Em um auditório cheio em Guarulhos, Meire Camargo, de 48 anos, observa atentamente como o leiloeiro tenta vender ao público presente e a outros milhares de internautas um Fiat Bravo. “Posso vender? Ninguém quer dar mais? Olha que ele é branco e a cor está na moda. Dou-lhe duas, dou-lhe três, vendido!”. Não é a primeira vez que a empresária comparece ao local, mas desta vez está de olho em uma boa oportunidade para comprar o primeiro carro do filho. “Em tempos de crise, não está fácil pagar um automóvel novo, é preciso procurar uma alternativa, temos que garimpar por aí”, conta. Além disso, ela explica que escolheu o local porque grande parte dos veículos que seria leiloada foi apreendida de pessoas que não conseguiram pagar o financiamento. “São carros mais novos, muito mais conservados”, completa.
Em tempos de aperto financeiro, muitos brasileiros não têm conseguido manter as parcelas do carro em dia e se veem obrigados a devolver o veículo para as financeiras, que levam o bem para o leilão público para quitar a dívida. No primeiro semestre de 2015, a retomada de veículos cresceu 19% em relação ao ano passado. “O que notamos é que além do aumento de devoluções, a maioria dessas retomadas passaram a ser voluntárias, amigáveis. Antes de serem acionados pela Justiça, os donos já estão tomando a iniciativa para poupar tempo e dinheiro em um momento de recessão no país”, afirma Célio Lopes, diretor executivo do Instituto Geoc, que reúne 16 das maiores empresas de cobrança do Brasil.
As devoluções acabam fazendo os pátios de leilões se transformarem em um mar de carros e atraem mais pessoas, como Meire, que estão em busca de alternativas para conseguirem um automóvel com desconto. Antes frequentado por empresas, os leilões de carro estão começando a receber mais consumidores comuns. “O leilão é como um termômetro da crise, todo dia estamos recebendo uma nova leva de clientes. Hoje, o que mais cresce é a participação dos internautas”, afirma o leiloeiro Moacir de Santi, da Sodré Santoro.
A busca pelos leilões acontece quando o mercado de venda de novos veículos, não por acaso, recua. Até setembro, a queda das vendas de veículos novos, que inclui carros, comerciais leves e caminhões, foi de 22,7%, ou 1,95 milhão de unidades, segundo a Fenabrave (Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores). A economia na compra de um carro de passeio em um leilão pode chegar a 37%, segundo Santoro. “A variação depende de alguns fatores como modelo, cor e estado de conservação.”
Normalmente, a retomada de um veículo ocorre entre 60 a 90 dias de atraso nos pagamentos e o bem vai direto para o leilão público. Após o automóvel ser leiloado, a financeira faz o levantamento da dívida do cliente, trazendo as parcelas vencidas a valor presente e desconta-se o valor da venda e verifica se ainda há saldo devedor.
Exatamente pelo veículo de leilão ter um preço menor que o da tabela, Lopes aconselha que quem está com dificuldades de pagar o financiamento, tente primeiro vender o carro no mercado antes da entrega amigável já que é provável que mesmo com devolução será difícil abater toda a dívida. “Se não conseguir, o melhor é tentar negociar um prazo maior para quitar as parcelas”, afirma.
Devolução de imóveis na planta
A crise também tem dificultado o pagamento dos financiamentos de imóveis. No primeiro semestre de 2015, o número de pessoas que compraram imóvel na planta e desistiram porque não conseguiam mais pagar as prestações aumentou quase 30% em relação ao ano passado, segundo a Associação Nacional dos Mutuários (ANM). “Muitas pessoas não estão conseguindo pagar por perda de renda, de trabalho ou por falta de perspectiva”, afirma Carlos Alberto de Santana, diretor jurídico, ANM.
Santana explica, no entanto, que essas devoluções, chamadas de destrato, podem ser realizadas apenas quando não houve a posse do imóvel. “Caso contrário, o consumidor precisa pedir um empréstimo no banco”, explica.
As rescisões e o aperto na hora de pagar podem ficar ainda mais frequentes nos próximos meses considerando as medidas cada vez mais restritivas de acesso ao financiamento imobiliário. Na semana passada, a Caixa Econômica Federal, que detém dois terços de todos os empréstimos para compra de imóveis no país, informou que aumentaria os juros para financiar a casa própria com recursos da poupança. Essa foi a terceira alta de 2015. A taxa para não clientes da Caixa passou em outubro de 9,45% ano para 9,90%, para compras de imóveis pelo Sistema Financeiro Habitacional. O cenário só é bom para quem tem dinheiro na mão: o poder de negociação dos compradores aumenta com o avanço da crise.