sábado, 21 de dezembro de 2024
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Automatic Lover

Eu sou seu amor automático, repetia o robô prateado em forma humana ao iniciar e finalizar o áudio da música de Dee D. Jackson, lançada em 1978, que fez sucesso…

Eu sou seu amor automático, repetia o robô prateado em forma humana ao iniciar e finalizar o áudio da música de Dee D. Jackson, lançada em 1978, que fez sucesso no Brasil como tema de novela.

O videoclipe mostrava a cantora em uma roupa prateada, assim como seu parceiro robótico, com uma enorme gola da mesma cor, no tamanho Elvis Presley extra GG, em suposição ao traje do futuro, dançando no cenário iluminado por luzes coloridas e girando ao redor do seu amor automático.

A letra da música suscita a hipótese de uma máquina ser capaz de oferecer amor automaticamente, um ser autômato poder gerar tal sentimento. No caso, um robô, que, naquela época, imaginava-se ter formas humanas. Hoje, sabemos que robôs podem assumir formas variadas.
Há autômatos em quase tudo que diz respeito às Tecnologias da Informação e Comunicação – as TICs, seja nos aparelhos de televisão, caixas de autoatendimento, semáforos e, claro e absolutamente, nos celulares e seus aplicativos.

Os robôs atualmente estão disfarçados em diversos aparelhos eletrônicos, mas a automação está nos programas “inteligentes” de computares, em seus hardwares e softwares, seus corpos e almas, geradoras todos os comportamentos.

Eles estão nos mecanismos de busca do Google, escolhendo quais sites podemos visitar, separando nossas fotos por temas, analisando nossos perfis nas redes sociais e aplicativos para nos oferecer o que concluem que queremos, gerando o conteúdo os quais deduzem, por meio de cálculos e regras matemáticas, sejam nosso desejo.
São automáticos os amores do WhatsApp, com símbolos, expressando o que parece sentir a pessoa no outro aparelho, e palavras de compreensão duvidosa ou equivocada, afinal são inertes e apáticas, quase alexitímicas.

Se quiser respostas prontas, basta programar, aliás, talvez não seja preciso, já estamos programados para repassar, repetir, reescrever, redesenhar, tirar selfies, com personagens e paisagens diferentes, mas com a mesma exibição normatizada pelas redes e pelas teias sociais que sempre existiram, só foram amplificadas pela gigantesca lupa da internet.

A música Automatic Lover, como tantas outras expressões artísticas, parece ter premeditado o futuro. Só não imaginava que os robôs seriam de tipos diferentes, estariam em tantos lugares e seriam tão indispensáveis à vida do ser humano.
Não imaginavam também que o ser humano estaria ele próprio automático, funcionando por um sistema mecanizado, com auxílio de uma máquina, agindo impulsivamente, às vezes com teor involuntário, mas de gestos e comportamentos automatizados.
Sou favorável à evolução do mundo, apreciador do desenvolvimento científico, tanto mais do aperfeiçoamento humano. Sou simultaneamente espectador e vítima de todo aparato tecnológico comunicativo que nos serve e nos cerca com suas telas, de aço, de vidro, LCD ou AMOLED.

O obstáculo invariavelmente não está no “que”, mas no “quanto”. A diferença entre o remédio e o veneno está na dose. Fato que a banda americana Stix também já prenunciava na canção Mr. Roboto, gravada em 1982, no trecho da letra que diz: “O problema é fácil de ver / Há muita tecnologia”.

Interpretando o excerto, diria que há pouca humanidade, mais ainda, digo que nos falta mais momentos de vivência real, falta-nos energia para sair do paraíso virtual. Falta menos automação. Precisamos de amor real, decepções verdadeiras e dores que não podem ser bloqueados. Afinal, a vida, por incrível e paradoxal que possa parecer, não respeita programação e só pode ser vivida offline.

Sérgio Piva
s.piva@hotmail.com

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