Depois de falar e agir durante meses em oposição à vacina contra Covid-19, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse neste sábado (3) que, caso recomendem que ele seja imunizado, ele o fará.
Ao retornar ao Palácio do Alvorada depois de uma volta com o novo ministro da Defesa, general Walter Braga Netto, para tomar sopa em uma região administrativa próxima a Brasília, Bolsonaro disse a jornalistas que pode ir a um posto de saúde, mas que, como já foi infectado pelo novo coronavírus, prefere que outras pessoas sejam imunizadas antes.
A vacina contra Covid-19 é indicada mesmo para quem já contraiu o vírus.
“Já estou imunizado com o vírus. Se acharem que devo vacinar, vacino, não tem problema nenhum. Mas acho que esta vacina minha tem que ser dada para alguém que ainda não contraiu o vírus e corre um risco muito, mas muito maior que o meu”, disse Bolsonaro.
No Distrito Federal, começou neste sábado (3) a vacinação de pessoas com 66 anos, idade do presidente. “Da minha parte, não tem problema nenhum buscar um posto de saúde, já que entrou aí a minha faixa etária em se vacinar”, afirmou.
Em sua live de quinta-feira (1º), ele disse que queria ser o último brasileiro a ser vacinado. “Depois que o último brasileiro for vacinado, se estiver sobrando uma vacina, daí eu vou decidir se vacino ou não”, afirmou o presidente, que tenta se equilibrar entre a defesa da vacinação e os acenos a sua base eleitoral mais radical.
Neste sábado, o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), 63, foi imunizado em Petrolina (PE), cidade administrada por seu filho Miguel Coelho. “Cada dose aplicada é um passo que damos para vencer a guerra contra a pandemia”, disse o senador em nota.
“Esperamos, brevemente, termos alcançado um número bastante grande de vacinados de modo que essa pandemia deixe de nos assustar”, disse Jair Bolsonaro neste sábado.
A imunização do presidente será o maior símbolo da mudança de discurso do presidente, que viu sua popularidade cair ao mesmo tempo em que o número de mortes cresceu.
Para tentar estancar a sangria, Bolsonaro se viu obrigado a ignorar tudo o que já falou e fez contra as vacinas. “Eu digo pra vocês: eu não vou tomar. É um direito meu”, disse o presidente durante live em 26 de novembro do ano passado.
“Eu não vou tomar vacina e ponto final. Minha vida está em risco? O problema é meu”, disse o presidente em entrevista ao Brasil Urgente, da Band, em 15 de dezembro.
Dois dias depois, em discurso em Porto Seguro (BA), voltou ao assunto. “A vacina uma vez certificada pela Anvisa vai ser extensiva a todos, queiram tomar, eu não vou tomar”, disse Bolsonaro na mesma cerimônia em que disse que quem tomasse a vacina da Pfizer poderia virar jacaré.
“Alguns falam que eu estou dando péssimo exemplo. Ô imbecil, ô idiota que está dizendo que eu estou dando péssimo exemplo, eu já tive o vírus, eu já tenho anticorpos. Para que tomar vacina de novo?”, indagou, já ignorando que a vacina é recomendada para quem já foi infectado, como é o caso do presidente.
Em 4 de fevereiro deste ano, durante uma de suas lives semanais, Bolsonaro estava acompanhado do diretor-presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Antonio Barra Torres, que disse que, assim que chegasse sua vez, tomaria a vacina contra a Covid-19.
Na transmissão ao vivo, Barra Torres convidou o presidente a fazer o mesmo, mas Bolsonaro recusou.
Em tom de brincadeira, Bolsonaro perguntou se poderia ele mesmo vacinar o presidente da Anvisa. “Vai ter uma moeda de troca. Quero saber se o senhor está disposto”, disse Barra Torres, ouvindo como resposta uma gargalhada do presidente. “Sem contrapartida aí”, disse Jair Bolsonaro.
Em diversos momentos, o presidente da República desincentivou as pessoas a se imunizarem.
“Vocês sabem quantos por cento da população vai tomar vacina? Pelo o que eu sei, menos da metade vai tomar”, afirmou em 7 de janeiro na porta do Palácio da Alvorada.
Além de falar, Bolsonaro já agiu contra a vacinação. O presidente só acelerou as negociações para compra de imunizantes depois que o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), começou a articular a compra da chinesa Coronavac.
Em várias oportunidades, Bolsonaro fez pouco caso do imunizante que acabou garantindo o início da vacinação no país.Em outubro do ano passado, o presidente desautorizou o general Eduardo Pazuello, então ministro da Saúde, que havia anunciado acordo com São Paulo para a compra de doses da Coronavac.
“Não será comprada”, disse em 21 de outubro. Naquele mesmo dia, em entrevista à rádio Jovem Pan, ele prosseguiu com as críticas. “Da China nós não comparemos, é decisão minha. Eu não acredito que ela [vacina] transmita segurança suficiente para a população pela sua origem”, declarou.
Já em 18 de janeiro, um dia após Doria, seu adversário político, começar a imunização em São Paulo, Bolsonaro referiu-se à Coronavac como “vacina do Brasil”.
Em março, a Folha revelou que o governo brasileiro rejeitou no ano passado proposta da farmacêutica que previa 70 milhões de doses de vacinas até dezembro deste ano. Do total, 3 milhões estavam previstos até fevereiro, o equivalente a cerca de 20% das doses distribuídas no país até o início de março.
Também por opção do governo foram adquiridas doses para apenas 10% da população por meio do consórcio Covax Facility. Documentos mostram que cada país poderia optar por doses para 20% da população ou mais.
Desde o início da pandemia, há pouco mais de um ano, Bolsonaro tem minimizado a doença, a qual já se referiu como gripezinha.
Ele já usou as palavras histeria e fantasia para classificar a reação da população e da imprensa à pandemia. Tem criticado as medidas de isolamento social no país e disse que os problemas precisam ser enfrentados pela população.
No início deste ano, quando os números apontavam para novo avanço da Covid-19 no país, Bolsonaro afirmou que o Brasil estava vivendo “um finalzinho de pandemia”.
Diante da escalada de mortes, a popularidade de Bolsonaro começou a cair e o presidente passou a perder apoio do empresariado. Para dificultar ainda mais os planos de reeleição do atual inquilino do Palácio do Planalto, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) retornou ao jogo político.
Foi então que o governo deu início ao “Plano Vacina”, uma estratégia de marketing para transformar Bolsonaro de líder de movimento antivacina em alguém que não se limita a criticar medidas de distanciamento social e a recomendar uma cesta de medicamentos ineficazes.
Bolsonaro passou a aparecer de máscara em algumas ocasiões, repete ações de seu governo ao longo da pandemia e procurou fazer parceria com o Congresso, que deu diversos sinais de que havia perdido a paciência com a condução do presidente no enfrentamento à pandemia.