A Defensoria Pública de São Paulo tenta soltar um homem de 41 anos preso no ano passado pelo roubo de três peças de carne no valor de R$ 181,95 em um supermercado na Zona Norte da capital paulista. O homem está preso desde junho de 2020, quando ocorreu o crime, e cumpre pena no Presídio de Parelheiros, Zona Sul de São Paulo.
Desempregado e pai de uma criança de 6 anos, o homem declarou à Polícia Militar, no ato da prisão em flagrante, que havia furtado os itens porque “estava passando por dificuldades”.
Ele já tinha quatro condenações na Justiça pelos crimes de roubo e furto desde 1999, data da primeira condenação por roubo, quando foi sentenciado a quatro anos de prisão.
Em setembro de 2020, o juiz José Paulo Camargo, da 11ª Vara Criminal acolheu a denúncia do Ministério Público e entendeu que o rapaz praticou roubo com emprego de violência física na ação, não furto simples. Ele não estava armado.
A pena base fixada pelo juiz foi de 4 anos de reclusão. Por causa dos antecedentes dele, o fato de estar desempregado e o suposto emprego da força na ação, a pena foi elevada para sete anos, segundo a sentença.
“Na primeira fase de fixação da pena, observo que o réu ostenta maus antecedentes, com a prática de série de crimes contra o patrimônio, personalidade voltada à prática de ilícitos penais, e é uma pessoa desocupada. Desses fatores, advém série de consequências, elevação da pena-base em 1/20, para 5 anos e 3 meses, de reclusão, 11 dias-multa, o regime fechado, e, caso oposto recurso, o descabimento de aguardo em liberdade. O réu é reincidente. Elevo a pena em 1/3, para 7 anos de reclusão, em regime fechado”, afirmou José Paulo Camargo.
A Defensoria Pública apela ao Tribunal de Justiça de São Paulo para tentar rever a pena. No entendimento dos defensores, houve exagero no sentenciamento do rapaz, principalmente no que diz respeito ao emprego da violência contra a segurança do supermercado no momento do flagrante.
Para a defesa, “sem a ocorrência de grave ameaça ou violência a pessoa da vítima, como no caso, correta a decisão que desclassificou o crime de roubo para o de furto simples”.
“Tendo em vista os depoimentos colhidos em juízo, há dúvidas razoáveis sobre a ocorrência de violência ou grave ameaça a pessoa. O apelante, em seu interrogatório judicial, afirmou ter praticado apenas um furto, sem, entretanto, dirigir qualquer ameaça ou violência a qualquer pessoa”, afirmou a Defensoria.
A Defensoria também alega que o fato do réu ser reincidente e se desempregado não pode ser usado como forma de aumentar a pena, visto que a Justiça pode incorrer no que se chama no meio jurídico de “bis in idem”, que é a palavra em latim para a repetição de uma sanção sobre mesmo fato.
Indenização ao segurança
Apesar da argumentação da defesa, o Ministério Público sustenta que houve violência e pede nas razões de apelação que o juiz também fixe também uma multa de um salário mínimo contra o acusado, por danos morais ao segurança do mercado.
Até a última atualização dessa reportagem, O TJ-SP ainda não havia julgado a apelação da defesa.
“Diante dos fatos, além da condenação do apelado, o Ministério Público requereu a fixação dos danos morais pelo trauma causado à vítima no montante de um salário mínimo, uma vez que até a perícia médica a vítima foi obrigada a se submeter, fato este que não se apaga em um piscar de olhos da memória daquele que sofreu os efeitos deletérios da prática criminosa”, disse a Promotoria no processo.
Porém, um parecer da Procuradoria Geral de Justiça (PGJ) afirma que “a pretensão indenizatória deve ser afastada porque a vítima trabalhava como segurança do mercado e, em certas circunstâncias, o embate corporal é inerente à própria atividade, como por exemplo para impedir a fuga do agente”.
“Afora que o ferimento identificado no laudo de exame de corpo de delito foi mínimo”, disse a PGJ.
Ocorrência
Segundo o Boletim de Ocorrência do caso, ao ser flagrado pelos seguranças, o homem teria devolvido apenas uma das peças de carne que estava sob a blusa.
As outras duas, que estavam na calça, só teriam sido devolvidas após os agentes do supermercado afirmarem que a Polícia Militar seria acionada.
Ao tentar se desvencilhar dos seguranças para não ser preso, ele teria machucado os dedos de um deles. No depoimento à Justiça, o vigilante afirmou que não foi alvo de socos ou chutes. Disse, porém, que o réu era conhecido no mercado por sempre furtar.
Os policiais que atenderam a ocorrência afirmaram que chegaram ao supermercado e encontraram o homem bastante alterado.
Família do acusado
Em conversa com a reportagem do g1, a mãe do homem condenado diz que ele é usuário de crack desde os 15 anos e vivia alguns períodos na rua, por decisão própria.
Segundo ela, o homem aparecia a cada 15 dias em casa, ficando de três a oito dias com a família, mas sumindo novamente por longos períodos, sem dizer onde estava.
Faxineira aposentada, ela cuida da neta de seis anos desde o nascimento. A mãe da menina tem depressão e, mesmo tendo passado por dois tipos de câncer em 2007 – no seio e na tireoide – a avó assumiu a criação da menina.
“Estranhei que ele estava alguns dias sem dar nenhuma notícia. Soube da prisão porque ligaram da delegacia informando. Ele foi preso algumas vezes nos últimos tempos por roubar comida. Como mãe é difícil dizer isso, mas na prisão a gente pelo menos sabe onde está. E sabe que não está comendo lixo, apanhando de ninguém nas ruas ou fazendo coisa errada”, afirmou.