Nos bastidores da bola, há sempre um grande interesse do público sobre questões tais quais contratos e direitos de transmissão.
Os valores milionários enchem os cofres dos clubes e movimentam o mercado do jornalismo esportivo, que se renova a cada ano na produção de conteúdo, visando atingir novos consumidores e novas formas de debater o esporte. Entretanto, o fim de uma emissora traz consequências diretas às transmissões de torneios como o Campeonato Brasileiro.
A incerteza domina no cenário causado pelo anúncio do fim dos canais Esporte Interativo na televisão, divulgado no início de agosto. Há, ainda, a possibilidade do fim dos canais Fox no Brasil em cerca de sete anos.
A notícia do encerramento do EI deixou no escuro clubes como Bahia e Santos, que alegam modificações no contrato para transmissão da disputa nacional na TV fechada a partir de 2019. Além das equipes baiana e paulista, Palmeiras, Ceará, Internacional, Atlético-PR e Paraná também fecharam com a Turner.
Por que acabou?
O Esporte Interativo era um canal da empresa Turner, que foi adquirida nos Estados Unidos pela AT&T. Acontece que a gigante empresa de telecomunicações também é dona da DirecTV (Sky, no Brasil) e as leis brasileiras (Lei da TV Paga, 12.485/2012) proíbem que um mesmo grupo esteja envolvido em produção e distribuição de conteúdo no país.
A reportagem do LANCE!, entretanto, apurou que um dos motivos para o fim dos canais foi mesmo a baixa audiência e o novo perfil do consumidor do jornalismo esportivo brasileiro. A fusão com a AT&T é apenas parte de uma “decisão de negócios” da cúpula da Turner.
Demissões e fim dos canais quebram expectativas do quadro de funcionários
Às 7h30 de quinta-feira, 9 de agosto, funcionários do canal começaram a receber e-mails da Turner convocando-os para uma reunião de caráter obrigatório, às 10h30, no hotel Windsor Flórida do Flamengo (RJ). Gestores, então, começaram a contatar seus subordinados por telefone.
Parte das expectativas dos funcionários era relativa à Champions League, renovação de contratos ou até mesmo uma mudança do local de trabalho (a sede do Esporte Interativo fica em um prédio bastante antigo na rua Visconde de Ouro Preto, em Botafogo). Entretanto, antes da reunião começar, boatos começaram a correr sobre o fim dos canais devido a uma notícia divulgada por corrente em um aplicativo de mensagens.
Alguns profissionais, visivelmente emocionados na cerimônia em questão, já sabiam que seus cargos estavam mantidos. Fontes indicam que não houve um critério meritocrático na manutenção dos empregos: “teve gente que tinha bom relacionamento com a galera da panela e outros também por questão de tempo de casa”.
Foi Antonio Barreto, consultor estratégico da Turner na América Latina, quem anunciou o encerramento dos canais de televisão da emissora – deixando claro que nada mudaria nas plataformas digitais; redes sociais e os canais de Youtube (De Sola e Esporte Interativo, entre outros) seriam mantidos.
Todos os participantes do quadro de funcionários do EI receberam crachás com seus nomes digitados e um número atrás, referentes a uma sala específica no hotel onde eles deveriam se dirigir passado o anúncio.
Crachás de 1 a 3 eram para estagiários e números 4 a 9 eram de CLTs que foram demitidos. O número 10 foi distribuído a trabalhadores CLT que serão desligados em dezembro de 2018; números entre 11 a 13 significavam a manutenção do emprego.
Acordo tem melhorias após repercussão negativa do fim dos canais
Como informado inicialmente pelo “Blog do Juca”, o acordo com os funcionários desligados teve algumas melhorias para aqueles que escolhessem aderir ao plano de demissão voluntária (PDV).
O bônus oferecido para todos os profissionais seria de, no mínimo, 100% de dois salários. Funcionários com salários iguais ou menores que R$ 6 mil receberão adicionalmente, caso tenham direito, o seguro-desemprego pago junto à gratificação em três parcelas. Além disso, já tinham sido prometidos seis meses de plano de saúde e transição de carreira paga pela empresa.
O que dizem os clubes e a Turner?
Sete clubes fecharam contrato com a Turner para transmissão do Campeonato Brasileiro a partir de 2019. São eles Atlético-PR, Bahia, Ceará, Internacional, Palmeiras, Paraná e Santos. A emissora não divulgou detalhes do contrato, mas reforçou a responsabilidade em levar à frente o vínculo com os times.
Dois dos clubes que se manifestaram contrários à manutenção do contrato foram Bahia e Santos, por meio de seus presidentes Guilherme Bellintani e José Carlos Peres. Entretanto, o vínculo com a Turner não foi assinado em nenhuma das atuais gestões – quando os clubes fecharam o acordo de transmissão, os presidentes baiano e paulista eram Marcelo Sant`ana e Modesto Roma Junior.
Outro ponto digno de destaque é que os contratos com a Turner não previam a exibição das partidas em um canal especializado em esportes, como apurou o LANCE!. Confira abaixo todos os posicionamentos a respeito do caso.
Turner: “Não é política da Turner divulgar os detalhes de seus contratos, mas temos um grande respeito por todos os clubes com os quais temos acordo e esperamos continuar a construir relacionamentos mutuamente benéficos para nossos fãs.
Atlético-PR: Em contato com a reportagem do LANCE!, o Atlético-PR afirmou que o clube “não irá se pronunciar sobre isso, ao menos por enquanto”. À Folha de São Paulo, Mário Celso Petraglia – que é presidente do Conselho Deliberativo do Furacão – afirmou que foi “tão surpreendido quanto os outros clubes” e que os paranaenses iriam analisar o contrato com a Turner.
Bahia: O presidente Guilherme Bellintani afirmou à rádio oficial do clube que a transferência de conteúdo para os canais TNT e Space, por si só, já é prejudicial ao Bahia, tendo em vista que as emissoras não possuem uma identificação para com o mundo esportivo. O dirigente crê já ter embasamento legal para rescindir o contrato com a Turner – resta entender se o rompimento do vínculo será vantajoso para o clube baiano.
– Esse é um tema muito relevante, que envolve os próximos seis anos do clube. Hoje o Bahia tem 65% de seu orçamento vinculado a verbas de TV. Lógico que trabalhamos para reduzir essa dependência, já em 2018 com o crescimento do nosso faturamento em outros segmentos. Fomos surpreendidos com a notícia – enfatizou Guilherme.
Guilherme Bellintani é presidente do Bahia, que vê embasamento para romper vínculo com a Tunrer (Foto: Divulgação)
Quanto às luvas recebidas pelo Bahia em 2016: como elas não foram relativas a adiantamento, o fim dos canais Esporte Interativo (por ser uma decisão da própria empresa) não obrigada o Tricolor a devolver os valores.
Ceará: A diretoria não sabe, ao menos até o momento, como irá proceder em relação à situação com o Esporte Interativo. Ainda não há um posicionamento oficial por parte do Ceará.
Internacional: A assessoria da presidência afirmou que uma nota oficial sobre o assunto estava nos planos do clube, mas nada foi divulgado até o lançamento desta matéria. O Colorado negou uma tentativa de contato direto com o presidente Marcelo Medeiros.
Palmeiras: Não respondeu as tentativas de contato da reportagem até o fechamento desta matéria.
Paraná: O clube se resumiu a dizer, apenas, que a diretoria “não quer falar sobre o assunto no momento”.
Santos: Rodrigo Gama, diretor jurídico do Santos, revelou ao L! no dia 24 de agosto que o contrato com a Turner não previa a exibição dos jogos em um canal especializado em esportes. A diretoria do Peixe ainda não pode manifestar qualquer interesse em uma eventual rescisão do vínculo, já que a questão ainda não foi decidida pelo comitê de gestão do Santos.
Entretanto, há uma contradição interna: em matéria publicada pelo “UOL” no dia 20 de agosto, o presidente José Carlos Peres ressaltou que já existe, sim, um desejo de romper o vínculo. O mandatário ainda revelou que todos os sete clubes que fecharam com a Turner acreditam que o fim dos canais Esporte Interativo representa uma quebra contratual, o que possibilitaria a rescisão.
– Todos nós acreditamos que houve uma quebra de contrato. Estamos nos organizando para chegarmos a uma conclusão para diminuirmos esse prejuízo. Eles nem têm mais canal para transmitir, também. Levar para o TNT transmitir não faz sentido, não é isso que está no contrato – afirmou Peres.
Contrato com a Globo na TV aberta é influenciado pelo Esporte Interativo
Os clubes que fecharam contrato com a Turner para transmissão na TV fechada tiveram uma diminuição nos valores do acordo com a Globo para os jogos na TV aberta. O fator, que já era preocupante inicialmente, torna-se ainda mais digno de discussão com o fim dos canais Esporte Interativo, como ressaltou o presidente do Santos.
– A preferência (pela Globo) existiu no instante em que percebemos que a assinatura do contrato com o Esporte Interativo foi prejudicial ao clube. Calculamos que perderemos cerca de R$ 70 milhões de receitas. Isso é calculado, não é nada chutado. O que ficou com o Esporte Interativo foi a TV fechada, as cotas internacionais e a internet. Só que a Globo, a partir do momento em que perdeu três produtos, achou por direito cortar 50% (do valor do Santos). Se rompermos com o Esporte Interativo recuperamos esse valor – finalizou José Carlos Peres.