O desmatamento na Amazônia entre agosto de 2020 e julho de 2021 atingiu 13.235 km², segundo números divulgados nesta quinta-feira (18/11) pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Número é superior a duas vezes a área do Distrito Federal.
O relatório anual do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes) revela que o desmatamento é o maior desde 2006, quando foram devastados 14.286 km2 de floresta.
Os números também superam em 22% os dados divulgados no relatório anterior do Prodes, segundo o qual, o desmatamento atingiu 10.851 km² entre agosto de 2019 e julho de 2020. A maior taxa na série histórica até hoje ocorreu em 2004, quando o desflorestamento foi de 27 mil km².
Entre 2009 e 2014, o desmatamento na Amazônia caiu de 7,4 mil km² para 5 mil km², atingindo o nível mais baixo já registrado. Entretanto, segundo os dados do Prodes, a devastação vem aumentando progressivamente desde 2015.
O relatório do Prodes é considerado o mais preciso para medir as taxas anuais do desmatamento na região amazônica. Dados recentes do Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), que divulga alertas mensais, já indicavam a tendência de aumento.
Governo omitiu dados na COP26
A divulgação do documento poucos dias após o término da Conferência do Clima da ONU (COP26), na qual o Brasil assumiu meta de zerar o desflorestamento. O fato de os dados terem sido divulgados somente agora gerou acusações de que o governo teria omitido a destruição durante o evento.Na COP26 em Glasgow, o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, prometeu que o Brasil irá zerar o desmatamento ilegal em 2028, ao invés da meta anterior, que era 2030. Segundo o plano, a redução deverá ser de 15% ao ano até 2024; 40% ao ano em 2025 e em 2026, e de 50% em 2027, até chegar a zero em 2028. As medidas para esse fim deverão ser implementadas a partir de 2022.
A data de 27 de outubro, que consta no relatório do Prodes, indica que o governo omitiu a divulgação prévia do documento, possivelmente para evitar reforçar a negativa do Brasil em questões ambientais, enquanto as atenções do mundo estavam voltadas para a conferência. A COP26 ocorreu entre os dias 1º e 13 de novembro.
O Sindicato Nacional dos Servidores Públicos Federais na Área de Ciência e Tecnologia do Setor Aeroespacial (SindCT), acusou o governo de esconder o relatório durante a conferência. A entidade afirma que o relatório era aguardado “com interesse” por governos, cientistas e pela sociedade civil. “Este ano, em particular, eram números muito aguardados”, afirma o sindicato, em nota.
“Mas, neste evento em Glasgow, os números do Brasil não apareceram. Jornalistas especializados buscaram informações com membros do Governo Brasileiro e foram informados que o Prodes ainda não tinha concluído o seu relatório anual. Pura mentira”, disse o SindCT.
João Paulo Capobianco, ex-coordenador do Plano de Prevenção e Controle ao Desmatamento da Amazônia e membro da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, disse que há um “duplo escândalo” na omissão dos dados pelo governo.
“O primeiro é o fato de que a nota divulgada pelo Inpe é do dia 27 de outubro, ou seja, anterior à Conferência do Clima. Trata-se da primeira vez em que o Prodes não foi divulgado antes ou durante a COP. O governo federal foi a Glasgow já ciente da taxa de desmatamento, mas, ainda assim, não a informou para as Nações Unidas”, afirmou, citado pelo portal de notícias G1.
Brasil pressionado no exterior
O Brasil está sob forte pressão internacional para reduzir o desmatamento.
A Comissão Europeia apresentou nesta semana uma proposta para proibir a importação de madeira e de alimentos que tenham origem em áreas desmatadas. A lista de produtos listadas na iniciativa inclui algumas das commodities mais exportadas pelo Brasil, como soja e carne.
O plano, que a Comissão Europeia, o braço Executivo da UE, deseja tornar uma regra vinculante para todas as nações do bloco prevê que empresas que exportem para UE demonstrem que produtos como soja, carne bovina, óleo de palma, cacau, café e madeira mostrem que suas cadeias de produção são “livres de desmatamento”.
O comissário europeu para o Meio Ambiente, Virginijus Sinkevicius, disse que o plano pretende não simplesmente combater “o desmatamento ilegal, mas também a remoção de vegetação para ampliar terras agrícolas”.
O plano prevê ainda que a medida seja estendida a derivados, como produtos à base de couro ou móveis de madeira.
A proposta ocorre em meio à pressão de grupos ambientalistas e num momento delicado para o Acordo de Livre Comércio entre a União Europeia (UE) e o Mercosul, que está paralisado desde 2019, quando vários países europeus começaram a denunciar o avanço do desmatamento no Brasil para criticar o tratado.
Países europeus como França, Holanda e Áustria também têm mencionado políticas antiambientais do presidente brasileiro Jair Bolsonaro para barrar a ratificação do acordo.
ONGs ambientalistas elogiaram a proposta da UE, mas observaram que ela não vai longe o suficiente. A WWF disse este é um “bom início”, mas a ONG apontou que, em 2018, quase 25% das importações de soja para UE tiveram como origem da região do Cerrado, um bioma gravemente ameaçado.
O Greenpeace mencionou “uma luz de esperança”, mas criticou o fato de o plano não abordar o desmatamento para a produção de borracha e milho, ou para a criação de porcos e aves.
Segundo a entidade, a proposta europeia e compromissos bilaterais assinados na COP26 pela China e EUA para combater o desmatamento “deve aumentar o isolamento e pressionar o governo Bolsonaro em suas políticas ambientais”.