“Sempre que eu estava trabalhando e a Débora*, a babá da minha filha, ia ao clube com ela, era um estresse. A gente nunca sabia se os seguranças iam deixá-la entrar ou não. Tudo porque o clube exige que babás vistam branco. Tentei conversar com a direção, mas não adiantou. Um dia eu cansei.”
O depoimento acima é da advogada paulistana Roberta Loria que acionou o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) com uma denúncia de discriminação por parte do Esporte Clube Pinheiros (zona oeste de São Paulo).
“Não é só para resolver o nosso problema. É uma questão social. É revoltante essa discriminação ainda ocorrer. Sou sócia do Pinheiros há pouco mais de um ano e jamais imaginei que isso acontecesse”, disse à BBC Brasil.
Após a denúncia, a promotora de Justiça Beatriz Helena Budin Fonseca resolveu abrir um inquérito civil contra o Clube Pinheiros (MP 43.0725.0000489/2015-2). Outros clubes de elite da capital paulistana também estão na mira do MP.
De acordo com o Ministério Público, o objetivo do inquérito é apurar a prática de discriminação social pelo clube ao exigir que as babás que acompanham as crianças sócias estejam vestidas de branco.
Uniforme e áreas exclusivas
Questionado pela BBC Brasil, o Clube Pinheiros confirmou que “a utilização de uniforme na cor branca pelas babás está devidamente regulamentada através de normativa interna do clube” e afirmou que “assim como é comum em organizações a utilização de uniforme e crachá, o Pinheiros adota o mesmo tipo de sistema”.
O clube confirmou ainda a existência de algumas partes do local que são proibidas às babás, como relatadas por sócios ouvidos pela reportagem. “Existem áreas, como piscina e locais de eventos, que possuem regras específicas para o acesso, podendo ser reservadas exclusivamente aos associados. O clube ainda ressalta que repudia qualquer tipo de pré-conceito ou discriminação de qualquer caráter.”
A promotora, no entanto, discorda da visão do clube.
“Ao exigir o uso de determinada roupa pelas babás, o clube pretende marcar as pessoas que estão no local, circulando entre os sócios, mas que pertencem a outra classe social”, afirmou Beatriz à BBC Brasil, ressaltando que outros acompanhantes dos sócios, como parentes, não são obrigados a usar branco.
“A discriminação é evidente porque viola os princípios constitucionais da igualdade e da dignidade da pessoa humana. A regra é discriminatória.”
Ameaças
Roberta conta que a regra para babás no clube não é algo explícito, que esteja em um quadro pendurado na parede ou algo do tipo.
Tanto que, nas primeiras vezes que a babá e a menina foram ao clube, não houve problemas. “A Débora poderia passar por mãe da minha filha. Então, quando as duas estavam sozinhas, acho que não percebiam que ela era babá e ela não era barrada”, conta.
“Mas, quando ela foi identificada como babá, os problemas começaram. Os porteiros não queriam deixá-la entrar, falavam que ela tinha de usar uniforme, ameaçavam. Uma vez em que ela tentou argumentar, disseram que iam me mandar uma carta de advertência”, conta.
“E também achei péssimo quando, uma vez em que eu estava com a Débora e os funcionário falavam sobre ela, só olhavam para mim, como se ela não estivesse lá. Fora que ela já relatou que uma sócia interrompeu a conversa com ela assim que descobriu que ela era a babá da minha filha e não a mãe.”
Por temer problemas futuros, Débora preferiu não falar com a BBC Brasil e pediu que sua identidade fosse preservada. Segundo Roberta, a babá acha que ela está “comprando briga à toa”.
“O mais triste é que acho que, de tão acostumada a esse tipo de tratamento, não percebe a gravidade do problema, acha que é só uma questão de roupa.”
“Nada justifica”
A juíza Beatriz Fonseca, no entanto, explicou como, em sua visão, o problema vai muito além disso.
Segundo ela, é válido que o clube exija que seus funcionários usem uniforme, por existir um motivo para isso. “Os sócios podem identificar os funcionários e solicitar a prestação de serviço de forma mais célere”, diz.
“Mas qual a necessidade de babás serem identificadas pelos demais sócios? Nada justifica esta obrigatoriedade, a não ser a possibilidade de imediata identificação de que a pessoa não é sócia. Mas qual a necessidade desta identificação? Afinal, os convidados dos sócios, amigos, e familiares não são obrigados a usar uma identificação que os discrimine, que indique não serem associados.”
Exemplo carioca
O ofício contra o Clube Pinheiros foi enviado pelo Ministério Público no dia 10 deste mês. O clube, que diz que até esta segunda-feira não havia recebido o documento, tem 20 dias para se posicionar.
Após o posicionamento do Pinheiros, o Ministério Público vai decidir se entrará com uma ação pública. Outra possibilidade seria a realização do chamado Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), um instrumento jurídico no qual os clubes assumiriam o compromisso de ajustar suas regras conforme solicitado, sob risco de sofrerem sanções (normalmente multas).
Roberta, que está grávida do segundo filho, conta que uma de suas expectativas com o caso seja um desfecho semelhante ao que aconteceu no Rio de Janeiro.
No ano passado, o governador Sérgio Cabral sancionou uma lei proibindo clubes de exigir uniforme para a entrada de babás e de acompanhantes de idosos, com pena de até R$ 2,5 mil para quem não cumprir a regra.
Semelhante ao caso de São Paulo, a lei foi criada a partir de uma representação no Ministério Público feita pela ONG Educafro. A promotoria então instaurou um inquérito civil para apurar possíveis casos de discriminação nos clubes de elite Paissandu, Naval Piraquê, Jockey Clube e Caiçaras, na zona sul.
A denúncia da ONG veio na esteira de um caso ocorrido no clube Caiçaras, na qual a babá Elaine Pacheco foi barrada por não estar de branco, mesmo com seu nome estando na lista de convidados de um evento que ocorria no local.
* A pedido da babá, seu nome real foi omitido