A empresária apontada como contratante dos painéis gigantes que associavam a esquerda política ao PCC, ao narcotráfico e à censura em Porto Alegre foi citada no inquérito da Polícia Federal (PF) sobre os atos antidemocráticos de 2020, em Brasília.
Nair Berenice da Silva, simpatizante do presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro, aparece no inquérito da PF por contratar um trio elétrico usado na manifestação do dia 3 de maio de 2020 junto à coordenadora do Movimento Brasil Livre (MBL) no RS na época, Paula Cassol. Segundo os responsáveis pela empresa de sonorização, ela quitou parte do valor do contrato, estimado em R$ 7 mil, por transferência bancária.
O g1 tentou contato com Nair, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.
Paula respondeu que “as ações realizadas não tem financiamento de partido, sindicato ou um grande empresário. Passa-se o chapéu, ou a caixinha, literalmente, para arrecadar contribuições de pessoas que não querem que o Brasil tome o rumo de Cuba, da Argentina, da Venezuela, da Nicarágua”.
O documento foi divulgado no ano passado pelo site The Intercept e teve sua veracidade confirmada pelo g1.
A empresária também é vinculada a uma arrecadação de fundos pela internet intitulada “Querem nos tirar da rua: não vão”, que já foi encerrada.
Tuty, como é conhecida, aparece como a terceira maior doadora de fundos a Paula Cassol – que, neste ano, é candidata a deputada estadual pelo Partido Liberal (PL), o mesmo do presidente Jair Bolsonaro. Ela doou R$ 1 mil, conforme o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
“Infelizmente a Nair doou somente R$ 1 mil para a minha campanha, gostaria que ela pudesse doar muito mais, já que nao recebi nada de fundo partidário”, diz a candidata.
Em relação aos painéis, conforme o documento apresentado pela Life Mídias Urbanas à Justiça Eleitoral durante o andamento do processo que terminou com a retirada dos outdoors, no dia 17, Nair pagou R$ 18.478,26 pelos serviços de “ressarcimento das despesas diretas com terceiros de produção”, “produção da tela a ser impressa e instalada”, “despesas gráficas de impressão da lona”, “mão de obra de instalação e retirada”, “aluguel da parede” e “energia elétrica”.
Os painéis foram retirados, por determinação judicial, por se tratar de “propaganda eleitoral veiculada antes do prazo legal”, que começou oficialmente na terça-feira, 16 de agosto. De qualquer forma, segundo o artigo 39, da Lei 9.504/1997, é vedada a propaganda eleitoral mediante outdoor.
Ainda segundo a nota fiscal, os custos de exibição do painel foram uma “bonificação” da empresa.
Em suas redes sociais, Nair Berenice já publicou fotos com o presidente Jair Bolsonaro e em manifestações pelo impeachment da então presidente Dilma Rousseff, contra o STF e questionando as urnas eletrônicas.
No mesmo ano, a empresária entrou com requerimento na Câmara de Vereadores de Porto Alegre pedindo o impeachment do então prefeito da cidade, Nelson Marchezan Júnior (PSDB).
Painéis foram retirados
Dois painéis gigantes sobre o 7 de Setembro ficaram expostos em laterais de prédios de Porto Alegre por pelo menos cinco dias. Os banners associavam a esquerda – representada por uma foice e um martelo, símbolos do comunismo – a uma série de atitudes e organizações, como “aborto”, “censura”, “povo desarmado”, “ideologia de gênero”, “bandido solto” e “PCC”. Ao lado, outra coluna associava a direita – representada por uma bandeira do Brasil – a frases e palavras como “vida”, “liberdade”, “povo armado”, “valores cristãos”, “bandido solto” e “a favor da polícia”.
Os outdoors haviam sido instalados nos bairros São João e Bom Fim — este com face ao viaduto Conceição, uma das principais saídas da Capital – e foram retirados após decisão judicial nesta quarta-feira. Nas redes sociais, a empresa que instalou o painel emitiu uma nota na qual afirma que “o conteúdo das campanhas é de responsabilidade dos anunciantes que contrataram”, sem revelar o nome do cliente – que, agora, se sabe que é Nair Berenice da Silva.
Sócio da empresa, o empresário Leonardo Zigon Hoffmann, comentou na postagem com a frase “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos”, slogan do presidente Jair Bolsonaro na eleição de 2018.
Decisão judicial
Em sua decisão, o juiz eleitoral Márcio André Keppler Fraga avaliou que a instalação configura propaganda eleitoral veiculada antes do prazo legal, que começou a vigorar 16 de agosto, e que “o uso do outdoor, ou aparato que simule seu efeito, é expressamente vetado pelo ordenamento jurídico”. Keppler baseou sua decisão no art. 36 da Lei 9.504/1997 e no art. 39, §8º, da mesma lei, e art. 3-A da Resolução TSE n. 23.610/2019.
Além de determinar a retirada dos painéis 24 horas após a decisão, o juiz remeteu o processo ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE) para que o Ministério Público Eleitoral considere aplicar uma multa aos responsáveis pela instalação.