O relator da CPI da Covid, senador Renan Calheiros (MDB-AL), quer que o presidente Jair Bolsonaro seja banido das redes sociais. O pedido deve ser incluindo no relatório final do colegiado, que vai ser votado nesta terça-feira (26/10).
A medida é apoiada pela maioria dos membros da CPI e deve incluir um pedido de medida cautelar nesse sentido a ser encaminhada ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, responsável pelo inquérito das fake news, que já investiga uma rede bolsonarista de disseminação de mentiras.
O pedido da CPI ocorre quatro dias depois de Bolsonaro usar uma live para fazer declarações que associaram falsamente as vacinas contra covid-19 ao risco de desenvolver aids. Essa foi apenas a última de dezenas de declarações mentirosas do presidente em relação aos imunizantes.
A live repleta de mentiras de Bolsonaro acabou sendo excluída pelo Facebook, Instagram e YouTube. A última plataforma tambémsuspendeu a conta do presidente por sete dias. Não é a primeira vez que o presidente tem conteúdo apagado pelas redes ao longo da pandemia. No ano passado, ele já teve publicações com conteúdo falso suprimidas pelo Twitter e Facebook.
“Bolsonaro reincide a cada dia, faz questão de cometer os mesmos crimes. Não muda. Só porque a CPI se encaminha para a reta final, ele acha que vai voltar a falar sozinho de novo nas redes sociais. Essa última declaração, sobre vacina e aids, agrava ainda mais as circunstâncias dele”, disse o senador Renan Calheiros ao jornal O Estado de S. Paulo.
“Vou fazer um registro duro no relatório da CPI e estamos, adicionalmente, entrando com ação cautelar junto ao STF para bani-lo das redes”, completou.
No início do ano, Twitter, Facebook e YouTube baniram Donald Trump após o ex-presidente americano estimular a invasão do Capitólio, a sede do Congresso do país, uma ação que resultou na morte de cinco pessoas. Assim como Bolsonaro, Trump usava as redes sistematicamente para espalhar mentiras e ataques.
Na semana passada, o relatório da CPI da Pandemia imputou nove crimes a Bolsonaro, inclusive o de “incitação ao crime” por espalhar sistematicamente notícias falsas e incitar o desrespeito às medidas contra a pandemia. O relatório também apontou que Bolsonaro comanda uma rede de fake news com a participação de seus filhos e blogueiros bolsonaristas.
Mentira sobre aids
No vídeo da última quinta-feira, Bolsonaro leu um texto afirmando que vacinados com as duas doses contra a covid-19 estariam desenvolvendo a “síndrome da imunodeficiência adquirida” – o nome oficial da aids – “mais rápido do que o previsto” e que tal conclusão era supostamente apoiada em “relatórios oficiais do governo do Reino Unido”.
No entanto, não há estudos do governo do Reino Unido que mencionam tal risco. Entidades médicas e cientistas imediatamente desmentiram o presidente em redes sociais.
A notícia falsa citada por Bolsonaro foi publicada originalmente pelos sites Stylo Urbano e Coletividade Evolutiva, este último um site antivacinas que já veiculou fake news ao longo da pandemia. Os dois sites se basearam numa página em inglês conhecida por espalhar teorias conspiratórias.
O site Aos Fatos apontou que os textos divulgados por Stylo Urbano e Coletividade Evolutiva inseriram de maneira fraudulenta uma tabela que não existia em documentos oficiais das autoridades sanitárias do Reino Unido.
Bolsonaro parece ter se dado conta na live sobre o potencial de sanções das redes sociais e se limitou a ler apenas o título e recomendar aos espectadores a procurarem ler o material. “Não vou ler porque posso ter problemas com minha live.”
Na segunda-feira, Bolsonaro ainda tentou justificar suas declarações com novas mentiras, afirmando que elas constavam numa matéria da revista Exame. No entanto, a matéria da revista, publicada em outubro de 2020, a que o presidente se referiu não tem nada a ver com as falas mentirosas feitas durante a live da semana passada.
Método de fake news
Não é a primeira vez que Bolsonaro menciona estudos inexistentes para embasar sua agenda negacionista. Em fevereiro, ele mencionou um “estudo de uma universidade alemã” para afirmar que o uso de máscaras são “prejudiciais a crianças”. No entanto, como a DW Brasil revelou, o tal “estudo” não passava de uma mera enquete online altamente distorcida. Da mesma forma, a notícia havia sido divulgada inicialmente por ativistas negacionistas antes de chegar ao presidente.
Bolsonaro tem feito declarações contra vacinas desde o ano passado. Num dos casos mais notórios, ele comemorou publicamente uma suspensão temporária de testes sobre a eficácia da Coronavac. Ele também continua se recusando a tomar qualquer vacina contra a covid-19. É o único líder de um país do G20 que ainda não o fez.
Mesmo a estratégia de usar material falsificado e depois tentar minimizar a má repercussão citando de maneira distorcida um texto legítimo não é nova.
Em junho, Bolsonaro divulgou um documento mentiroso e fraudulento que apontava “em torno de 50% dos óbitos por covid no ano passado não foram por covid”. Bolsonaro disse que o documento havia sido elaborado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), o que não era verdade.
Mais tarde, quando a falsificação foi apontada, o presidente e seus apoiadores passaram a divulgar um relatório verdadeiro porém antigo do TCU que levantava a hipótese de risco de supernotificação de casos da doença – mas era só um alerta, não significando que isso tenha ocorrido.
Repúdio
A Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) foi um dos grupos que desmentiu a fala de Bolsonaro que associou vacinas à aids. Em nota, a entidade repudiou “toda e qualquer notícia falsa que circule e faça menção a esta associação inexistente”. A nota foi endossada pela Associação Médica Brasileira (AMB).
No Twitter, a epidemiologista Denise Garrett, do Instituto de Vacinas Sabin (EUA), reiterou que nenhuma das vacinas para covid-19 aprovadas pela Food and Drug Administration (FDA) e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) causam HIV. Ela também chamou Bolsonaro de “inescrupuloso”, “mentiroso” e “criminoso”.