Fazia tempo que torcida e crítica não confiavam tanto na capacidade de um treinador em levar a Seleção Brasileira a conquistar a Copa do Mundo.
Nem Luiz Felipe Scolari e Carlos Alberto Parreira conseguiram tal feito quatro anos atrás. E olha que o Mundial foi no Brasil. O currículo vitorioso de ambos não os livraram da dúvida, que se mostraria acertada. Com Adenor Leonardo Bachi a expectativa é diferente. Ele dá início hoje ao maior desafio de sua carreira. Imenso. Mas a crença de que irá conseguir é bem forte.
Gaúcho de 57 anos, Adenor, ou simplesmente Ade no seio familiar, Gringo para as dezenas de amigos da infância no rincão de São Braz, em Caxias do Sul (RS), que faz questão de conservar, desfruta da confiança de grande parte dos brasileiros. Pesquisa recente da Kantar Ibope Media mostrou que 66,4% acreditam que a Seleção vai ganhar a Copa. Muito por causa de Tite.
Ele é conhecido de 89% dos brasileiros, de acordo com outra pesquisa, do Ibope Repucom. Na seleção que tentará o hexa, só fica atrás dos 97,3% de Neymar. Depois do amistoso Brasil 3 x 0 Áustria, entrevistados pelo Alexandria Big Data deram 8,8 a Tite, nota bastante significativa para um treinador.
Até seus críticos andam suave. Estabeleceu-se uma espécie de Tite Futebol Clube no futebol brasileiro. “Isso me assusta, sou um ser humano e falho como todo mundo”, disse ao Estado durante conversa em fevereiro. Não é a responsabilidade que o assusta e sim a expectativa criada. “Já me pararam no aeroporto e pediram: ?Tite, traz o hexa para nós?. É uma carga muito grande”.
Tite é ídolo até mesmo entre os jogadores, que normalmente recorrem a frases protocolarem para falar de seus treinadores. Do atual comandante, é comum que falem com admiração. Que o diga a estrela da companhia. “A chegada do Tite mudou a seleção. Todo mundo está se sentindo mais leve. E ele me surpreendeu muito como treinador. É um dos mais bem preparados e melhores com quem trabalhei”, definiu certa vez Neymar quando perguntado sobre Tite.
Willian também age como fã ao falar de Adenor. “Ele é mais que um técnico, é como um pai, sabe controlar o grupo, é diferenciado. Passa a mensagem correta para os jogadores”, elogiou recentemente. Thiago Silva resume bem o que pensa o grupo. “Tite foi fundamental para a retomada da seleção”.
Essa admiração, o respeito e a confiança no treinador podem ser observados nos treinos. Todos, absolutamente todos, os jogadores da seleção escutam atentamente suas instruções e procuram fazer que ele diz. Essa foi uma característica dessa fase de preparação iniciada em Teresópolis e com passagem extensa por Londres.
HUMANO – Transparente. Sincero. Humano. Tite procura ser sempre assim. E com olhar aguçado para as questões táticas, aberto a ideias e opiniões daqueles que confia, atento a tudo, ele constrói há dois anos sua história na seleção. Uma história que a ser ver começou com dois anos de atraso.
Após o retumbante fracasso do Brasil em 2014, Tite achou que era sua vez. Havia conquistado títulos do Corinthians, entre eles Libertadores e Mundial, passara ano sabático estudando com alguns dos mais renomados técnicos da Europa e tinha torcida e boa parte da mídia a seu favor. Mas o então presidente da CBF Marco Polo Del Nero preferiu dar nova chance a Dunga.
Tite engoliu a seco, mas não deixou a decepção entalada na garganta. “Entendia que era minha vez, estava preparado. Fiquei chateado”, externou sem cerimônia a sua frustração.
Voltou ao Corinthians e se pôs a esperar. Não torcia contra Dunga, mas não abandonara o objetivo. A persistência é uma das características de Tite desde os tempos do time da escola em Caxias do Sul. Época em que teve como padrinho alguém com quem hoje mal fala: Luiz Felipe Scolari. Foi Felipão que o levou para o juvenil do Caxias e que o aconselhou a “roubar” o apelido de um companheiro da equipe escola, pois Ade não era nome de jogador de futebol. Sem pedir licença ao amigo Altemir, ele virou Tite.
Profissionalizou, jogou por várias equipes – teve algum destaque na Portuguesa e Guarani – mas foi vencido pelos joelhos. Após oito cirurgias, desistiu do lado de dentro do campo aos 27 anos. Decidiu atuar rente à linha lateral. “Não fui um grande atleta, um grande jogador”, assumiu Tite.
Tornou-se técnico, perambulou por equipes pequenas, sofreu com a falta de dinheiro, mas a mãe, Ivone, o pai, Genor, e o amor da infância, Ivone, que se tornaria sua mulher, sempre lhe deram forças para que não desistisse do sonho der treinador.
Até que, após cerca de uma década de vacas magras, levou o Caxias ao título gaúcho de 2000. No ano seguinte, já estava no Grêmio, campeão da Copa do Brasil. Sempre obstinado por táticas, mas também pelo acompanhamento minucioso, técnico e estatístico, de jogadores e adversários, Tite foi crescendo como treinador. Misturou boas passagens com outras ruins por clubes. “Até hoje acho que estou devendo algo ao Atlético Mineiro, pois fiz um trabalho muito ruim lá (em 2005)”, admitiu. Na ocasião, Tite treinou o time mineiro por 21 jogos. Com péssima campanha, pediu demissão. O próprio Tite admite ter tido culpa no rebaixamento da equipe mineira naquele ano.
O ponto alto da carreira de Tite foi no Corinthians. Foi no time do Parque São Jorge que Tite chegou perto do topo. Campeão brasileiro, da Libertadores, Mundial. Ele, porém, estava inquieto. Desgastado, optou pelo ano sabático. Foi se reciclar, aprender, e esperar pela seleção.
Em 2014 ela não veio. Chegou em 2016, quando Tite novamente fazia bom trabalho no Corinthians. A seleção fazia péssima campanha nas Eliminatórias. Após a eliminação da seleção brasileira, ainda na primeira fase, da Copa América Centenário, Dunga foi demitido.
Apesar de crítico da administração Marco Polo Del Nero – chegou a apoiar um abaixo assinado que pedia a renúncia do cartola – aceitou de pronto o convite. Del Nero também não o queria. Mas encalacrado com escândalos que viriam a bani-lo do futebol, achou melhor ouvir a voz do povo, e da mídia.
Tite não iria desperdiçar a chance. Aceitou o convite, assinou contrato até o fim da Copa de 2018 – a CBF já conversa para renová-lo até 2022 -, montou a comissão técnica junto com o inseparável escudeiro Edu Gaspar, também coordenador de seleções, e começou a trabalhar.
Pegou o Brasil em sexto lugar nas Eliminatórias e admitiu o risco de não obter a classificação. Mas a primeira coisa que fez foi ganhar o grupo. Esperou o último dos convocados para o jogo contra o Equador, sua estreia, se apresentar – foi Rafael Carioca, na época no Atlético Mineiro. Na antevéspera da partida reuniu todos que estavam na delegação, do roupeiro ao coronel Antonio Nunes, então presidente em exercício da CBF, e deu o recado.
“Aqui, somos todos iguais. Todos têm importância. Do trabalho e da dedicação de um depende o sucesso do outro. Confio em todos que aqui estão, sem exceção, e tenho certeza de que faremos um grande trabalho”, foi o resumo da preleção de Tite, de acordo com pessoa presente naquele encontro no hotel, em Quito.
A testemunha relatou também que os jogadores, enfastiados com o mau humor de Dunga, ficaram agradavelmente surpresos. Compraram a ideia. Dali em diante, é o que se sabe. A seleção arrancou para a classificação à Copa mais antecipada de sua história, bateu recordes de vitórias consecutivas, voltou a empolgar com seu futebol, recuperou o prestígio e o respeito dos adversários.
Tite surfa nessa onda, que ele ajudou a ganhar altura. Carismático, empresta a imagem para quatro campanhas publicitárias, e ganha muito bem por isso. Mas não deixa de ser o Ade, o Adenor, o Gringo. Revela frio na barriga e ansiedade com o desafio que começa neste domingo em Rostov contra uma Suíça que define como perigosa. Crê ter preparado uma seleção vencedora. Mas, humano que lembra ser, admite temer um possível insucesso.
“Isso é real, mas tenho de conviver com essa possibilidades que tenho”, reconheceu. Mas pânico está longe da cartilha do religioso, convicto e determinado Tite. “Uma pitada de medo faz com que você te prepare melhor, se desafie mais. Eu me desafio, quero ser o melhor Tite possível”.
E a proximidade do desafio na Copa do Mundo o deixou mais ansioso. Nessas últimas semanas, Tite sempre fica por alguns minutos isolado do grupo, do outro lado do campo, meditando. Olha para os jogadores e depois para o céu, talvez rezando, várias vezes. Depois, se deixa absorver pelo trabalho.
Ele sabe que praticamente toda uma nação confia na sua capacidade de levar o Brasil ao hexa. Confia até para o que não deve, segundo o próprio treinador. Pesquisa feita em dezembro pelo Instituto Paraná mostrou que 14% das pessoas votariam nele para presidente. O tempo passou, mas o tema não morreu.
Na véspera do amistoso que o Brasil jogou em Liverpool, no último dia 3, um jornalista croata questionou: “Tite, você ganhou todos os títulos possíveis em clubes e agora tenta a Copa. Se ganhá-la, já estão falando que você será o próximo presidente do Brasil, você aceitaria?” Tite, que já disse várias vezes não pensar em se envolver com política, desconversou. Embora não queira, ele pode até vir a se tornar herói da nação. Mas fazendo o que sabe, e gosta, de fazer.