sábado, 9 de novembro de 2024
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Devolvidas para a morte

Quando surgiu o noticiário de que o casal Nardoni teria jogado uma criança de seis anos pela janela do sexto andar de um prédio a maioria da população deve ter…

Quando surgiu o noticiário de que o casal Nardoni teria jogado uma criança de seis anos pela janela do sexto andar de um prédio a maioria da população deve ter pensado de que seria o limite da brutalidade de um ser humano contra um indefeso, a quem deveria proteger. A acusação dos recém-assassinatos de João Vitor, treze anos, e de Igor Giovani, 12, pelo pai, João Alexandre Rodrigues e pela madrasta Eliane Aparecida Rodrigues em Ribeirão Pires, São Paulo, vem provar que o recorde de brutalidade seria batido facilmente. Mataram asfixiados com sacos plásticos, queimaram, esquartejaram e jogaram no lixo literalmente. Somente em função desse ritual macabro é que o caso se tornou notícia, pois assassinato no Brasil, de qualquer natureza e quantidade, não repercute mais.

São tantas as nuances que até o título do texto torna-se de difícil escolha. Duas crianças eram massacradas pelo pai e pela madrasta. Os parentes denunciaram à polícia e ao conselho tutelar, buscaram proteção do Estado, este lhe negou, e ainda as devolveu para a morte. As autoridades justificam com uma simplicidade como se tivessem sido dois ratos mortos.

Nome de autoridades importa menos do que os argumentos. Mas cabe destacar o do desembargador Antonio Carlos Malheiros de que a juíza, que devolveu as crianças ao martírio, tem toda capacidade de lidar com o problema, seria preciso indagar o que aconteceria se ela não tivesse. Já a imprevisibilidade voltou. Ela já serviu para justificar o apagão. A fuga do lar, o internato numa instituição, a denúncia de uma tia, o relato de colegas e de professores sobre violência sofrida não serviram para tornar previsível a gravidade da convivência. Parece que previsibilidade só existiria se houvesse derramamento de sangue na frente das autoridades.

Já o presidente do Conselho Nacional da Criança e do Adolescente, Ariel de Castro Alves, afirma que não deve ter prejulgamento. Só que, na mesma proporção, não deve ter nem para absolver nem para condenar. A afirmação de que agiram de forma correta é prejulgamento absolutório. Só não pode se for pelo entendimento de que houve erro. Sobre analisar autos para verificar quais foram as afirmações das crianças sobre certas circunstâncias, seria importante saber se fizeram as perguntas certas para se obter respostas esclarecedoras. Não há notícias de exame de corpo delito.

Maiores discussões sobre acertos ou erros só seriam cabíveis se algum elo da corrente estatal tivesse evitado os assassinatos. Caberia ter dúvida de quem e quanto se errou. Não pode restar dúvida em afirmar de que houve erro gravíssimo, pela obviedade maior de todas: as crianças estão mortas. Creditar boa intenção a agentes em casos como este é outra retórica. Intenção não se mede, nem boa nem má. O que importa é que o agente público pratique o ato como deve. Poderiam colocar na balança se teria sido melhor uma “má intenção” que evitasse a morte das crianças ou toda essa cadeia de boas intenções tendo as mortas como resultado.

Pior do que o sofrimento da morte deve ter sido a angústia no momento da ordem do retorno ao mini-campo de concentração. Quanto poder sobre tanta impotência!

Todo Estado que não protege a quem se deve, acoberta a quem não deve. Todos os envolvidos devem ficar tranqüilos. Afora a repercussão pública, e aqueles gritos ingênuos para as câmeras televisivas de “justiça… justiça… justiça…” nenhuma justiça existirá. Todos foram bonzinhos. Más, mentirosas foram as crianças. Por isso, as autoridades só faltaram afirmar que as mortes foram justas.

(Pedro Cardoso da Costa – Bel. Direito
Interlagos/S.P.)

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