A diretora comercial da joalheria H.Stern, Maria Luiza Trotta, prestou depoimento na tarde de hoje (17) ao juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal, sobre a compra de joias pelo ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, e sua mulher, Adriana Ancelmo. Segundo Maria Luiza, o casal comprou 40 peças na joalheria.
Em apenas 20 joias, o ex-governador e a mulher dele pagaram R$ 6 milhões. “Eu vendi pessoalmente em torno de R$ 6 milhões, por aí”, revelou.
A diretora foi ouvida na condição de delatora porque fechou um acordo com o Ministério Público Federal (MPF). Entre um dos episódios relatados ao juiz, ela contou que Adriana já tinha uma joia no valor de R$1,2 milhão, mas quis fazer a troca por um par de brincos de brilhante solitário de R$ 1,8 milhão. Para isso, pagou a diferença de R$ 600 mil. “Teve também um brinco [comprado]de R$ 1,8 milhão”, contou. A informação sobre a compra de peças acima de R$ 1 milhão foi contestada pela defesa de Adriana.
Maria Luiza tinha um depoimento marcado para a quarta-feira passada, mas a audiência foi adiada para hoje porque o acordo de delação premiada ainda não tinha sido homologado. Se o depoimento tivesse ocorrido antes, seria na condição de testemunha. A alteração foi contestada pelo advogado da ex-primeira-dama, Alexandre Lopes. Ele informou que vai tentar anular o depoimento da diretora na condição de delatora. “Nós vamos a todas as instâncias possíveis para reformar a colheita desta prova”, disse.
A diretora da H.Stern disse que chegou a negociar vendas com ex-governador no Palácio Guanabara, sede do governo estadual, em Laranjeiras, zona sul do Rio, enquanto ele estava no cargo. Maria Luiza afirmou que o casal fazia o pagamento em cheques pré-datados que eram trocados por dinheiro vivo na data do vencimento. Ela confirmou que Cabral fez compras sem a emissão de notas fiscais. “Não foram emitidas porque ele deixava claro que gostaria de ficar sem identificação”, indicou, informando ainda que em uma compra Cabral chegou a fazer o pagamento na Alemanha.
Conforme a diretora, a ex-primeira dama também realizou compras sem notas fiscais, mas as vendas foram confirmadas pelos investigadores da Operação Calicute por meio de cópias dos certificados de cada peça. O advogado Alexandre Lopes negou que Adriana Ancelmo tenha comprado joias sem notas fiscais com o objetivo de lavagem de dinheiro.
“Não. Comprou joias com emissão de notas fiscais, seja do valor que for”, disse. Lopes acrescentou que poderia garantir que sua cliente não usava este tipo de artifício para fazer os pagamentos. “Não posso falar pelos outros, posso falar por ela. Por ela sim, inclusive, joias de valor alto. Dinheiro com lastro do trabalho dela. Ela é advogada, sócia de um grande escritório de advocacia no Rio e não ganhava mal”, completou.
O advogado duvidou da validade do depoimento de Maria Luiza. “Ela não comprova e se contradiz. Ela afirma que ora tinha documentos das vendas feitas, ora não tinha, ora produziu depois. Isso tem que ser melhor verificado, não só pelas defesas, mas pelo próprio magistrado que o fará no fim do processo, com certeza”, concluiu.
Outros depoimentos
Ainda durante a tarde foi ouvido o marinheiro José Carlos, que pilota a lancha Manhattan, usada pela família Cabral. O MPF entende que a embarcação é propriedade do ex-governador, apesar de Cabral ter negado. José Carlos disse que o casal e os familiares eram os principais usuários da embarcação em “80% das vezes”. O marinheiro acrescentou que o salário dele quase sempre era pago em dinheiro.
Pela manhã, também prestaram depoimento Michelle Tomaz, que trabalhou no escritório de advocacia de Adriana Ancelmo, e a secretária Sônia Ferreira, que atendia Sérgio Cabral há mais de 20 anos. Michelle contou que viu Carlos Bezerra, apontado como operador financeiro no esquema de propinas do Rio de Janeiro, levar semanalmente mochilas com dinheiro ao escritório. “Entre R$ 200 mil a R$ 300 mil em dinheiro”, revelou.
Sônia Ferreira contou que recebia um salário de R$ 18 mil a R$ 20 mil e era responsável pelo pagamento de cerca de R$ 40 mil aos 15 empregados da família, que trabalhavam no apartamento do casal no Leblon, na casa no Condomínio de Mangaratiba e na residência da ex-mulher de Cabral, na Lagoa. Segundo a secretária, os valores eram pagos por Carlos Miranda, preso na Operação Calicute, apontado como mais um operador financeiro do esquema de propinas. Sônia contou ainda que a despesa mensal dos Cabral era alta. “Uma média de R$120 mil a R$ 150 mil”.
Operação Calicute
Sérgio Cabral está preso desde 17 de novembro do ano passado no Complexo Prisional de Bangu. Ele foi preso no âmbito da Operação Calicute, que investigou o desvio de recursos públicos federais em obras realizadas pelo governo do estado do Rio de Janeiro. Segundo as investigações, o ex-governador chefiava um esquema de corrupção que cobrou propina de construtoras, lavou dinheiro e fraudou licitações em grandes obras no estado realizadas com recursos federais.