quinta, 14 de novembro de 2024
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Eleitor troca voto por churrasco e tijolo

Eleitores de Rio Preto negociam seus votos em troca de tijolos, churrasco e cerveja no bairro Parque Nova Esperança, na região Norte da cidade. O Diário se passou por assessor…

Eleitores de Rio Preto negociam seus votos em troca de tijolos, churrasco e cerveja no bairro Parque Nova Esperança, na região Norte da cidade. O Diário se passou por assessor de um candidato a vereador fictício e negociou diretamente com eleitores e comerciantes a doação de tijolos e realização de churrascos para promover a candidatura no bairro para obter votos na eleição do dia 7 de outubro.

A negociação caracteriza possível compra de votos, segundo o promotor de Justiça Sérgio Clementino, conforme previsto na lei eleitoral número 9.504/95. É proibido ao candidato “doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinquenta mil Ufir (entre R$ 1.060 a R$ 53 mil), e cassação do registro ou do diploma”.

Diversos candidatos a vereadores esparramaram suas plaquinhas pelo bairro. A moradora B.A.J disse que colocou uma placa de um candidato em troca de tijolos para construir um muro para sua casa. “Ele (candidato) tinha prometido me dar mil tijolos. Isso aí não suja não, né moço”, afirmou a mulher que se mostrou preocupada ao revelar a negociação.

B.A.J. afirmou ainda que tinha esperança de trabalhar para o candidato, que lhe teria feito a promessa de lhe pagar um salário de R$ 500. Sem entregar o que prometeu, a moradora afirmou que o candidato não teria mais o seu voto. “Peguei birra desse candidato. Meu voto ele não vai ter mais não”, afirmou a mulher ao oferecer sua casa para uma reunião do candidato da reportagem.

A moradora M.E afirmou que começa a trabalhar hoje para um candidato a vereador. Ela, no entanto, aceitou colocar outra plaquinha de outro candidato em sua casa com a seguinte condição: tijolos para o muro de sua casa. “Se me desse tijolo para fazer o muro. Vai um milheiro. Mil tijolos. Eu tiro a plaquinha (do outro candidato)”, afirmou M.E. Mil tijolos oito furos custa cerca de 400.

No bairro, o Diário também esteve em bares que funcionam em casas. Em um deles, a reportagem foi informada, em entrevista gravada, que dois candidatos a vereador já pagaram caixas de cervejas e espetinhos de carne para eleitores em finais de semanas anteriores. Um dos candidatos foi apontado pelo dono do bar como o responsável até pela doação de material de construção do banheiro do estabelecimento comercial. Só em material, o dono do bar disse ter recebido R$ 500.

E a churrascada não sai barata. Para organizar a distribuição de bebida e comida, com direito a uma passagem do candidato a vereador pelo local, o gasto chegaria R$ 288 com três caixas de cerveja – cada garrafa R$ 4 – e outros R$ 100 para a compra da carne de primeira.

A festa seria destinada para cerca de 25 pessoas. “O (nome do candidato) paga cerveja direto para a turma. O (nome do candidato) já passou aqui também”, afirmou F, proprietário do bar. “Na última vez que ele (candidato a vereador) pagou foram três caixas (de cerveja)”, disse.

O agrado a eleitores não para por aí. Além da carne é cerveja, não pode faltar fichas de bilhar. F. afirmou que um dos candidatos cativos no seu estabelecimento paga entre 30 e 40 fichas para os eleitores. Cada ficha custa R$ 1.

O fato de haver uma plaquinha afixada no portão ou no poste de energia de uma casa não significa que determinado candidato tem o apoio dos moradores ou da família. Ontem, o Diário encontrou situações inusitadas, onde imóveis tinham plaquinhas de dois candidatos diferentes.

O morador D.A.L afirmou que ele e sua mulher deixaram os candidatos a vereador Oscarzinho Pimentel (PSL) e Jorge Menezes (DEM) afixarem suas respectivas placas no seu portão. Ele, no entanto, ainda não se decidiu em quem vai votar. “Os assessores pediram e nós deixamos colocar”, afirmou.

Em outros locais, principalmente, em avenidas com grande fluxo de veículos, os candidatos dividem espaço em casas, já que a propaganda eleitoral é proibida em estabelecimentos comerciais – bens de uso em comum.

A moradora do bairro Parque Nova Esperança S.L.R afirmou que deixou um candidato colocar a plaquinha em frente da sua casa porque recebeu pedido de um assessor. “Não tenho compromisso com ele (candidato). Pediu para pôr. Mas vou até tirar”, disse. “ E não conheço ele direito. Não votaria nele. Vou tirar essa plaquinha”.

A Moradora de imóvel na avenida Mirassolândia Z. afirmou que autorizou a instalação de duas plaquinhas de candidatos por ser amigos da família. “Um é professor onde frequento. E o outro é amigo do meu filho. Não me pagaram nada”, disse a moradora.

A falta de fiscalização do processo eleitoral é apontada como a principal causa para a venda e compra de votos. Essa é a opinião do especialista em marketing político Sidney Kuntz ao lembrar ser crime a compra de votos por parte de eleitores e candidatos a prefeito e vereador.

“Teríamos de ter uma fiscalização mais rígida, mas não tem nenhuma”, afirmou o especialista. “Desde que faço campanhas eleitorais, a partir de 1972, ouço histórias sobre a compra de votos e troca de favores”.

Atualmente, a fiscalização de abusos cabe à Justiça Eleitoral, que conta com o apoio do Ministério Público Eleitoral e da Polícia Federal (PF). Além da compra de votos nos bairros, não há estrutura mínima que permita a fiscalização ainda da propaganda eleitoral nas ruas.

Na prática, a fiscalização é feita entre os próprios candidatos e coligações nas ruas. Para Kuntz, o próprio Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deveria dar ênfase à campanhas educacionais com o objetivo de esclarecer a população. “Tem de deixar claro que é crime eleitoral.

Se o eleitor vende o voto não tem como cobrar o candidato depois”, afirmou. Segundo o especialista, é por esse motivo que grande parte da população considera a classe política “desmoralizada”. “Boa parte do eleitorado está cansada de ouvir sobre fraudes”, afirmou Kuntz.

O especialista aponta que para os candidatos o pagamento de uma churrascada é mais barata “do que convencer o eleitor com propostas.” “As festas têm como objetivo angariar votos. Esses eventos não estão na prestação de contas dos candidatos”, disse. Kuntz afirmou que a sensação é de que o atual sistema eleitoral privilegia o “vale-tudo”.

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