Considerado fora do PSDB na prática, o ex-governador Geraldo Alckmin formou ao redor da sua candidatura ao Governo de São Paulo em 2022 uma frente de políticos que o apoiam e que, como ele, hoje estão em campo oposto ao do governador João Doria (PSDB) —que terá seu vice, Rodrigo Garcia (PSDB), como candidato ao comando do estado.
Aliados de Alckmin afirmam que sua saída do PSDB é certa, conforme ele próprio já admitiu, mas ainda não anunciou. Uma filiação ao PSD, que Kassab preside, e uma chapa com França também são movimentos considerados praticamente fechados, porém tampouco formalizados a um ano da eleição.
Esse grupo se reuniu em evento partidário conjunto do PSD e do PSB neste sábado (25), na região metropolitana da capital. Dali saiu mais uma fotografia dos membros da tropa de Alckmin, que já foram registrados reunidos em ocasiões variadas —do aniversário de Kassab a eventos do Sindicato dos Padeiros.
O ex-governador não planeja aproveitar o ensejo para tornar públicos seus próximos passos, mas evento neste final de semana foi definido por um aliado como uma espécie de anúncio implícito. Deve haver outro evento semelhante no sábado seguinte, em São José do Rio Preto, terra do vice-governador Rodrigo Garcia, seu possível adversário.
Em maior ou menor grau, a oposição a Doria une Alckmin, o ex-governador Márcio França (PSB), o ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD) e o presidente da Fiesp, Paulo Skaf (MDB).
França afirmou que construir esse grupo é importante e o definiu como “um embrião dessa engrenagem no futuro”, ainda que não haja definição de posições em chapas.
Neste sábado, Márcio França, que ainda não definiu se lançará candidatura própria ou se irá compor chapa com Alckmin, foi o mais vocal na ofensiva contra Doria. “Estou para encontrar um sujeito que votou nesse cara e acha que ele está indo bem. Nem na família dele a gente encontra. É por isso que nós temos que falar: Tchau, Doria”, afirmou o ex-governador, que encorajou o coro “tchau, Doria” entre os presentes.
O pessebista ainda afirmou que o tucano não possui amigos de longa data —”alguma coisa está errada”, disse—, e chamou seu vice, Rodrigo Garcia (PSDB), de “Dorinha”.
“Metade [do Brasil] gosta do [ex-presidente] Lula, do PT, desse povo. Metade não gosta. Outra metade gosta do [presidente Jair] Bolsonaro, outra metade não. O único homem que pode unir o Brasil é o João Doria: 100% não gosta”, disse França, que também responsabilizou o governador pelo número de vítimas da Covid-19 no estado de São Paulo.
“Tem um objetivo eleitoral, que é derrotar Doria e ganhar o Governo de São Paulo”, completa. Na opinião de França, o tucano acumula equívocos na sua gestão, como aumento de impostos e prejuízos aos servidores públicos.
Ainda que políticos próximos ao grupo afirmem que não necessariamente o ataque a Doria e Garcia guiará a tática eleitoral, os envolvidos na articulação guardam seus ressentimentos com o governador.
O ex-governador e quase ex-tucano Geraldo Alckmin foi mais comedido e não citou o nome de Doria ao discursar. Ele, no entanto, endossou as acusações feitas pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que tem responsabilizado os governadores pelo aumento no preço dos combustíveis. Os chefes dos Executivos estaduais negam.
“Reduzir de 25% para 12% a alíquota do ICMS do querosene, do transporte dos ricos [aviões], e aumentar o ICMS do diesel, do ônibus do trabalhador, do caminhão… Vejam o preço que está o diesel do caminhão”, disse Alckmin. “Não é razoável”, completou.
Na campanha de 2018, Doria e Alckmin se desentenderam por causa de recursos financeiros e da aproximação do atual governador com Jair Bolsonaro, de quem hoje é inimigo. Alckmin chegou a insinuar que Doria era traidor.
França, por sua vez, se consolidou na eleição de 2018 como o anti-Doria e rememora até hoje seus embates com o governador em debates. O ex-governador não poupa críticas ao tucano em entrevistas e discursos.
Kassab, que já teve uma grande briga com Garcia no passado, também se afastou do governador. Em 2018, ele chegou a ser indicado secretário da Casa Civil por Doria, mas nem assumiu o posto.
À época, ele pediu licença para se defender de acusações de corrupção após ter sido alvo de uma operação de busca e apreensão, sob suspeita de ter recebido valores ilegalmente da JBS, o que ele nega.
Até dezembro de 2020, quando deixou o cargo de vez, Kassab foi uma espécie de secretário fantasma de Doria —permaneceu licenciado, mas teve um aliado ocupando sua cadeira. Em 2021, a pasta foi assumida por um tucano.
Skaf tem relação próxima com Bolsonaro, que vive em guerra com Doria. O tucano também mirou em Skaf na campanha de 2018, relacionando-o a Michel Temer (MDB), que tinha baixa popularidade.
Skaf chegou a ganhar direito de resposta a uma peça tucana que mencionava a liberação, pela Lei Rouanet, de R$ 14 milhões a um filho do empresário.
Alckmin lidera a corrida eleitoral com 26% das intenções de voto, segundo o Datafolha. Em seguida aparecem Fernando Haddad (PT), com 17%; o ex-governador Márcio França (PSB, com 15%, empatado tecnicamente com o petista) e o líder de movimentos de moradia Guilherme Boulos (PSOL, com 11%).
Em um cenário sem Alckmin, Garcia aparece em quinto lugar, com 5%. A pesquisa foi realizada de 13 a 15 de setembro com 2.034 pessoas em 70 cidades do estado. A margem de erro do levantamento é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos.
A articulação ao redor de Alckmin tem, contudo, arestas a serem aparadas.
O ex-governador tem ainda a opção de se filiar ao partido que surgirá da fusão entre DEM e PSL. O papel de Skaf, que pode ter como destino o PSD, é incerto: poderia ser candidato ao Senado na chapa de Alckmin ou candidato a governador.
Embora França afirme que formará chapa com Alckmin, há quem duvide da sua real disposição em ser vice e aposte que ele bancará sua candidatura própria, que perdeu por pouco de Doria em 2018. Aliados de França também não descartam que ele seja o cabeça na dobradinha com Alckmin.
Há ainda a definição de alianças nacionais para a Presidência da República. Tanto o PSD como o PSB são vistos como possíveis aliados de Lula (PT), e Alckmin não gostaria da associação com a campanha petista. O PSD, por enquanto, investe na candidatura própria de Rodrigo Pacheco (DEM).
O PSB também tem ligação com Ciro Gomes (PDT) —a ideia é consolidar uma aliança entre PSB, PDT, Rede e PV.
“Qualquer aliança em São Paulo passa pelo palanque a Ciro. Se for o Alckmin, será um prazer grande, temos identidade”, afirma o presidente do PDT em São Paulo, Antonio Neto.
A questão das alianças nacionais é minimizada no entorno de França e Alckmin sob o argumento de que as coligações locais podem ser descoladas e que a polarização estadual se dá em torno de Doria.
Alckmin tem ainda o apoio do Avante. Para além dos partidos, ele busca formar uma base de eleitores no movimento sindical, mantendo contato com sindicatos e obtendo apoios sobretudo entre membros da Força Sindical e da UGT.
Questionado pela Folha nas últimas semanas, Alckmin afirmou que falaria sobre seu futuro partidário em breve. Na segunda-feira (20), venceu o prazo de inscrição nas prévias estaduais do PSDB de São Paulo —apenas Garcia se inscreveu, o que consolidou o processo de saída de Alckmin do partido que ajudou a fundar, em 1988.
Naturalmente, Alckmin se tornou um polo congregador da já conhecida rejeição a Doria no PSDB. Principal adversário do governador na sigla, o deputado Aécio Neves (PSDB-MG) divulgou uma carta aberta nesta semana em que diz considerar “incompreensível o silêncio do PSDB” sobre a “eminente saída” de Alckmin.
Aécio presta solidariedade a Alckmin e não poupa críticas veladas a Doria, que teve Alckmin como padrinho político. Garcia também foi secretário de Alckmin de 2011 a 2018.
“Insisto: o silêncio de nossos líderes, especialmente alguns de São Paulo, que trabalharam a seu lado ou dele receberam decisivo apoio em suas trajetórias, atualizam, lamentavelmente, a velha máxima, segundo a qual, na política, o dia da gratidão é a antevéspera da traição, ou, como diria Leonel Brizola: ’a política ama a traição, mas abomina o traidor’”, afirmou Aécio.
Alckmin também recebeu aceno do rival interno de Doria nas prévias presidenciais tucanas, o governador Eduardo Leite (PSDB-RS). Aliados de Alckmin afirmam que sua demora em se desligar do PSDB tem como objetivo ajudar Leite, já que a saída do ex-governador pode provocar uma baixa na militância paulista que apoia o gaúcho.
O próprio ex-governador afirma estar distante dessa disputa, mas dois ex-presidentes do PSDB de São Paulo ligados a ele, Pedro Tobias e Antonio Carlos Pannunzio, divulgaram carta de apoio a Leite.
Questionado sobre apoio de Alckmin, Leite afirmou ter respeito e admiração pelo ex-governador. “Ele é peça importante nesse processo. Eu vou trabalhar até o último minuto para que ele permaneça no PSDB e esteja conosco neste processo. É um conselheiro”, disse na terça (21).
Do outro lado, Doria também montou um time ao redor de si e de Garcia, com nomes tucanos como Antônio Imbassahy e Aloysio Nunes, e de partidos aliados, como Baleia Rossi (MDB) e a ala do DEM paulista comandada por Alexandre Leite e Milton Leite. Rodrigo Maia (sem partido) foi outro reforço na articulação.
O presidente do PSDB de São Paulo, Marco Vinholi, afirma que o projeto de Doria e Garcia “aglutina majoritariamente as forças políticas de São Paulo” e que cada vez mais aliados “irão fortalecer esse campo, sem comprometer nossa coerência política”.
Para Vinholi, Doria é uma alternativa de desenvolvimento para o país, enquanto Garcia “é a grande esperança para fazer São Paulo seguir avançando”.
Garcia, sem expressão nas pesquisas, tem a seu favor a máquina do Palácio dos Bandeirantes. Neste ano, o governo anunciou um programa de obras e investimentos de R$ 47,5 bilhões e um programa social de R$ 1 bilhão. A Folha revelou que Doria multiplicou os repasses a deputados federais e estaduais.
“Formar uma frente [de apoiadores] é importante, porque não temos dinheiro. É tostão contra milhão”, afirma Tobias, ressaltando que o Orçamento de São Paulo pode não comportar as promessas de Doria.
O ex-dirigente tucano afirma que a aliança de Alckmin tem um tom de oposição a Doria, mas que não é só esse seu atrativo. “Geraldo é um candidato bom, com chances grandes de ganhar.”
Com recall político, Alckmin larga na frente, mas é visto em pesquisas qualitativas como alguém que já teve seu momento —ele governou São Paulo por mais de 12 anos em quatro mandatos.
Sua nova candidatura vem após ter amargado o pior resultado do PSDB em eleições presidenciais em 2018, com 4,76%.
Para evitar um novo tombo, Alckmin busca ampliar seu eleitorado entre os trabalhadores por meio de reuniões e eventos em sindicatos. Questões como precarização e desigualdade fazem parte do seu discurso a esse público.
O secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves, o Juruna, afirma que, em sua central, uma parcela significativa de dirigentes apoia Alckmin, sobretudo na aliança com França. O candidato do PSB teve apoio majoritário dentro da Força em 2018.
“Alckmin é aberto ao diálogo e tem visitado várias entidades nossas, de frentistas, padeiros, químicos, metalúrgicos. Alckmin e França é uma dobradinha forte”, avalia Juruna.
“A estratégia eleitoral de se aproximar dos sindicatos é importantíssima, porque os sindicatos têm muita representatividade, muitas raízes em diversas cidades. E os sindicatos estão em busca de quem possa fortalecer a instituição, de ter um canal, já que [Michel] Temer e Bolsonaro prejudicaram a organização dos trabalhadores”, completa.