Algumas histórias contadas em livros e reproduzidas exaustivamente por diversos autores, mesmo apresentando pequenas nuances em seus enredos, mas mantendo seus personagens e os fatos ocorridos, têm sido propagadas por décadas, até séculos, sucessivamente, contadas e recontadas de forma duvidosa e ao bel prazer dos seus autores.
Seria mais um episódio irrelevante no percorrer da existência humana, não fosse o fato dessas histórias interferirem no julgamento de nossas crianças sobre a realidade dos acontecimentos, com enredos e personagens desvirtuados pelas mãos sorrateiras que empunharam as canetas esculpidoras de cada palavra da trama, relatando fatos utópicos, encobrindo os verdadeiros acontecimentos e as motivações para o ocorrido.
Há muitas histórias assim, mas falo aqui, especificamente, sobre o que tem sido relatado na história do Chapeuzinho Vermelho. Com poucas variações em sua forma de narrar e apresentar os personagens, o vilão da trama sempre foi o Lobo Mau, a chapeuzinho vermelho a inocente e a vovozinha uma vítima.
No entanto, a verdadeira história não é bem assim. A chapeuzinho, chamada em seu tempo apenas de vermelhinha, em alusão a suas preferências político-ideológicas, não tinha nada da inocência pueril inventada propositalmente nas narrações repetidas até dos dias de hoje.
Na realidade, ela não passeava pela floresta levando doces para a vovozinha, como insistem em contar. Ao contrário, o cesto da mulher, que apenas se vestia com aparência infantil, continha entorpecentes para comercialização, fabricados a partir de plantas naturais colhidas na floresta que, por seu sabor adocicado, ficaram conhecidos pela alcunha de “doces”.
A vovozinha, outra personagem retratada ilusoriamente como dócil e indefesa, pousando de vítima, era na verdade uma agente especial da vermelhinha, a seus serviços na produção dos “doces”, mantendo uma casa no interior da floresta como torre de observação, com estrutura e equipamentos internos sempre prontos a uma contrapreparação.
O Lobo Mau, longe de ser um coitado, sempre foi antes de tudo um personagem injustiçado pelas sucessivas narrativas históricas. Moldado como vilão, era justamente o oposto, um paisano que, por meio de ações diversionárias, mantinha sua missão de acabar com a farra na floresta, eliminando a farândola da vermelhinha.
Nosso herói, nomeado nos livros pela patente alcunha de Lobo Mau, posto sua autoridade e essência da função naquela sociedade selvagem, tinha o dever patriótico e moral de empreender um movimento necessário à organização daquela selva, golpeando as ações daninhas do grupo da vermelhinha, impondo limites e ditando os códigos de conduta para a convivência segura de seus habitantes, em
conformidade com regras constituídas, indispensáveis no combate ao mal que poderia sobrevir sobre toda a floresta em razão das ações inimigas, apoiadas por movimentos socializados de outras florestas.
Atendendo aos clamores da sociedade silvícola, o Loba Mau fez o que era preciso, invadiu a casa da vovozinha e colocou ela para trabalhar de verdade. Delegou a ela todos as obrigações de limpeza da casa e o preparo das refeições, além das costuras de uniformes para a equipe do herói, afinal, uma pessoa com apenas oitenta e cinco anos não está na idade de descansar.
Claro, ela sentiu-se torturada e engolida pelas tarefas domésticas, fato que contribuiu para gerar inúmeras versões para as sucessivas histórias inventadas, até a narrativa absurda de que o Lobo havia comido a vovozinha. Talvez, tal confusão também tenha ocorrido em razão dos costumes praticados pelo inimigo, pois fazia parte do ritual do bando da vermelhinha comer criancinhas assadas.
A vermelhinha igualmente foi capturada pelo herói, com sua cesta de “doces” que carregava no braço esquerdo, marca distinta de todos os seus seguidores, já que os demais conviventes do grupamento da floresta eram extremamente destros, sendo trancada em uma prisão para servir de exemplo aos demais subversivos mateiros.
Contudo, todos esses fatos verdadeiros foram completamente distorcidos ao longo do tempo, sendo narrados intencionalmente em versões opostas ao ocorrido, com o único objetivo de encobrir a realidade e permitir a propagação do mal e o retorno da tropa vermelhinha.
Ainda há tempo de reverter a disseminação da mentira, de suas tentativas de plantar sementes malévolas, regadas à falsidade, com a expectativa de produzir árvores frondosas que gerem frutos de outrora.
É preciso mudar a história para que à luz suceda a noite e, contra a sabedoria, o mal não prevaleça, oportunizando que o sábio vença o falso sábio.
Sérgio Piva
s.piva@hotmail.com