A Justiça de São Paulo condenou nesta segunda-feira (27) as donas e a funcionária da Escola Colmeia Mágica por torturar e maltratar nove crianças entre dezembro de 2021 a março de 2022. Elas foram absolvidas dos crimes de associação criminosa e colocar os alunos em perigo de vida.
Cabe recurso contra a decisão da juíza Cynthia Torres Cristófaro, da 23ª Vara Criminal, do Fórum da Barra Funda, Zona Oeste da capital.
O caso foi revelado em março de 2022 pelo g1, depois que vídeos e ftoos mostravam alunos chorando e amarrados em lençóis, presos a cadeirinhas de bebês dentro de um banheiro da escola de educação infantil na Zona Leste da capital. As imagens viralizaram nas redes sociais.
Roberta Serme, diretora e dona da Colmeia Mágica, foi condenada a 49 anos, 9 meses e 10 dias de prisão em regime inicial fechado e 1 ano e 4 meses de detenção em regime semiaberto.
A irmã dela, Fernanda Serme, coordenadora, professora e sócia da escolinha, recebeu pena de 13 anos e 4 meses de detenção em regime inicial semiaberto.
Solange Hernandez, funcionária da escola, foi condenada a 31 anos, 1 mês e 10 dias de reclusão, em regime inicial fechado, e 8 meses de detenção em regime semiaberto.
As sócias proprietárias da Colmeia Mágica estavam presas preventivamente desde abril do ano passado por decisão da Justiça. A empregada responde solta à condenação. Elas sempre negaram os crimes.
O que dizem os citados
Procurado pela reportagem para comentar o assunto, o advogado André Dias, que defende as irmãs Serme, afirmou nesta segunda que “estamos analisando a sentença.”
Outro advogado que atua na defesa de Roberta e Fernanda complementou dizendo que irá recorrer da decisão que condenou suas clientes. “A sentença é totalmente contrária à evidência dos autos e a todo o regramento que rege os critérios estabelecidos na aplicação da pena. O recurso já está sendo interposto”, disse Eugênio Malavasi.
A reportagem também entrou em contato com a defesa de Solange, feita pelo advogado Leonardo Luiz Fiorini, mas ele não se pronunciou até a última atualização dessa matéria.
O Ministério Público (PM) informou que analisa a decisão para saber se tomará alguma medida a respeito. “A sentença saiu agora pouco e ainda vou analisar, devo recorrer de alguns pontos e assim que tiver uma visão geral posso passar todas as informações necessárias”, informou o promotor Filipe de Melo Euzébio, por meio de nota.
Antes, o promotor havia denunciado Roberta, Fernanda e Solange por associação criminosa e perigo de vida, além de tortura e maus-tratos. Mas a magistrada absolveu as três mulheres desses outros dois primeiros crimes.
“A assistência à acusação que representa uma das vítimas não se conforma com o resultado e irá recorrer ao Tribunal de Justiça de São Paulo [TJ-SP] para que a sentença seja reformada pedindo o aumento das penas e imposição de regime inicial mais gravoso. As defensoras continuarão trabalhando arduamente na busca da maior condenação possível visto a gravidade dos crimes cometidos dentro do ambiente escolar e tendo como vítimas bebês indefesos”, informa nota divulgada pelas advogadas Ana Carolina Lopes da Silva Badaró e Nathalia Ramos Martella.
“Eu quero dizer que hoje meu coração está aliviado em saber que a Justiça foi feita e as responsáveis vão responder por tudo o que fizeram”, disse ao g1 Vitória Costa Alexandrino, mãe de um menino, vítima no caso.
Uma escola e duas investigações
A Polícia Civil de São Paulo abriu em junho do ano passado outro inquérito para apurar novas denúncias de tortura e maus-tratos, desta vez, supostamente contra mais 34 crianças (20 meninos e 14 meninas) da Colmeia Mágica. Esta é a segunda investigação envolvendo a escolinha.
Entenda abaixo as duas investigações:
1º inquérito
No primeiro inquérito, aberto no início de 2022, a 8ª Delegacia Seccional concluiu que as duas donas da Colmeia Mágica e uma funcionária cometeram tortura e maus-tratos contra nove alunos (duas meninas e sete meninos). Essas crianças aparecem em vídeos e fotos que circularam nas redes sociais. As imagens mostram elas chorando, amarradas com lençóis, e presas a cadeirinhas de bebês dentro do banheiro da escola. As cenas teriam sido gravadas por funcionárias descontentes. Foram a partir dessas imagens que a polícia passou a investigar os crimes.
A Colmeia Mágica atendia crianças de 0 a 5 anos, do berçário ao ensino infantil. O caso provocou indignação nos pais de alunos. Atualmente a escolinha, fundada em 2002, está fechada.
Além de tortura e maus-tratos contra nove crianças, Roberta e Fernanda Serme, respectivamente diretora e sócia da Colmeia Mágica, e Solange Hernandez, empregada da escolinha, também foram acusadas por associação criminosa, perigo de vida e constrangimento no mesmo caso.
O Ministério Público e a Polícia Civil estão convictos de que as nove crianças sofreram violência física e psicológica dentro da Colmeia Mágica. Para esses órgãos, além dos vídeos das crianças amarradas, fotos de algumas delas machucadas após saírem da escola e laudos periciais comprovam as lesões.
As três se tornaram rés neste processo na Justiça e depois foram condenadas. As irmãs Serme estão presas preventivamente em Tremembé, interior paulista; Solange responde aos crimes em liberdade. Todas elas negam as acusações.
Antes de a juíza dar a sentença, ela ouviu, entre julho a agosto de 2022, pais das vítimas e professoras da escolinha. Outras testemunhas falaram em outubro do ano passado. Depois disso, as acusadas foram interrogadas. E nesta segunda a Justiça as condenou.
2º inquérito
Já o segundo inquérito contra a Colmeia Mágica foi aberto em 13 de junho de 2022 pela polícia a pedido do Ministério Público (MP) e por determinação da Justiça. Ele ainda não foi concluído. A Promotoria quer saber, por exemplo, se a delegacia consegue esclarecer nesta nova investigação se as duas donas e a funcionária da Colmeia Mágica tiveram ajuda de professoras na tortura e nos maus-tratos contra as nove crianças.
O MP ainda pediu para a polícia apurar se as 34 novas denúncias realmente aconteceram e quem participou delas. Essas outras queixas haviam sido feitas na delegacia pelos pais dos alunos logo que o caso veio à tona. Mas como elas não foram apuradas a fundo à época, o promotor pediu que o inquérito sobre a escola fosse desmembrado.
Ele então denunciou à Justiça as três acusadas por crimes contra nove crianças, no primeiro inquérito. E pediu a abertura de uma nova investigação para apurar a veracidade das novas denúncias. O MP quer saber se essas outras acusações ocorreram e quem são as responsáveis por elas: seja cometendo os crimes ou sendo conivente com eles, pela omissão em não denunciá-los.
Além de Roberta, Fernanda e Solange, professoras da escolinha também serão investigadas pela polícia para saber se tiveram algum envolvimento.
No primeiro inquérito, as educadoras foram ouvidas como testemunhas e não como investigadas. Naquela ocasião, elas negaram ter participado dos crimes. Haviam dito que presenciaram as cenas de violência e, por este motivo, decidiram denunciar as donas e a funcionária da escolinha.
Elas haviam contado à época que Roberta amarrava as crianças, acreditando que com isso elas parariam de chorar. Segundo elas, a diretora não suportava ouvir choros dos alunos. Segundo os depoimentos, Fernanda era conivente com a situação. Há ainda relatos de que Solange chegou a cobrir a cabeça de um bebê com uma coberta, e ele ficou internado num hospital após sentir dificuldades de respirar.
O que as 3 condenadas dizem
Roberta chegou a confirmar em seu depoimento à polícia que os vídeos foram gravados na sua escola e que as crianças que aparecem lá são seus alunos. Mas negou que as amarrasse ou ordenasse a alguém para amarrá-las. Disse ainda que desconhecia quem teria feito isso. Mas desconfiava que as cenas pudessem ter sido montadas por alguma funcionária insatisfeita para prejudicar ela e sua irmã.
Fernanda também se mostrou surpresa com os vídeos quando foi ouvida na delegacia.
Solange também negou ter cometido algum crime. Além de acusar Roberta de “embalar” as crianças, a funcionária falou à polícia, e em entrevista à TV Globo e ao g1, que as professoras da Colmeia Mágica eram orientadas pela diretora a fazer o mesmo “procedimento”. Ela ainda falou que não ajudou a patroa a amarrar os alunos. E negou que tivesse jogado uma coberta na cabeça de uma criança, a sufocando.