segunda, 25 de novembro de 2024
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E-mails revelam interferência da CBF em julgamentos no tapetão

Os bastidores das decisões do STJD revelados. E-mails trocados entre ocupantes da cúpula do Tribunal e a CBF mostram que há interferência da entidade nas decisões. Em pelo menos um…

Os bastidores das decisões do STJD revelados. E-mails trocados entre ocupantes da cúpula do Tribunal e a CBF mostram que há interferência da entidade nas decisões. Em pelo menos um caso ao qual a reportagem teve acesso, o procurador do órgão, Paulo Schmitt, orientou um auditor a punir um clube, para favorecer os interesses da CBF.

O fato é de 2012 e consta documentado no material apreendido pela Polícia Federal e enviado na última semana para a CPI do Futebol. O clube prejudicado foi o Atlético-MG. A situação: corriqueira. Torcedores haviam organizado um mosaico com o nome da CBF, nas cores do Fluminense, no dia em que os clubes se enfrentaram, no Independência. Além de terem estendido uma faixa com os dizeres: “o apito é tricolor carioca”.

“Iremos denunciar com vistas a interdição do estádio do mandante (…) Uma coisa é certa: não vamos nos intimidar por opinião de parte da imprensa, blogueiros, esculhambadores de plantão”, escreve Paulo Schmitt em resposta para Carlos Eugênio Lopes, diretor-jurídico da CBF e Marco Polo Del Nero, então presidente da Federação Paulista de Futebol (FPF) e vice da CBF.

Ele respondia a um e-mail enviado pela CBF com as fotos do protesto pedindo providências. No entanto, a orientação do procurador não surtiu efeito. E a 1ª Câmara Disciplinar inocentou o clube. Ato que fez Paulo Schmitt se indignar em novos e-mails para a CBF:

“O relator, Dr. Washington Rodrigues, apesar de alertado sobre a repúdia da CBF, entendeu que não foi nada demais, uma vergonha a meu ver”, diz o procurador em mensagem, anunciando que tentaria reverter a decisão no Pleno, a segunda instância do tribunal.

“Estamos recorrendo ao Pleno, mas confesso a vocês que cansa, desmoraliza, desgasta ter que levar tudo para o Pleno”.

Em sessão realizada menos de um mês depois, a absolvição do Atlético foi revista e o clube condenado a pagar R$ 10 mil. O relator, Miguel Ângelo Cançado, sustentou que a agremiação deveria ter coibido o ato.

Leia abaixo, a íntegra da resposta de Paulo Schmitt.

Planos para anular o auditor

As conversas sobre o tema continuaram entre os dias 9 e 10 de novembro, entre Paulo Schmitt e a CBF. Numa delas, o diretor-jurídico da entidade pergunta:

“Qual a origem do auditor fazedor de média?”

O procurador responde:

“FENAPAF, e já estava no tribunal… Sempre vendeu a idéia (sic) de ter moral com o Marco Polo, o que já sabemos não é verdade”

Marco Polo explica:

“Esse auditor já teve graves problemas no TJD-SP e foi obrigado a sair. Sua indicação veio do Sindicato, por mim nunca estaria conosco”

Por fim, Paulo Schmitt diz:

“Vamos ver uma forma de anular pq ele faz mal ao esporte, a meu ver…”, completando sobre encontro entre ele e o dirigente nos Estados Unidos:

“Grato novamente pelo convite a NY, devo chegar no dia do jogo e podemos falar sobre alguns temas, inclusive esse”

Auditor diz que é fazedor de direitos

Procuramos o auditor citado nos e-mails. Washington Rodrigues atua há oito anos no STJD. Ele ficou chocado com as conversas a seu respeito.

“Me causa espécie isso tudo. A procuradoria não está ali para atender aos interesses da CBF, está para atender aos interesses do desporto. É aterrador isso”, disse.

Paulo Schmitt negou para a reportagem que tenha atuado para favorecer a CBF. Ele disse que não há dúvidas de que ele não interfere no Tribunal. Que era evidente que o Atlético-MG, havia cometido uma infração ao Estatuto do Torcedor. Schmitt acusou o auditor de ser “defensor dos atletas”.

Nas conversas em poder da CPI, Schmitt também desaprova o fato de a comissão não ter punido o jogador Fred. Ele foi expulso do jogo, por agressão.

Numa mensagem para Marco Polo e Carlos Eugênio Lopes, criticou:

“O atleta Fred também restou absolvido, mas até aí nenhuma novidade. Dá para contar nos dedos um atleta que tenha sido punido pelo Sr. Washington nesses anos todos no tribunal, afinal ele se acha representante dos atletas na Corte”

Quanto a isso e ao fato de ter sido indicado para o tribunal pelo sindicato dos atletas, o auditor respondeu:

“Não estou ali para atender a interesse de um ou de outro. Sou indicado pelos atletas, como todos ali são indicados por algum segmento, mas isso não muda o meu convencimento”, disse, finalizando:

“Não sou um fazedor de média, sou um fazedor de direito”

A CPI ainda não informou o que vai fazer em relação ao conteúdo obtido nos e-mails.

A CBF, Carlos Eugênio Lopes, Marco Polo Del Nero e o STJD foram procurados, mas não enviaram resposta até o momento. Paulo Schmitt se manifestou por e-mail, cuja íntegra está abaixo. Na resposta, Washington Rodrigues foi citado novamente. Ele responde na sequência: Todos os casos em que a CBF solicita providências, a Procuradoria cumpre seu mister na eventual elaboração de denúncias e interposição de recursos.

“A Procuradoria é crítica da atuação de auditores que se distanciam das leis e codificação disciplinar para julgar, e nesse mesmo processo além da evidente prova de uma infração cometida por um clube conforme veda o Estatuto do Torcedor, um atleta foi absolvido pelo mesmo mencionado relator.

E esse auditor indicado pelo segmento dos atletas, ao contrário da Procuradoria-Geral que apesar de indicada pela CBF já a denunciou diversas vezes, não costuma exercer as suas funções com a imparcialidade que achamos necessária. Tanto é assim que formalizamos a corregedoria da Corte uma solicitação de análise a conduta de auditores (inclusive desse), que tiraram fotos com um atleta após um julgamento, evidenciando uma certa tietagem.

Além disso, tivemos conhecimento que o referido auditor parece ter sido excluído por conduta imprópria do TJD SP, o que também nos deixou em estado de alerta.

Nesse cenário, é preciso anular sim, do ponto de vista estratégico e jurídico do contraditório na figura da acusação, a atuação desse e outros auditores que vinculam de forma excessiva suas decisões aos segmentos que os indicaram em detrimento ao interesse da moralidade no desporto.

Demais disso, como se denota, não há nenhuma dúvida quanto a não interferência nos resultados dos julgamentos e em quem integra o Tribunal.

Finalmente, e não menos relevante, interessante saber que parlamentares também vazam correspondências para imprensa de pessoas que não são objeto de investigação criminal, como no meu caso. Cada vez mais esse tipo de conduta vira lugar comum, infelizmente.

Vale a transcrição abaixo:

“Não há como conceber, portanto, a divulgação pública das conversações do modo como se operou, especialmente daquelas que sequer têm relação com o objeto da investigação criminal. Contra essa ordenação expressa, que – repita-se, tem fundamento de validade constitucional – é descabida a invocação do interesse público da divulgação ou a condição de pessoas públicas dos interlocutores atingidos, como se essas autoridades, ou seus interlocutores, estivessem plenamente desprotegidas em sua intimidade e privacidade”.
Ministro Teori Zavaski do STF.”

Resposta do auditor Washington Rodrigues:

“Como dito, causa espécie a relação próxima entre o procurador geral e a direção da CBF, e com a sua enorme preocupação em punir aqueles que criticam a entidade. Nota-se um diálogo contundente sobre um caso ainda em julgamento, em que o procurador parece dar satisfação de seus atos.

Os Tribunais Desportivos devem manter total independência e equidistância das Entidades de Administração do Desporto, evitando toda e qualquer benesse, tal como viagens pagas por seus dirigentes e recebimento de ingressos. Entretanto, penso que não seja esse o entendimento do nobre procurador.

Se o nobre procurador entende que distanciar-se das leis, seja absolver atletas em decorrência de fatos que julgo normais, ou quando os torcedores exercem seu direito de manifestação – dentro dos limites constitucionais -, entendo que isso seja apenas a minha distância em relação apenas ao que o mesmo entende como legal, ao que prefiro o justo.

Não fui excluído do TJD de São Paulo, de um incidente havido, ao qual o nobre procurador deve se referir, restei totalmente inocente e absolvido. E como minhas críticas em decorrência ao fato incidiriam sobre uma pessoa já falecida, me abstenho de fazê-las.

Aliás, deveria o nobre procurador dar satisfação dos diálogos interceptados pela polícia civil do RJ, acerca da prática de cambismo durante a Copa do Mundo de 2014, em que revelaram que o mesmo tinha um canal de facilidades para obtenção de ingressos que nenhum outro membro do Tribunal detinha. Ou suas benesses havidas em outra Confederação.”

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