A advogada Malu Borges Nunes foi repreendida pelo presidente da 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM), o desembargador Elci Simões, na manhã de segunda-feira (22), por estar com a filha, uma bebê de seis meses, durante uma sessão plenária realizada por meio de videoconferência. Um vídeo mostra o momento da repreensão e o caso ganhou repercussão nas redes sociais.
Na sessão, é possível ouvir que há resmungos da bebê ao fundo. A criança estava no colo da mãe, a advogada Malu Borges, que trabalhava no regime home office.
O desembargador Elci Simões paralisou a sessão por alguns segundos para repreender a advogada, afirmando que o barulho que a criança estava fazendo atrapalhavam a concentração da sessão.
“Eu queria pedir para Dra. Malu que… quebra o silêncio das sessões do tribunal, interferências outras na sala em que a senhora está. Isso prejudica os colegas. Não deixe que outras interferências, barulhos, venham atrapalhar nossa sessão porque é uma sessão no tribunal, não pode ter cachorro latindo, criança chorando. Se a senhora tiver uma criança, coloque no lugar adequado. São barulhos que tiram a nossa concentração. A senhora precisa ver a ética da advogada”, afirmou Simões.
A advogada, que estava amamentando a filha, respondeu a repreensão com um “Ok, excelência, agradeço a compreensão”.
Repercussão
O caso teve grande repercussão nas redes sociais. Enquanto uns criticaram a atitude do desembargador, outros apoiaram, ressaltando que sessões do gênero precisam de seriedade.
Em nota, Malu Borges pediu respeito e disse que, como outras mães no país, exerce jornada tripla, sem apoio (leia a nota completa no final da matéria).
“Nós mulheres só queremos que nossa voz seja ouvida, que nos respeitem no nosso ambiente de trabalho e na sociedade. Que nossa ética profissional não seja questionada por estarmos exercendo dupla/ tripla jornada sem qualquer tipo de apoio. A minha realidade é a de milhões de brasileiras – trabalhadora e mãe”, afirmou a advogada.
Malu afirmou, ainda, que não falhou com a ética profissional. “Minha ética poderia ser questionada somente se eu deixasse de cumprir prazos e realizar atos, o que não é o caso. Não sou antiética por trabalhar em home office com a minha filha no colo”, afirmou.
A advogada também lembrou um caso parecido que aconteceu durante uma sessão do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Na ocasião, um advogado teve atendimento antecipado por estar com o filho de 1 ano, durante uma sessão por videoconferência. Malu caracterizou o episódio que viveu como machismo estrutural, quando um comportamento reforça a desigualdade entre homens e mulheres.
O desembargador Elci Simões também se manifestou sobre o caso. Ele afirmou que recomendou, de formada educada, o silêncio durante as sessões.
“Recomendou-se educadamente e com todo o cuidado evitar barulhos durante a sessão, ainda mais em respeito à presença de outros advogados em audiência pública complexa e extensa”, disse.
A Ordem dos Advogados do Brasil do Amazonas (OAB-AM) apontou que a advogada, ao participar de uma sessão remota de julgamento no TJAM, dentro de sua residência e ao lado de sua filha, não cometeu qualquer infração disciplinar nem violou preceito do Código de Ética e Disciplina da OAB. A Ordem ainda ressaltou o papel da mãe no direito. (leia a nota completa no final da matéria)
“A OAB-AM ressalta a importância da sustentação oral, direito de todo profissional da advocacia. O que ocorreu no referido julgamento é a realidade da mãe profissional autônoma que também não tem como controlar o choro de uma criança ou exigir dela o silêncio, fato que expõe a necessidade de conscientização sobre a maternidade e a vida profissional”.
Nota da advogada Malu Borges Nunes
Nós mulheres só queremos que nossa voz seja ouvida, que nos respeitem no nosso ambiente de trabalho e na sociedade. Que nossa ética profissional não seja questionada por estarmos exercendo dupla/ tripla jornada sem qualquer tipo de apoio.
A minha realidade é a de milhões de brasileiras – trabalhadora e mãe. Obviamente que se eu tivesse uma opção melhor para deixar a minha filha (que acabou de completar 6 meses e depende de mim para tudo) enquanto eu trabalho eu aderiria, pois, a maior prejudicada sou eu, que trabalho os 3 turnos para dar conta da quantidade de tarefas.
Minha ética poderia ser questionada somente se eu deixasse de cumprir prazos e realizar atos, o que não é o caso. Não sou antiética por trabalhar em home office com a minha filha no colo. O triste episódio ocorrido no TJAM – não somente quanto a fala do Desembargador Elci, mas também quanto a falta de respeito a minha preferência legal (lactante) – infelizmente somente comprova, mais uma vez, o machismo estrutural da nossa sociedade.
Isso porque, ao passo que eu fui condenada por estar com uma bebê resmungando (não chorando) na sessão, há uma semana um pai advogado teve preferência no seu processo no STJ por estar com o seu filho de 1 ano presente (matéria de repercussão nacional, inclusive). Mesmo diante da falta de compreensão com minha situação, continuarei sustentando amamentando ou com a minha filha próxima, que é o local adequado para ela.
Nota da OAB Amazonas
A ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, SECCIONAL AMAZONAS, por meio da sua Diretoria e da Comissão Permanente da Mulher Advogada, vem a público manifestar apoio e solidariedade à Dra. MALU BORGES NUNES, advogada, inscrita na OAB/AM sob o nº A1516, pelos transtornos e constrangimento vivenciados quando em exercício de seu dever legal durante a sessão de julgamento ocorrida na manhã desta segunda-feira (22/08), por videoconferência, presidida pelo Desembargador Elci Simões de Oliveira, do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas.
O advento das audiências virtuais possibilitou a muitas mães advogadas, como a profissional ora apoiada, exercer a advocacia com plenitude que, em outros tempos, poderiam tão somente exercer a maternidade.
Sobre a equivocada afirmação do desembargador de que “é preciso ver a ética da advogada”, deve ser esclarecido que a Dra. MALU BORGES NUNES, ao participar de uma sessão remota de julgamento no TJ/AM, dentro de sua residência e ao lado de sua filha, não cometeu qualquer infração disciplinar e nem violou preceito do Código de Ética e Disciplina da OAB.
A OAB/AM ressalta a importância da sustentação oral, direito de todo profissional da advocacia. O que ocorreu no referido julgamento é a realidade da mãe profissional autônoma que também não tem como controlar o choro de uma criança ou exigir dela o silêncio, fato que expõe a necessidade de conscientização sobre a maternidade e a vida profissional.
A construção de uma sociedade igualitária exige a inclusão e respeito às condições de cada indivíduo e é uma tarefa de todos, sendo objetivo norteador desta Seccional.
O mercado jurídico evoluiu. Todavia, a maternidade ainda é uma estranha fissura em nossa sociedade. Assim, a OAB/AM repudia a posição do Desembargador Elci Simões de Oliveira em face da advogada, que não descumpriu sua ética profissional, e apenas exerceu legalmente o seu mister.