domingo, 24 de novembro de 2024
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Editor, crítico e ensaísta Jacó Guinsburg morre aos 97 anos

Morreu na manhã deste domingo (21), aos 97 anos, de insuficiência renal, o editor, ensaísta e tradutor Jacó Guinsburg. Ele estava internado desde a última segunda no Hospital Israelita Albert…

Morreu na manhã deste domingo (21), aos 97 anos, de insuficiência renal, o editor, ensaísta e tradutor Jacó Guinsburg. Ele estava internado desde a última segunda no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo.

Guinsburg foi o último representante da geração de intelectuais da Europa Central e Oriental que, ao longo do século 20, vieram ao Brasil para escapar de conflitos políticos ou perseguições e tiveram atuação destacada em nossa cena cultural.

Porém, ao contrário dos outros nomes desse grupo – o austríaco Otto Maria Carpeaux, o alemão Anatol Rosenfeld, o húngaro Paulo Rónai e o tcheco Vilém Flusser, que aqui chegaram já adultos e com sólida formação humanista -, Guinsburg veio com a família aos três anos, na esteira da crise econômica e do antissemitismo crescente na Bessarábia (região da atual Moldávia), onde nasceu em 1921.

Depois de morar em Olímpia (interior de São Paulo) e Santos (onde se alfabetizou), foi no bairro paulistano do Bom Retiro, até hoje um reduto judaico, que Guinsburg teve seus primeiros contatos com a militância estudantil e com o teatro, no período em que o movimento integralista, de extrema direita, mostrava os dentes e dava sustentação ao ditador Getúlio Vargas.

Enquanto trabalhava como jornaleiro, balconista e operário têxtil, com breve passagem por uma loja de couros do Rio de Janeiro, Guinsburg era assíduo frequentador da Biblioteca Municipal da Rua 7 de Abril e de livrarias do centro de São Paulo.

Numa delas, conheceu o livreiro Edgar Ortiz Monteiro, com quem fundaria em 1947 sua primeira editora, a Rampa – cujo catálogo era voltado para escritores judeus e para a tradução de obras em ídiche, idioma falado pelos judeus do leste europeu e sua língua materna.

Estava lançada a semente para o maior empreendimento da vida de J. Guinsburg (forma na qual grafava o nome nos livros): a editora Perspectiva. Fundada em 1965, a editora teve como predecessora uma editora de mesmo nome e brevíssima duração, criada dez anos antes e na qual ele editou “O Dibuk”, de Anski, clássico do teatro ídiche.

Teatro, cultura judaica e língua ídiche seria alguns dos pilares da trajetória de Guinsburg como editor e intelectual. Nesse ínterim, ele se tornou amigo de Anatol Rosenfeld (que aportara no Brasil em 1937, fugindo do nazismo, e escrevia no jornal “Crônica Israelita”) e trabalhou na Difel de Jean-Paul Monteil – célebre editor e fundador da Livraria Francesa, que teria papel heroico durante o regime militar de 1964, ao ajudar pessoas perseguidas pela ditadura.

Foi graças a Monteil que Guinsburg pôde ir à França em 1962, para um estágio de dois anos na área editorial, durante o qual frequentou conferências de Roland Barthes e Lucien Goldmann, além assistir à produção experimental dos palcos parisienses.

Na volta, assumiu a cadeira da EAD (Escola de Arte Dramática) antes ocupada pelo crítico teatral Décio de Almeida Prado -que, ao lado de Sábato Magaldi, seria seu interlocutor constante no campo da dramaturgia. Mais tarde, com a incorporação da EAD à ECA-USP, Guinsburg obteria os títulos de doutor (sob orientação de Antonio Candido), livre-docente e professor titular, mesmo sem ter título de graduação.

A criação da Perspectiva consolidou essa experiência. Com mais de 1.200 títulos no catálogo, não seria exagero dizer que é impossível encontrar uma tese de pós-graduação na área de humanas, ou mesmo uma bibliografia de curso universitário, que não inclua obras da editora.

Do historiador Fernand Braudel ao linguista Roman Jakobson, da antropóloga Margaret Mead à filósofa Hannah Arendt, todos os campos do saber contemporâneo estão representados por livros fundamentais. Basta dizer que “Mimesis”, de Erich Auerbach (maior clássico da filologia e da literatura comparada), só tem edição no Brasil por obra de Jacó e sua mulher Gita K. Guinsburg -cuja formação em física e matemática ampliou o leque da Perspectiva com estudos relacionados à filosofia da ciência e ao positivismo lógico.

E vale lembrar que foi a Perspectiva quem lançou no Brasil a obra ensaística de Umberto Eco, muito antes que “O Nome da Rosa” atraísse a atenção de outras editoras para seus textos teóricos. Aliás, foi o excesso de rigor intelectual (do qual declarou se arrepender) que fez Guinsburg renunciar à prioridade que tinha, como editor brasileiro de Eco, na compra dos direitos de tradução desse romance que viraria best seller -e que teria garantido por muito tempo a segurança econômica de uma editora que nunca fez concessões comerciais.

A Perspectiva logo se tornou um espaço de encontros entre artistas e intelectuais como os ensaístas Boris Schnaiderman e Roberto Schwarz, a escritora Zulmira Ribeiro Tavares e os poetas Haroldo (morto em 2003) e Augusto de Campos -estes últimos, coordenadores da coleção “Signos”, voltada para a poesia de invenção.

Nem por isso Guinsburg se restringiu ao papel -por si só notável- de dar voz a tamanha diversidade de enfoques estéticos e teóricos. As marcas de suas paixões críticas estão presentes tanto em livros de sua própria autoria -como “Aventuras de uma Língua Errante” (sobre literatura e teatro ídiche)- quanto em coleções com sua curadoria e tradução -caso da obra completa de Diderot.

Nos últimos anos, Guinsburg revelou mais uma face de sua personalidade poliédrica: a de escritor. Em 2000, lançou “O que Aconteceu, Aconteceu” (Ateliê), livro de contos repleto de memórias (e paródias) da cultura e da história judaicas. E neste ano, também pela Ateliê, “Jogo de Palavras” -livro de poesia que, entre o lúdico e o irônico, termina com um poema visual cujas palavras perfazem um círculo que agora, com sua morte, servem de imagem do circuito autor-editor-crítico que Jacó Guinsburg percorreu de modo extraordinário. Com informações da Folhapress.

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