Os comandantes do Exército, Marinha e Força Aérea decidiram colocar seus cargos à disposição do novo ministro da Defesa, general Walter Braga Netto, em uma reunião prevista para o começo da manhã desta terça (30).
Eles querem acompanhar a saída do general Fernando Azevedo da pasta, demitido pelo presidente Jair Bolsonaro nesta segunda-feira (29) após seguidas negativas de apoio político ao governo federal.
Segundo um interlocutor de Azevedo, o limite da relação dos dois foi atingido a partir da semana passada, quando Bolsonaro voltou a insinuar que queria o apoio do Exército para aplicar medidas de exceção como o estado de defesa em unidades da Federação que aplicam lockdowns contra a pandemia.
A relação entre ambos já vinha desgastada pelo que um aliado do presidente qualificou de falta de apoio político das Forças Armadas, decididas a se afastar dos fardados que ocupam o governo federal.
Para esse aliado, há pouco reconhecimento ao fato de que Bolsonaro trabalhou para manter benesses à categoria com a reforma previdenciária e administrativa das Forças, aprovada em 2019, além de garantir investimentos na maioria dos programas bélicos prioritários.
O problema foi explicitado por Azevedo em sua carta de demissão, na qual omite que foi demitido, mas ressalva que buscou preservar as Forças Armadas como instrumentos de estado —em oposição à ideia bolsonarista de uma milícia de apoio ao governo.
O combinado entre os comandantes, que se encontraram com Azevedo e depois fizeram uma reunião, era entregar o cargo conjuntamente. Braga Netto pediu para que eles esperassem e se encontrassem nesta terça-feira.
Se Edson Leal Pujol (Exército), Ilques Barbosa (Marinha) e Antônio Carlos Bermudez (Aeronáutica) saírem juntos, isso terá sido inédito. Os dois últimos podem ficar, caso Braga Netto os convença a evitar mais turbulência.
Já Pujol é o único cuja permanência não é especulada por ninguém, dado o grau de animosidade entre ele e Bolsonaro. O presidente já havia tentado tirá-lo do cargo no ano passado, como a Folha revelou.
É uma disputa que vem do ano passado, simbolizada no dia em que Pujol ofereceu o cotovelo a um aperto de mão do presidente. O comandante chamou o esforço contra a Covid-19 de maior missão de sua geração, enquanto o chefe promovia aglomerações e falava em “gripezinha”.
Tal diferença se acentuou. Como chefe da Força mais importante, coube a Pujol riscar a linha no chão ao dizer em uma palestra que os militares tinham de ficar fora da política. A crise seguiu com a insistência do general Eduardo Pazuello em se manter na ativa enquanto conduzia a sua criticada gestão no Ministério da Saúde.
Com as novas insinuações de Bolsonaro sobre os usos do que chamou de “meu Exército”, as insatisfações foram transparecendo, como a Folha mostrou na semana passada. Agora, transbordaram.
Em reunião posterior com os integrantes do Alto-Comando do Exército, por videoconferência, Pujol discutiu os cenários.
Segundo o pouco que transpareceu até aqui do encontro, as Forças querem dar um recado claro a Braga Netto de que não aceitariam ser usadas por Bolsonaro em qualquer iniciativa golpista.
Uma forma de isso acontecer sem sugerir insubordinação é a costura dos nomes dos novos comandantes. Na FAB e na Marinha a situação é relativamente tranquila, por serem forças de menor peso relativo.
No Exército, o ideal debatido seria a apresentação de nomes com apoio consensual do Alto-Comando e que não fossem muito próximo do bolsonarismo. Há uma questão a avaliar, prezada pelos militares, que é a antiguidade.
Tradicionalmente, o ministro da Defesa apresenta três nomes para o presidente escolher para o comando, todos os mais antigos da Força, e na maioria das vezes o que tem mais tempo de caserna leva.
A partir desta quarta (31), o mais longevo general de quatro estrelas da ativa será José Luiz Freitas (Operações Terrestres), que irá à reserva em agosto. O mais antigo, Decio Schons (Departamento de Ciência e Tecnologia), vai à reserva neste dia.
Um nome denso é o do número 2 da Força, Marco Antônio Amaro dos Santos, que será o segundo mais antigo. O terceiro será Paulo Sérgio (Pessoal), que irritou Bolsonaro ao conceder entrevista na qual mostrou ações do Exército contra a Covid-19.
Na sequência vêm Laerte Souza Santos (Comando Logístico) e o comandante do Nordeste, Marco Antônio Freire Gomes, nome bastante ventilado, apesar de nem fazer parte dos três mais antigos. Todos são vistos como muito próximos e alinhados a Pujol.
Seja qual for o desfecho da reunião desta terça, o certo é que Bolsonaro contratou uma ameaça de crise militar com sua mudança ministerial desta segunda. E na quarta (31) se completam 57 anos do golpe de 1964, uma data central e sensível do calendário militar brasileiro.