Tal como a sociedade brasileira se acostumou com os escândalos de corrupção na administração pública, quando um saía da mídia em virtude de outro pior, o mesmo está a acontecer com os crimes. A filhinha Richthoffen, os pais Nardoni e aqueles que mataram os filhos sufocados com sacos plásticos, uma menina para mais de vinte homens no Pará, pessoas torradas vivas num ônibus no Rio e uma família sapecada em Bragança Paulista, além do Exército presentear traficantes com três jovens para se divertirem, são pinçados exemplos de uma vastidão sem precedente.
Diante de tanta desgraça onde os algozes são pessoas que deveriam proteger, seqüestro por uma pessoa estranha tornou-se coisa sem importância. Para que houvesse noticiário, o jovem Lindemberg Fernandes Alves, agora quase um santo para muitos, manteve Eloá Cristina Pimentel e Nayara Rodrigues da Silva sob seus caprichos por uma semana. Um final trágico pode ser sempre esperado nessas situações. Este, além da tragédia, o lado estatal o tornou patético. Aos fatos.
Sem levar em conta as tecnicidades, presumia-se existir um comando, mas a invasão ocorreu sem ordem de ninguém.
Atribui-se a responsabilidade pelo retorno somente à menina Nayara, que, segundo a polícia, retornou ao cativeiro por iniciativa própria. Pois, para não haver prolongamento, não pode nunca prevalecer vontade de particular sobre as decisões estatais. Traduzindo, já que há muita dificuldade de entender, mesmo que ela quisesse, a polícia não poderia ter permitido o retorno dela ao cativeiro. Carlos Félix de Oliveira, o comandante, não cansa de dar entrevista, mas ordem para a invasão não deu. E ele coroou todas as inconseqüências que foram ditas e praticadas.
Disse que colocaria o filho dele no lugar de Nayara. Não deveria, nem o filho nem nenhuma outra pessoa. Afirmou com ênfase que a culpa fora somente do seqüestrador. Não precisaria comentário, porque até um louco de todo o gênero sabe disso. Sobre não ter atirado porque era jovem, não tinha antecedentes criminais e que todos criticariam, cabe esclarecer que a decisão de atirar deve levar em conta a oportunidade com chance de êxito, e que se está atirando num seqüestrador, com vistas a salvar a vida de sua vítima. Quem tem o dever de fazer, apenas deve fazer e como deve ser feito. Só um despreparado se preocupa com opiniões adversas ou com IBOPE sobre sua ação.
Ainda se ouve críticas à imprensa, aos críticos à ação policial e analistas, sob a alegação de que é fácil criticar depois. Se existe alguém que não tem culpa por nada é a imprensa. Se há exageros, são valores meramente subjetivos que cabe no campo da ética. Só falaram com o seqüestrador porque o Estado, de novo, não teve competência para evitar. E a maioria dos colegas de mídia critica por ter perdido a chance de fazer o mesmo. Analistas e críticos só podem atuar após os fatos, antes, somente videntes, e erram muito. Nenhum episódio está fora dessas avaliações. Isso também faz parte da democracia.
Já as autoridades, que deveriam falar quais as ações para evitar tantas tragédias. Omitem-se e não são cobradas por ninguém. Seria necessário que o presidente da República e o governador de São Paulo se manifestassem. Vira e mexe palpitam sobre seus times prediletos. Para eles, esse fato perde toda relevância perante os jogos do Corinthians e do Palmeiras. Logo virá um seqüestro de quinze ou mais dias que fará essa cair logo no esquecimento.
Pedro Cardoso da Costa – Interlagos/SP
Bel. Direito