerante, humanizada e comprometida (Miranda, 2016; Bruno, 2020).

Oliveira e Benetti (2015, p. 128) sustentam que o terapeuta deve comportar-se como “flexível, experiente, honesto, respeitoso, digno de confiança, confidente, interessado, alerta, amigável, calmo e aberto”, coerente, congruente – atributos altamente correlacionados com a formação de uma aliança forte. O terapeuta também deve apresentar habilidade de comunicação, abertura à escuta, empatia, aceitação incondicional do paciente e treinamento – características para um impacto positivo sobre a aliança terapêutica e imprescindíveis para o estabelecimento do vínculo. Portanto, o sucesso da terapia está associado à capacidade de o terapeuta suportar emoções intensas e transmitir aceitação a seu paciente, compreensão e compaixão para com os problemas levantados – o que facilita a resposta do paciente e reduz a reatividade que contribui para manter os sintomas. Da mesma forma, a flexibilidade do terapeuta em adequar as tarefas do paciente aos objetivos do tratamento concorre para estabelecer um processo terapêutico sensível e fortalecer uma aliança terapêutica significativa, preditora da efetividade do processo (Roemer; Orsillo, 2016).
Do lado do paciente, algumas características estão imbricadas no sucesso da aliança terapêutica: habilidades interpessoais (qualidade dos relacionamentos, frequência de eventos estressantes, suporte social); dinâmica intrapessoal (motivação estável, qualidade das relações objetais e atitudinais); e características diagnósticas (severidade dos sintomas, aspectos intrapsíquicos das representações vinculares, padrão defensivo do paciente, redução da sintomatologia com a melhora na relação terapêutica). Neste sentido, a aliança terapêutica apresenta-se como uma reedição da relação objetal precoce (Almeida, 2020), e “ocorrerá a formação de uma boa aliança se o paciente tiver passado por pelo menos uma relação satisfatória para que seja capaz de reproduzi-la com seu terapeuta” (Oliveira; Benetti, 2015, p. 130).

Em psicanálise, a aliança terapêutica consiste em que a parte observadora do paciente se alia ao psicoterapeuta. Esse vínculo terapêutico é uma relação dual, criado e mantido pela confiança e respeito mútuos, e assegura uma assimetria entre os papéis dos sujeitos. Na aliança terapêutica, o vínculo transferencial se torna capital para que o paciente se mantenha aliado à tarefa analítica e consiga enfrentar as inevitáveis dificuldades e dores ao longo do processo (Santos; Guimarães, 2018).

A psicoterapia psicanalítica, como uma das áreas mais demandadas, enfatiza métodos voltados para o psiquismo, com acesso aos conteúdos inconscientes para manejar o sofrimento intrapsíquico (Lobato, 2013). Tais conteúdos envolvem conflitos (relacionados à religião, sexualidade, relacionamentos amorosos, tensões familiares, relações interpessoais, interação social, retraimento, agressividade) e vivências diárias (rotinas, históricos pessoais, memórias, subjetividade, resistências). A psicoterapia psicanalítica possibilita “captar situações que foram ou são vivenciadas com pessoas significantes, sendo possível ao analisando obter insights de conteúdos que passam do plano inconsciente para o consciente e preencha as lacunas que antes davam espaço para os sintomas adquiridos” e o sofrimento (Costa et al., 2020, p. 6).

Em psicoterapias fundamentadas nas teorias psicanalíticas, a aliança terapêutica se constrói pela transferência positiva do paciente ao psicanalista (Freud, 2019). Se essa transferência não ocorrer, torna-se iminente a impossibilidade de realização do processo terapêutico, não constituindo, em decorrência, a aliança terapêutica. Na ótica psicanalítica, o paciente direciona ao terapeuta pensamentos e sentimentos ligados, de forma original, a pessoas significativas de seu passado. Assim, quando a abordagem está centrada na pessoa, prevê-se a instituição de uma boa relação terapêutica baseada na compreensão mútua entre paciente e terapeuta, tolerância, respeito e aceitação (Miranda; Clasta, 2023) – o que permite avaliar a qualidade, a evolução e o desfecho do serviço psicoterapêutico.

Os aportes teóricos de Lacan (2010) enfatizam a ética como condição para o manejo da transferência na direção da cura, o que torna a ética um conceito fundamental da psicanálise e do tratamento psicanalítico. A clínica psicanalítica não se sustenta em manuais que determinam como deve ocorrer a prática do psicanalista, mas isso não implica uma completa liberdade no exercício de sua função: o terapeuta sempre deve responder por uma posição ética como condição de execução da técnica. Ética e técnica se imbricam no tratamento psicanalítico, na condução estratégica que envolve e é envolvida pela transferência (Maesso, 2020). Para Lacan (2010), a origem da transferência, tal como descrita por Freud (2019), é processo espontâneo, ligada ao que há de essencial da presença do passado, à medida que ela é descoberta pela análise no presente.

Costa et al. (2020) têm como certo que, dentre todas as técnicas e conceitos veiculados na Psicologia, a relação estabelecida entre analista e analisando é o fundamento para a aplicação da psicoterapia em trabalho conjunto do paciente e do terapeuta, porque ambos se dispõem a aliviar o sofrimento. A formação de um vínculo estável e de confiança é imprescindível para a estruturação da psicoterapia (Garbelotto; Marques, 2021), porque permite a constituição de um ambiente seguro dentro do setting terapêutico e possibilita ao analisando tomar a decisão de prosseguir em seu acompanhamento. O setting terapêutico é eminentemente técnico, um locus em que se realiza a terapia e inclui um método, uma técnica e uma ética para o acolhimento das projeções do paciente (Migliavacca, 2008).
Desse modo, é expressiva a importância do estabelecimento cuidadoso da aliança terapêutica na psicoterapia, não importando a tonalidade variável de sua fundamentação teórica, uma vez que ela impõe um envolvimento emocional entre dois sujeitos, o terapeuta e o paciente, devendo ser respeitados todos os contornos que essa relação humana estabelece (Oliveira; Benetti, 2015; Garbelotto; Marques, 2021).

A terapia se desenvolve em ambiente de transferência (de pensamentos, fantasias, sentimentos) que constitui importante ferramenta para sua evolução (Costa et al., 2020). Quando se observam aspectos transferenciais genuínos na dinâmica da relação estabelecida na terapia e quando os encontros proporcionam reconhecer as interações positivas e benéficas ao tratamento, evidencia-se que foi constituído um vínculo seguro na evolução do tratamento. Nesse sentido, a aliança terapêutica se torna eficaz, estreita laços e permite acesso aos conteúdos e aspectos de vida a serem trabalhados em todo o processo pelo terapeuta (Costa et al., 2020).
Esta condição dá ao terapeuta o status de espelho em que o paciente pode expressar-se com confiança e compreender seu sofrimento pela observação de seus próprios sentimentos. A aliança empática bem instituída viabiliza uma estruturação eficaz do processo terapêutico, necessária em todo contexto clínico (em psicoterapia ou outras formas de tratamento). A ausência do vínculo restringe a efetivação da terapia, ou favorece o abandono, contaminando todo o processo clínico e levando ao fracasso o tratamento psicoterápico.

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