Só no primeiro trimestre deste ano foram realizados 344 transplantes de órgãos no Estado de São Paulo. Esse número corresponde a um aumento de 55% em relação ao registrado no mesmo período do ano anterior (quando 219 pessoas foram transplantadas). Mesmo assim, quase 15 mil ainda permanecem na fila em todo o Estado (13 mil pacientes esperam por transplante de órgão e cerca de 1,5 mil por uma córnea).
De acordo com o coordenador da Central de Transplantes da Secretaria da Saúde, Luiz Augusto Pereira, o número de cirurgias só não é maior por conta da resistência das famílias em autorizar a doação: “Em 50% dos casos, a família se nega a autorizar a doação, muitas vezes por falta de informação”.
Para reverter essa situação, a Secretaria da Saúde tem realizado campanhas com o objetivo de sensibilizar a população e levar a discussão sobre o tema para o ambiente familiar. Na última delas, foram distribuídos 10 mil adesivos com a frase: Incentive a doação de órgãos nas praças de pedágio das principais rodovias.
Morte cerebral – Outra maneira de ampliar o índice de transplantes, segundo o médico, é o esforço conjunto dos hospitais, para encurtar o tempo entre o diagnóstico de morte, a entrevista com a família e a entrega do corpo para retirada dos órgãos. Isso porque, para que haja um transplante, é imprescindível que o coração do doador ainda esteja funcionando, o que só ocorre em casos de morte cerebral – quando o cérebro perde totalmente suas funções, mas o coração ainda bate por algumas horas. “Morte cerebral é um tema de difícil compreensão. Muitas vezes, a família não aceita a idéia de que a pessoa esteja morta, porque o coração continua funcionando”, explica Pereira.
Sem a aprovação dos familiares não há como realizar os transplantes. Nem mesmo documentos escritos deixados pelo paciente valem mais do que a autorização dos parentes. “Orientamos a quem tiver a intenção de se tornar um doador que deixe isso claro aos seus familiares”, avisa o médico.
Para comprovar o óbito cerebral, são necessários dois exames clínicos feitos por médicos diferentes e com intervalo de seis horas, além de um exame gráfico complementar. Somente os traumatismos cranianos e os acidentes vasculares cerebrais (AVCs) evoluem para esse tipo de morte. “Os hospitais devem estar preparados, principalmente os que possuem UTI, já que é para essas unidades que são encaminhados os pacientes com AVCs ou traumatismos cranianos”, informa Pereira.
Identificando doadores – O intervalo entre a constatação da morte encefálica e o início da retirada do órgão pode durar até 36 horas. Depois da autorização da família, é feita uma série de exames para detectar doenças, principalmente as infectocontagiosas, que possam inviabilizar o transplante – HIV, hepatite B ou C ou câncer. Em seguida, a Central de Transplantes é informada, para que possa identificar o paciente que irá receber a doação. Podem ser transplantados órgãos – coração, pulmão, pâncreas, rins e fígado – e tecidos – córnea, pele, vasos, ossos e medula.
Com o objetivo de formar colaboradores especializados em detectar doadores potenciais dentro dos hospitais, a Secretaria da Saúde realiza periodicamente curso de imersão (treinamento intensivo sobre determinado assunto ou disciplina) para médicos e enfermeiros, chamado Formação de Coordenadores Intra-hospitalares de Transplante. Com duração de três dias, o treinamento aborda questões como identificação do possível doador, critérios para aceitação ou descarte desse doador, abordagem da família da vítima e retirada do órgão. No ano passado, mais de 300 profissionais foram capacitados.
Doação
A doação de órgãos no Brasil é regulamentada pela Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997. Em março de 2001, essa lei foi alterada, e a manifestação da vontade de doar órgãos e tecidos, que antes deveria vir expressa na carteira de identidade ou na carteira nacional de habilitação, foi substituída pelo consentimento informado. Isso significa que, atualmente, a autorização de retirada de órgãos e tecidos de pessoas falecidas só pode ser feita por pessoas da família.
A medida prevê também a doação de órgãos em vida. De acordo com o coordenador da Central, podem ser doados rim e/ou parte do fígado para um familiar de até 4º grau de parentesco. Para doar órgãos a parentes mais distantes ou amigos, é necessária autorização judicial. Esse tipo de doação não é gerenciado pela Central de Transplantes, porque não há lista de espera, bastando haver a disposição da pessoa em doar.
Logística
O Estado de São Paulo conta, desde 1998, com dez Organizações de Procura de Órgãos (OPOs) distribuídas em várias regiões. Localizadas em grandes hospitais, essas organizações fazem buscas em instituições menores situadas nas áreas em que estão instaladas e oferecem todas as condições de suporte técnico e logístico para os transplantes. “Se há um doador em Valinhos, por exemplo, a Unicamp tem uma OPO. Na região de Franca, está o Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, também capacitado, e assim por diante”, esclarece Luiz Augusto Pereira. Na capital, existem OPOs no Hospital das Clínicas, na Santa Casa de Misericórdia, no Hospital São Paulo e no Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia.
O coordenador da Central de Transplantes garante que o transporte de órgãos é feito em tempo hábil para qualquer localidade do Estado. “Contamos com todo o apoio logístico e técnico, com vans e carros, aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) e da Polícia Militar (PM), passagem gratuita em linhas aéreas comerciais e aluguel de aviões particulares”. (Roseane Barreiros, da Agência Imprensa Oficial)